Era uma tarde agradável de outono, quando o vento da estação mais quente aos poucos ia se abrandando e as folhas dos carvalhos do pequeno parque da universidade dançavam suaves a valsa dos ventos. Os corredores pareciam sussurrar segredos antigos nos pontos escondidos do prédio, típicos das construções antigas, e os alunos que frequentavam aquele lugar enchiam as paredes com novos sussurros e histórias. Dentre esses alunos, havia duas figuras que sempre chamaram minha atenção e a presença deles eletrizava todo o ambiente: os irmãos Elliot.
Wade Elliot, envolto em uma aura fria quase palpável, conquistava olhares por sua beleza silenciosa acima de tudo e inteligência afiada, sua presença era intimidadora para o resto de nós, ainda mais vindo de uma família abastada. Luke Elliot, por outro lado, exalava confiança e magnetismo — sempre rodeado de admiradores, embora mal reconhecesse suas próprias fragilidades, carregava um orgulho ferido e uma inveja silenciosa do irmão mais velho.
Vi de perto como o ódio entre eles crescia sutilmente alimentado pelo ego inflado e o desejo de ocupar o lugar do irmão, parecia uma sombra que se estendia ao entardecer. Luke invejava a mente ágil, a preferência de seu pai pelo irmão e a maneira como Wade parecia entender o mundo sem esforço, enquanto Wade desprezava a vida fácil do irmão, acreditando que sua criação mimada por parte da mãe o fazia fraco e propenso à futilidades, com certeza não servia para ser um bom lider.
E eu, Janne? Bom... eu me deixei ser puxada por esse furacão, eu achava que tinha o controle e estar dentro do furacão era escolha minha, mas eu me enganei. Em um dia comum sentada a sombra de uma árvore, Luke aproximou-se de mim com o sorriso energético encantador de sempre, pediu ajuda com os estudos e a partir daí, as coisas... aconteceram — não por escolha calma, mas por um desejo dele que fermentava o conflito com o irmão. Nosso envolvimento nunca foi público, era feito de jogos de poder e discussões intensas que sempre acabavam em beijos violentos, até certo ponto eu nunca desejei ser reconhecida como sua namorada, nunca foi minha intenção. Luke, com sua impulsividade, me fazia sentir desejada e, ao mesmo tempo, diminuída. Nosso relacionamento era um campo minado, onde qualquer passo podia ser explosivo. Por fim, Luke e eu estávamos ruindo. Cansei do conflito, dos jogos e do sexo que agora parecia monótono e frio. Passei a evitar sua presença e tudo que mencionasse Luke Elliot me causava tédio e ele sabia disso, não era um problema para ela.
Foi nessa dinâmica que Wade aproximou-se de mim em uma manhã silenciosa na biblioteca, chegou e sentou-se comigo, lançando olhares silenciosos por baixo dos cílios pretos. Havia algo espesso entre nós, habitando o silêncio e os olhares afiados como navalha.
Wade puxou uma cadeira ao meu lado, o gesto abrupto, mas contido, como quem tenta passar despercebido. Abriu um livro, folheando páginas com a atenção de quem espera por alguma coisa que não chega. Por um instante, ficou em silêncio, os olhos vagando pelo papel, sem me encarar.
— Precisa de ajuda? — perguntou, a voz baixa e rouca, distante como quem não tem muita intenção.
Senti o peso estranho da atmosfera, sua presença roubava meu oxigênio, suprimia minha energia, me devorava. Exitei, incerta se deveria responder. Havia algo ali — não no tom, mas no jeito que ele se mantinha rígido, como se o lugar ao meu lado fosse incômodo.
— Acho que... sim, se quiser — murmurei, observando seus dedos inquietos sobre o livro e o jeito como seus lábios bem delineados se abriam.
Ele apenas assentiu, sem sorrir, apontando de leve para meu caderno.
— Esse cálculo aqui... não está correto — disse, quase num sussurro, evitando qualquer contato direto, suas mãos grandes ainda inquietas.
Agradeci em voz baixa, percebendo que Wade parecia mais preocupado com o silêncio entre nós do que com os números. Por trás da sua postura, o desconforto ressoava, sutil, como uma nota fora do compasso — e eu soube que nada naquele momento era simples. Aos poucos, os encontros na biblioteca passaram a ser frequentes, eu observava seus dedos, seus olhos pretos, seu cabelo caído sobre os olhos, sua perna direita que nunca parava. Com o tempo, não era a matéria que o fazia vir a mim, ele me sondava como um predador espreita sua presa e eu senti que aquilo que sempre quis, lá no fundo, talvez pudesse ser real: eu sempre quis Wade Elliot.
Em uma noite de tempestade, depois que nossas conversas resultaram desastrosamente em uma discussão sobre Luke e seu temperamento comigo, tivemos que sair e nos abrigar embaixo de uma das escadas que davam acesso a biblioteca, e finalmente Wade rasgou o véu da neutralidade.
— Por que tinha que ser ele? Por que não outra pessoa? — perguntou ele, visivelmente nervoso.
— Eu não tinha ideia de como Luke é temperamental, mas não era um problema para mim até eu ficar entediada. É só isso. — falei incisiva, tentando por um fim no assunto.
— E se ele tivesse te machucado, você ainda o defenderia? Por que não escolheu outro? Fala, você gostava daquele babaca tanto assim? — pelo tom de voz, Wade parecia prestes a explodir.
— Já chega. Você não tem o direito de questionar minhas escolhas afetivas, logo você que sempre se achou bom demais pra tudo isso, Luke pelo menos não anda pelo campus se achando superior a todo mundo. Volta pra seu mundinho, eu não tô a fim de ser engolida pelo “furacão Elliot” depois de tudo. Você e seu irmão são dois babacas metidos que acham que podem controlar tudo e todos. — me virei na esperança de sair daquele lugar e enfrentar a noite chuvosa, mas Wade agarrou meu braço e me puxou de volta.
Suas palavras me cortaram como lâminas, queimaram como ácido na pele — arrogantes, afiadas e dolorosas, mas carregadas de uma paixão selvagem que eu jamais experimentara. Ele se aproximou — o olhar como um buraco negro, puxando toda luz para si, a respiração pesada, como quem carrega um segredo prestes a explodir. Senti os dedos formigarem ao notar sua atenção fixa em mim, o silêncio denso entre eles era uma muralha prestes a ruir.
— Você nunca quis admitir, não é? — perguntou Wade, a voz baixa, entrecortada, como um trovão distante. — Esse “furacão” que você diz, essa vontade de devorar o mundo e um ao outro... Sempre fingiu que podia controlar. Humpf! Que ingênua.
Eu desviei o olhar, os olhos úmidos de raiva e desejo. — Controlar? Ninguém controla furacões. Você me consome, Wade. Sempre foi assim, todo dia, toda noite, desde o primeiro olhar. Nunca foi o seu irmão, era sempre você.
Wade se inclinou, tão perto que pude sentir o calor do seu corpo, o cheiro de suas roupas a e angústia que perfumava o ambiente, a mão ainda segurando meu braço, porém de forma branda. — Eu tentei te evitar. Tentei sufocar esse sentimento desde o dia em que meu irmão me disse que você era dele, mas quanto mais eu lutava, mais eu afundava. Desde o primeiro dia que eu te vi, sempre foi você e Luke sabia disso, ele te usou pra me afetar.
— O quê?! — não acreditei no que ouvi. Meu coração acelerou com a adrenalina, minha boca secou e um aperto no peito me fez suspirar.
— Você é veneno e cura, Janne. Não consigo escapar. — disse ele, encostando sua testa na minha, os olhos pretos fechados e seus lábios carnudos tão próximo dos meus que quase não contive meu ímpeto.
— Então não escape — falei, a voz trêmula, quase um sussurro cortante. — Para de fingir que é frio. Para de se esconder atrás desse sarcasmo. Me mostra quem você é, por trás da dor.
Wade riu e se afastou de mim, um som amargo, carregado de derrota. — Eu sou exatamente o que você vê, não consegue aceitar isso? Sou imperfeito, imprestável, arrogante. Mas só você, só você me faz querer dilacerar essa pele e deixar esse fogo consumir tudo ao meu redor.
Eu me aproximei, encarando Wade de frente, o rosto envolto em sombras, iluminado apenas pelos flashs dos relâmpagos que cruzavam o céu noturno. — Então me destrói, Wade. Me consome por inteiro, me queima e esvazia. Porque se for pra arder, queimar tudo é melhor que seja você, por você.
Wade, tomado por um desespero violento, me encurralou contra parede e me segurou pelos ombros, a expressão retorcida de paixão, desejo sombrio e medo. — Eu te amo tanto que odeio. Odeio precisar tanto de você. Odeio desejar você. Odeio o quanto isso dói e o quanto eu quero.
Eu sorri, um sorriso quebrado, de quem aceita e deseja o caos. — Se é dor, que seja nossa. Se é amor, que seja incêndio. Ao menos, entre as cinzas, saberemos que foi verdadeiro.
Wade finalmente me agarrou pela nuca num gesto bruto e urgente, como quem tenta fundir dois universos em um só instante — e, por fim, deixamos que essa espécie de amor corrosivo consumisse tudo ao redor, sem temor do que restaria depois. Eu saboreei cada centímetro de sua boca, toquei em cada músculo e me permitir arder em cada um deles. Wade, por sua vez, como o buraco negro que era, sugou de mim tudo que pôde: meu ar, meu controle, cada gemido, cada fluido em cada centímetro do meu corpo, ele me reclamou para si.
O sentimento entre nós era magma no núcleo da terra, era oceano e suas profundezas mais escuras, e só cresceu porque havia caos — barreiras, orgulho e um desejo quase proibido. Não nos entregamos com doçura, mas com fúria, como quem trava uma batalha em cada gesto. Descobri, a cada encontro, que amar Wade era como atravessar um labirinto: perigoso, incerto, impossível de resistir. Não havia controle, nem desejo de ser controlado.
Quando Luke soube de nós, explodiu em fúria. A convivência virou cenário de confrontos, olhares cortantes e palavras que sangravam.
— Você não vai conseguir fazê-la feliz, Wade, não é capaz disso. E você, Janne... você não significou nada, eu só estava entediado e precisava de um novo motivo pra irritar meu irmão. Sabia que você tinha chamado a atenção dele logo no primeiro dia, justo você: uma vadia sem graça e...
Wade interrompeu o discurso de seu irmão com um soco massivo no rosto e os dois começaram a brigar, vieram outras pessoas para separar a briga e os dois foram pra reitoria. Depois disso, o ódio dos irmãos só crescia; Luke não aceitava perder para o irmão de novo, e Wade, sempre com sarcasmo gélido, devolvia sempre um olhar sarcástico e provocador. Vi de perto como a inveja e a rivalidade podem ser corrosivas, anulando qualquer chance de reconciliação. Luke, consumido pelo rancor, deixou a universidade. Wade e eu, marcados por cicatrizes e promessas quebradas, aprendemos que o amor verdadeiro não é calmo: pode ser arrogante, tempestuoso e, mesmo assim, sobreviver ao ódio e ao tempo.