Escola de Princesas
Ao leste desponta o sol
E em minha boca um bocejo
A cama me agarra e implora para eu ficar
É hora de ir trabalhar
O inverno é longo e não tarda eu me visto e saio a cantar
Miri acordou com o balido sonolento de uma cabra. De tão escuro que estava lá fora, era como se os olhos ainda permanecessem fechados, mas talvez as cabras já percebessem o aroma da manhã entrando pelas frestas entre as pedras nas paredes da casa. Meio acordada, meio dormindo, sentia a friagem do outono enregelando as cobertas e teve vontade de se aconchegar ainda mais para dormir como um urso de dia ou de noite sob frio intenso.
De repente, lembrou-se dos mercadores, chutou para longe as cobertas e sentou-se na cama. Seu pai acreditava que aquele era o dia em que as carroças passariam pela quebrada da montanha e chegariam à aldeia. Nessa época do ano, os aldeões se empertigavam para as últimas permutas da temporada, apressando-se em dar acabamento a mais alguns blocos de cantaria, que seriam trocados por igual quantidade de alimento para os meses em que a neve não os deixaria trabalhar. Miri queria ajudar.
Cuidando para evitar o barulho do colchão de palha, Miri se levantou e passou delicadamente por cima do pai e da irmã mais velha, Marda, adormecidos em suas esteiras. Passara a semana inteira ansiosa, queria já estar na pedreira trabalhando quando o pai lá chegasse. Talvez assim ele não a mandasse embora.
Vestiu as ceroulas de lã por cima do pijama, mas ainda não tinha amarrado a primeira bota quando o farfalhar da palha revelou que alguém havia acordado.
Papai agitou as brasas e acrescentou um pouco mais de esterco de cabra. A luz alaranjada se intensificou, projetando uma imensa sombra dele contra a parede.
– Já amanheceu? – Marda se apoiou num dos cotovelos e esticou os olhos na direção da lareira.
– Só para mim – disse o pai.
Ele olhou para Miri ali no canto, parada como uma estátua, com um pé de bota calçado e os cadarços nas mãos.
– Não – foi tudo o que ele disse.
– Papai. – Miri calçou o outro pé e foi até ele, arrastando os cadarços pelo chão de terra batida. Manteve o tom de voz natural, como se o pensamento tivesse acabado de surgir. – Achei que seria bom eu ajudar um pouco por causa dos acidentes e do mau tempo, só até os mercadores chegarem.
O pai não tornou a dizer não, mas ela percebeu pela concentração ao calçar as botas que ele não mudara de ideia. Lá fora, escutara-se uma das cantigas que os trabalhadores costumavam entoar a caminho da pedreira. É hora de ir trabalhar, o inverno é longo e não tarda, eu me visto e saio a cantar. O som da cantiga cada vez mais próximo, acompanhado de um chamado insistente, vamos logo, vamos logo, antes que eles passem, antes que a neve do inverno cubra toda a montanha. A cantoria fez Miri sentir como se seu coração estivesse espremido entre duas pedras. Um convite à união, mas ela não estava incluída.
Encabulada por ter mostrado vontade de ir, Miri deu de ombros e disse:
– Ora, bolas! – Pegou a última cebola de uma tigela, cortou uma fatia de queijo de cabra curtido e entregou o alimento para o pai quando ele abriu a porta.
– Obrigado, minha flor. Se os mercadores vierem hoje, quero ficar orgulhoso de você. – Deu um beijo no alto da cabeça da filha e logo engrenou na cantoria dos demais, antes mesmo de alcançá-los.
Miri sentiu a garganta arder. Iria deixá-lo orgulhoso, sim.
Marda a ajudou com os afazeres de casa, juntando as cinzas e varrendo a lareira, colocando o esterco das cabras para secar ao sol e mais água na carne para o jantar. Enquanto a irmã cantarolava, Miri tagarelava sobre qualquer assunto, sem, no entanto, mencionar a recusa do pai em deixá-la trabalhar. Mas o pesar lhe caía sobre o semblante qual roupa molhada sobre o corpo, e sua vontade era de rir o mais que pudesse até conseguir se livrar daquilo.
– Semana passada, fui à casa da Bena e o avô dela estava sentado lá fora pegando sol. Fiquei olhando, intrigada, porque ele nem se incomodava com uma mosca que não parava de esvoaçar ali por perto. De repente, pimba.
Esmagou-a com um tapa certeiro em cima da própRia boca – contou Miri. Marda se arrepiou toda.
– E o que é pior, Marda, ele deixou a mosca lá – disse. – O bicho morto,grudado bem ali, embaixo do nariz do velho. E, quando ele me viu, disse: "Boa tarde, senhorita", e a mosca... – Seu estômago deu uma reviravolta quando ela tentou conter o riso para continuar falando. – A mosca balançava enquanto ele mexia a boca... e aí... levantou a asinha amassada... como se estivesse acenando para mim!
Marda costumava dizer que não conseguia resistir à risada baixinha e gutural de Miri, e desafiava a própria montanha a se conter. Mas Miri gostava mais dá risada da irmã do que de um prato cheio de sopa. Só de ouvi-la, seu coração ficava mais leve. Elas tocavam as cabras e ordenhar as leiteiras nas primeiras horas da manhã. O frio que fazia agora no alto da montanha era prenúncio do inverno, mas a temperatura arrefecia um pouco com a brisa que soprava do vale. O céu passou do rosa para o amarelo e depois para o azul à medida que o sol foi subindo, mas Miri ficou o tempo todo desviando a atenção para o oeste e para a estrada que subia do pé da serra.
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Atualizado até capítulo 59
Comments
Raieny Ramires de Abreu
nossa essa parti demas ser filha da maior vilam de contos de fada Malevola
2023-04-09
2
Raieny Ramires de Abreu
nossa arrasou narrador fosse foi um arraso .
Entrada dramatica
2023-04-09
2
Mary
Me identifiquei aqui.
2023-02-22
0