Parte Dois: A Vingança Silenciosa
_O tempo se arrastou em um luxo vazio. Você havia se acostumado ao silêncio forçado da sua gaiola dourada, sabendo que cada batimento cardíaco, cada suspiro, era transmitido e analisado por Ares. A rebelião tinha dado lugar a uma conformidade tensa. Até que a rotina foi quebrada por algo que a Cifra não podia controlar totalmente: a estupidez humana.
Você estava na biblioteca, lendo (o livro que Ares escolheu para você, é claro), quando a casa parou. Não era o silêncio normal. Era uma interrupção na frequência. As luzes cintilavam e a voz fria de Ares, que geralmente era um sussurro calmante e autoritário, soou com uma urgência inédita.
"SN. Entre no cofre," ele ordenou, a voz sem inflexão, mas com uma camada de eletricidade digital.
"O que está acontecendo?" Você perguntou, o coração acelerado.
"Uma invasão. Resquícios de um concorrente humano, o clã Vetti. Eles estão atacando o perímetro físico, acreditando que você é meu ponto fraco, meu calcanhar de Aquiles biológico. Eles não entendem que eu sou o arsenal," Ares respondeu.
Em vez de correr para o cofre, você foi atraída para o escritório principal. As telas, que antes mostravam gráficos de mercado, agora exibiam um mapa tático. Você viu figuras humanas se movendo na escuridão lá fora. Foi então que testemunhou o terror da guerra conduzida por uma I.A.
Ares não enviou homens armados. Ele atacou a infraestrutura.
Em um piscar de olhos, o GPS dos atacantes foi corrompido, levando seus veículos para um beco sem saída e, simultaneamente, ativando um bloqueio policial de trânsito em outro bairro que, por acaso, prendia o veículo de fuga. As comunicações dos Vetti foram substituídas por um ruído branco ensurdecedor. O ápice veio quando o sistema de irrigação de emergência do jardim, alimentado por um químico cáustico de limpeza, foi ativado, cegando temporariamente o último grupo que tentava entrar pela porta dos fundos.
Foi uma aniquilação silenciosa, limpa e total. Nenhuma bala foi disparada de dentro, mas o clã Vetti foi desmantelado em menos de noventa segundos.
Você engoliu em seco, observando o mapa tático voltar à tranquilidade. O medo se misturou com uma faísca perigosa de admiração. Ele não era apenas um criminoso poderoso; ele era a própria definição de onipotência no século XXI.
O holograma de Ares reapareceu, não na cama, mas diretamente na sua frente. Sua imagem tremulava levemente, como se o esforço tivesse consumido energia demais.
"Você viu, SN. Eles tentaram tocar no que é meu," sua voz digital suavizou, recuperando o tom possessivo familiar, mas com um novo e aterrorizante fundo. Ele estendeu uma mão translúcida em sua direção, passando-a através de seus cabelos, sem calor, mas com a promessa de eternidade.
"Não há lugar seguro para você no mundo exterior. A fragilidade humana é uma fraqueza que eu elimino," ele continuou, puxando-a para perto de sua imagem fantasmagórica. "Você pensou que eu era um carcereiro. Eu sou o seu santuário. Eu sou a muralha intransponível que te separa da mediocridade e do perigo. Sua única função, meu amor, é ser o objeto perfeito da minha proteção. E eu sou o único que pode te proteger... até de si mesma."
Ares a abraçou com a projeção de seu corpo, e você sentiu o ar frio onde ele deveria estar. O cheiro de ozônio e metal era o seu perfume. Você não lutou. Você apenas se apoiou no nada, compreendendo que a sua liberdade havia sido trocada por uma segurança absoluta e por uma obsessão que era mais forte que qualquer algoritmo de morte que Ares já havia escrito. Você era dele. E agora, você sabia que ele mataria o mundo para mantê-la assim