Maria escancarou as portas do seu armário e sentou-se à beira da cama olhando o enorme volume de roupas que até mesmo poderia jogar fora. Em menos de um ano, já era a terceira vez que teria de se mudar.
Logo agora que estava se acostumando com a nova casa.
Seu pai trabalhava com plantas ornamentais e desejava há algum tempo encontrar um bom lugar para abrir uma floricultura e ter um espaço para plantar suas flores.
Não demorou até que seu pai encontrasse uma casa que atendia às suas necessidades.
E como era de costume, mais uma vez teria de se mudar. A mudança foi numa manhã de sábado.
Tivera tempo para arrumar todas as suas coisas e ainda descansar um pouco.
A casa ficava em zona rural, e os vizinhos mais próximos moravam a aproximadamente um quilômetro e meio.
O lugar era bonito e agradável para quem não gosta da agitação da cidade e prefere o sossego do campo, e o mais importante, havia espaço de sobra para se plantar.
Ajudou seu pai a descarregar o restante dos objetos e entrou para começar a arrumação.
Sua mãe já estava no interior da casa à sua espera.
Quando pisou na soleira da porta, jurou ter sentido um arrepio descer-lhe à espinha, e sentiu os cabelos da nuca se arrepiar também.
Bateu três vezes na madeira pensando neutralizar qualquer energia negativa.
Sua mãe estava feliz com a nova casa. Era espaçosa, arejada, os quartos eram amplos, a varanda era aconchegante.
Um lugar agradável. A construção era antiga, mas a velha casa permanecia de pé e não aparentava toda idade que tinha, pois há pouco havia sido reformada.
O dia foi longo para Maria. Trabalhou bastante até conseguir deixar tudo em ordem e a seu gosto.
Seu irmãozinho, Fernando, de apenas seis anos de idade, apenas brincou o dia todo em um banco de areia que havia no quintal.
A noite não demorou a chegar e logo a família se reuniu para jantar.
Maria sentia falta dos barulhos da noite na cidade. Tudo ali era tranqüilo demais.
Havia dois quartos na casa, uma sala, a cozinha e o banheiro.
Dormiria com seu irmão em um quarto, enquanto seus pais ficariam com o outro.
O fim de semana passou rápido. Na segunda-feira ela teve de ficar sozinha com seu irmão, pois seus pais tiveram de ir para a floricultura que era distante dali.
Procurou fazer todos os seus afazeres de manhã para que tivesse algum tempo para brincar com Fernando.
Sentia falta de ter pessoas para conversar, mas acreditava que aos poucos se acostumaria.
Era difícil passar o dia todo apenas na companhia de seu irmão. Seus pais sempre chegavam quando já estava escuro.
Com o passar dos dias sentiu que não gostava de ficar dentro de casa. Era fria e úmida, bem diferente de quando chegou.
Vivia constantemente usando blusas, mesmo quando o sol brilhava lá fora.
Apenas Fernando não sentia o mesmo, vivia arrastando seus carrinhos pelo chão usando apenas bermudas.
Sentia-se cada vez mais sozinha e até mesmo chegou a comentar isto com seus pais, que não se importaram muito, dizendo que tudo não passava de uma fase de transição.
Passou a achar que enlouquecia. Toda vez que se deitava para dormir, não conseguia pegar no sono.
Virava de um lado pro outro tentando achar a melhor posição.
Deixando o quarto sempre o mais escuro possível, e mesmo assim passou a ver imagens estampadas na parede.
Esfregava os olhos várias vezes, mas elas não desapareciam. Pensava ser coisa de uma mente alucinada.
Noites a fio passava observando as imagens na parede que às vezes formavam rostos e outras vezes eram apenas espirais que giravam insistentemente.
Não contou isso a ninguém para que não atestassem sua loucura.
Desejava não ter de dormir mais naquele quarto.
Tentou algumas vezes dormir na sala, o que não ajudou muito, pois coisas piores aconteciam ali.
Dormia no sofá e por vezes sentia alguém lhe puxar o cobertor com violência.
Levantava-se assustada e assim que colocava os pés no chão, mãos geladas agarravam seus calcanhares.
Tentava gritar, mas sua voz saía sempre como um gemido.
Quando conseguia correr até o quarto dos pais, sempre ouvia a mesma frase: “Está sonhando ou imaginando coisas!”.
Mas ela sabia que não era isso. Estava certa de que não era. Estava profundamente perturbada.
Para piorar sua situação, seus pais passaram a levar Fernando com eles para que fosse à escola e apenas o traziam de volta à noite.
O fato de estar definitivamente sozinha fez com que os fenômenos aumentassem.
Quando estava na sala ouvia ruídos vindos da cozinha. Encolhia as pernas sobre o sofá e tapava os ouvidos.
Não era suficiente para que não ouvisse as portas do armário se abrindo, os copos e pratos sendo quebrados, torneira sendo aberta. Era enlouquecedor. Quando era tomada de certa coragem, levantava-se e ia até a cozinha e para sua surpresa, sempre tudo permanecia intacto, em seus devidos lugares.
Aos poucos foi emagrecendo, seus olhos viviam com olheiras, em seu corpo apareciam marcas roxas, como se fosse espancada por alguém e, mesmo assim seus pais ainda achavam que ela apenas tinha uma mente fértil demais.
Cansada de vivenciar aquele tormento, decidiu abandonar tudo. Andou e andou até avistar a casa dos vizinhos mais próximos.
Estava exausta. O sol estava a pino. Decidiu bater palmas e pedir um pouco de água.
Uma mulher aparentemente simpática veio atender.
Maria a cumprimentou e disse-lhe onde morava. A mulher arqueou um pouco a sobrancelha.
Após conversarem um pouco do lado de fora, a mulher a convidou para entrar.
— Então você mora na casa velha? – perguntou a mulher enquanto servia-lhe água.
Maria apenas meneou a cabeça.
— E você está gostando de lá?
Silêncio entre as duas.
— Na realidade… Não!
A mulher sentou-se fixando o olhar sobre a jovem.
— Percebo que não está feliz. Talvez eu possa ajudá-la.
— Talvez não! – Maria suspirou.
— Não aparenta ser uma pessoa feliz. Existe algo que a preocupa? Não precisa ter medo de se abrir.
Maria não conteve as lágrimas. Ignorou a voz que no fundo a mandava voltar para casa e falou:
— Sim. Talvez tenha algo a dizer. Coisas ruins vêm acontecendo comigo. Apenas comigo.
— Não precisa me falar muita coisa. Poupe seu coração. Moro aqui há algum tempo e já ouvi muitas histórias.
Não precisa me contar. Posso imaginar! – disse a mulher, enquanto discretamente observava as marcas nos braços dela.
— Então a senhora acredita em mim? Naquela casa existe mesmo algo sobrenatural? O que sabe a respeito?
— Bem… Quando me disse onde morava, confesso que meu coração gelou.
Há muito tempo atrás, viveu naquela casa uma família.
Três filhos e sua mãe, já idosa. Eles viviam bem, mas um dos filhos enlouqueceu.
Via vultos, objetos que caíam no chão, coisas que se quebravam. Dizem que ele acabou contagiando os irmãos com sua loucura e por fim, os três acabaram por matar a própria mãe, e dizem que a enterraram sob o chão da cozinha.
Essa história chocou muita gente, pois eles ainda moraram durante um bom tempo na casa, sobre o túmulo da mãe.
A jovem sentiu medo. Aquela história era inacreditável. Não deveria ser verdade.
Tomou a água rapidamente e despediu-se da mulher, correndo de volta para casa.
Quando chegou, tudo estava como havia deixado. Entrou devagar pela porta que dava na cozinha.
Olhou ao redor e não viu nada de estranho. Lembrou-se de que a mulher havia dito que o túmulo da velha era na cozinha.
Puxou a mesa para um canto e abaixou-se para arrastar o tapete, não conseguiu, pois todos os armários começaram a se abrir novamente e os pratos e copos eram cuspidos de dentro deles com violência sobre ela.
As gavetas começaram a se abrir e fechar, e os talheres também voavam lá de dentro em sua direção.
Ela não se deixou impressionar, mesmo sentindo seu corpo paralisado pelo temor, não desistiu.
O tapete parecia estar preso ao chão, não se soltava.
Um vento forte vindo do lado de fora a jogou contra a parede, abrindo um corte em sua fronte.
Recordou-se de que sua mãe dizia que contra os poderes do mal, apenas a oração fazia algum efeito, resolveu iniciar uma série de orações que se lembrava. A princípio não surtiu efeito, mas devido a sua insistência, os fenômenos cessaram.
Desta forma pode finalmente arrastar o tapete e constatar que o piso da cozinha era irregular.
Havia uma parte que parecia ser nova, como se alguém o tivesse quebrado e o refeito.
Formava perfeitamente o desenho de uma sepultura.
Tomando-se de toda coragem que ainda lhe restava, procurou por alguma ferramenta que a ajudasse a quebrar o piso. Encontrou um pé-de-cabra, e com toda força que tinha, quebrou todo o piso.
Pegou uma pá e em seguida retirou a terra.
Não ficou surpresa ao encontrar a ossada humana.
Sentia-se paralisada pelo pavor, mas ainda conseguiu retirar os ossos e os levar para fora de casa.
Já escurecera e seus pais não demorariam a chegar.
Preparou uma pira improvisada e ateou fogo nos restos mortais que encontrara.
Quando seus pais finalmente chegaram, ela ainda estava no quintal, ajoelhada junto à fogueira.
Assustaram-se em vê-la naquela situação, com as roupas sujas e com terra nas unhas e cabelos.
A abraçaram perguntando o que havia acontecido.
Maria lhes contou tudo, desde o princípio e todos se chocaram com sua história.
Imediatamente resolveram arrumar as coisas e partir para longe dali. Arrependeram-se de não ter dado ouvidos à ela.
Partiram para sempre, deixando para trás a velha casa e toda maldição que pairava sobre ela.