Em um dia chuvoso com tempestades, duas crianças brincavam na chuva. Estavam cobertas de lama, até que a menina disse para seu irmãozinho:
— Damer, temos que ir agora, tá bem? O papai disse pra gente não demorar muito dessa vez.
O irmão, com tristeza na voz, respondeu:
— Tudo bem... mas eu quero brincar amanhã também.
A irmã segurou a mão dele e saiu correndo pela rua. Mas, no caminho, Damer tropeçou e caiu no chão. As coisas começaram a escurecer.
No momento seguinte, Damer acordou em um lugar desconhecido. Ele não reconhecia o ambiente. Parecia um quarto, mas estava escuro demais para enxergar direito. Procurando ao redor, encontrou uma vela e a acendeu. Com a luz fraca, saiu do quarto e entrou em um corredor estreito e curto.
De repente, uma criatura estranha apareceu. Ele se escondeu rapidamente. A criatura era alta, com braços longos e múltiplos. Não tinha olhos, nem boca. Sua pele parecia feita de fios, emitia uma luz fraca, como uma tapeçaria viva.
Damer ficou assustado e se escondeu atrás da parede, tremendo de medo — mas a criatura o encontrou. Segurando-o com cuidado, falou com uma voz feminina e distorcida:
— Não se assuste, pobre criança. Eu não irei lhe fazer mal algum.
Damer, ainda assustado, tentou se acalmar. Não havia muito o que fazer. Quando a criatura o soltou, ele perguntou:
— Onde eu estou? Quem é você? E onde está minha irmã? A criatura estranha respondeu com calma:
— Eu sou uma Zhurem. Meu nome é Lorena. E você está no Nexo — o lugar que conecta o mundo dos vivos ao das almas. O Nexo fica exatamente entre os dois. Quanto à sua irmã... eu não a vi quando o encontrei.
Damer, ainda desconfiado e confuso com tudo o que ouvira, perguntou:
— Como eu vim parar aqui? Como eu saio?
Lorena caminhou devagar até uma cadeira e se sentou. Baixou a cabeça, apoiando uma de suas mãos na testa, e respondeu com frieza:
— Você, infelizmente, morreu, criança. Mas foi escolhido para ser um Zhurem. Assim como eu fui, há muitos séculos. Agora, sua missão é fazer com que as almas descansem... até que sua vez também chegue.
Damer se levantou de súbito, gritando:
— Isso não é verdade! Para de mentir pra mim!
Ele saiu correndo daquele lugar e abriu a porta de onde estava. Do lado de fora, se deparou com um mundo de loucura. O céu era cinza escuro, o chão branco como neve, e as pedras negras como carvão. Ao redor, várias criaturas semelhantes à anterior se moviam lentamente.
Damer caiu no chão, apavorado com o que via e com o mundo no qual estava preso. Lorena se aproximou e disse, olhando para ele com tristeza:
— Eu sei que é difícil entender... e ainda mais difícil aceitar. Mas agora, não há muito o que fazer.
Damer se levantou, cambaleando, e deu alguns passos para trás, enquanto as outras criaturas o observavam em silêncio. Assustado, perguntou:
— O que eu devo fazer agora?
Lorena respondeu com firmeza:
— Encontre o Sr. Mors. Ele vai te ajudar mais do que eu, criança.
Damer, suando frio e percebendo que não havia outra escolha, decide ouvir Lorena e ir até o tal Sr. Mors. Lorena o acompanha até a Mansão de Mors, que fica no alto de uma pequena montanha — de onde se pode observar quase tudo naquele mundo estranho.
No meio do caminho, Damer faz algumas perguntas. Ele quer entender melhor o mundo do qual agora faz parte.
— Todos os Zhurem daqui já foram humanos? — pergunta ele.
Lorena responde com voz calma e melancólica:
— Todos nós fomos humanos. Mas, com o tempo, nossas peles apodreceram e caíram... e então surgiram os fios de luz. Os braços cresceram, e dois novos nasceram. Estou aqui há tanto tempo que nem me lembro mais de como era minha vida quando viva... não sei mais quem eu era. Mas sei que poderei descansar quando minha missão for concluída. E quero ajudar você na sua.
Damer, ouvindo aquilo, começa a refletir. Pensa no futuro sombrio e solitário que pode o aguardar. Então, Lorena quebra o silêncio:
— Me fale... como é a sua irmã?
Damer olha para o chão, sorri com tristeza e diz:
— Ela é uma pessoa incrível. Cuida muito bem de mim. É sempre atenciosa... e é linda também. Ela é... a beleza em pessoa. Eu tô com saudades dela.
Seus olhos se enchem de lágrimas, mas, antes que possam cair, eles chegam à mansão. Lorena bate na porta, que se abre sozinha com um rangido. Damer entra, hesitante, enquanto Lorena permanece do lado de fora.
— Eu vou esperar por você aqui, criança — diz ela.
Damer caminha lentamente pela mansão, até encontrar uma criatura de estatura média. Seus olhos são negros com pupilas vermelhas, sua pele é feita de fios claros. Ela tem asas de dragão e... não possui boca.
Mas uma voz ecoa por toda parte, como se viesse do próprio ar. Era o Sr. Mors.
— Olá, Damer. Eu estava de olho em você. Sei que tudo isso é confuso, mas... não é mais uma escolha sua. Infelizmente, ou felizmente, o destino o escolheu. Você foi chamado para ajudar as almas. Esse é o papel dos Zhurem.
Ele continua:
— Você receberá uma agulha especial. Com ela, costurará as almas que ainda podem ser salvas. Assim, elas poderão voltar ao mundo humano... como novas pessoas. Também receberá uma máscara branca. Ela ajudará você a manter sua sanidade.
Damer pergunta:
— Que almas?
Mors responde:
— Quando alguém morre, pode chegar aqui de três formas: como uma alma rasgada, como um Nethor, ou como um novo Zhurem. A cada século, menos Zhurem surgem... e isso nos preocupa.
— O que são os Nethor? Eles... matam?
Mors faz uma ilustração surgir no ar com um gesto, e explica:
— Eles são buracos em forma de gente. Como recortes na realidade. Em vez de olhos, têm pontos de costura vermelhos. Seus corpos são cobertos por trapos e fios desfeitos. Eles não matam. Eles Apagam. Pessoas. Memórias. Lugares. São puro nada. E consomem almas para ganhar força. Se ficarem fortes o suficiente... podem escapar deste mundo e invadir o dos humanos.
Damer, assustado mas compreendendo a gravidade da situação, respira fundo. Ele sabe que precisa fazer sua parte como Zhurem... mas também sabe que há algo mais importante: encontrar sua irmã.
Mors entrega a Damer sua linha e agulha para costurar as almas e, ao voar, fala para Damer:
— Cuidado, menino. Eu sei que não é um destino fácil que o espera, mas nunca perca a fé.
Damer balança a cabeça, e Mors começa a soltar as linhas do seu corpo até desaparecer.
Damer pensa em sua irmã e diz:
— Você cuidou de mim tanto tempo... mas agora eu vou te salvar, maninha. Mesmo com medo, eu vou te salvar. Me espera, tá bem?
Saindo da mansão e vendo que Lorena está sentada do lado de fora, Damer fala:
— O que você tá fazendo aqui?
Lorena o responde com uma timidez:
— Eu tava lhe esperando. Eu irei lhe ensinar como as coisas funcionam.
Damer dá um sorriso de canto e começa a andar. Lorena o segue e, no caminho da montanha, indo de volta para a cidade dos Zhurem, decidem ir primeiro para uma biblioteca.
Damer pergunta para a Lorena com uma desconfiança:
— O Sr. Mors desapareceu na minha frente. Aonde ele foi? E como tem uma biblioteca aqui?
Lorena dá uma pequena risada e fala para ele:
— Bem, o Mors, quando ele desaparece, significa que foi para o mundo humano. Ele meio que é a morte em pessoa, mas ele só pode levar as almas dos humanos cujo tempo de vida está acabando. Ele pode se teleportar para o nosso mundo e o humano, mas não confunda as coisas, ok? Não foi ele que nos transformou em Zhurem. E sobre a biblioteca, bem, eu acho que foram várias pessoas estudiosas que a montaram usando seu conhecimento. Os livros são de folhas negras e letras brancas.
Damer analisa como pode achar sua irmã de um jeito rápido, mas ele não sabe como começar. Chegando na biblioteca, ele fica perdido, pois não sabe por onde começar. Então Lorena dá uma dica a ele:
— Bom, vamos pesquisar os locais que mais aparecem as pessoas que vêm para esse mundo.
Damer fala:
— É isso! Muito obrigado... mas tem um livro assim por aqui?
Assim que Damer termina a pergunta, uma voz rasgada e estridente soa pelo local, dizendo:
— Eu tenho em minhas mãos exatamente o que você está precisando, mas irei cobrar um favor de você.
Lorena, com olhos de raiva e com um tom de voz nada amigável, fala:
— Vareth, o que você está querendo?
Uma criatura maior que Lorena sai das sombras e assusta Damer, que cai no chão.
Vareth diz:
— Eu apenas quero que tragam um Nethor vivo até mim.
Damer fala:
— Mas isso provavelmente vai ser muito difícil.
Vareth logo o responde:
— Esse livro que estou na mão não só fala onde as pessoas e os Zhurem novatos aparecem, ele diz onde todos aparecem. E ele foi atualizado ainda agora, o que significa que alguém além de você chegou a esse mundo.
Damer o olha com desprezo, se vira para a saída para ir atrás do Nethor e fala para Vareth:
— Me aguarde.
Saindo da biblioteca, Damer começa a suar, pois ele foi lá para ter pistas, mas como Vareth estava com o livro necessário, Damer ficou sem nada. Então ele perguntou para Lorena:
— Qual seria o local que você mais viu almas?
Lorena põe uma mão na cintura, uma no queixo e outra na cabeça, pensa um pouco, lembra de um local e fala:
— O Jardim dos Crisântemos Roxos. É um ótimo local. Sempre que passeio por lá, tem de 3 a 5 almas para ajudar. Mas como você ainda tem só dois braços, vai demorar mais.
Damer fala:
— Tudo bem... mas onde achar os Nethor?
Lorena diz para ele:
— Olha, garoto, os Nethor são criaturas que nos odeiam. Eles consomem almas instáveis e desfazem nossas costuras nelas. Uma alma muito instável vira um Nethor.
Damer anda um pouco e chega a uma conclusão. Confiante, responde:
— Eu tenho um plano. Venha comigo para me ajudar.
Confiante em seu plano, atravessa a cidade onde os Zhurem vivem. Passando por umas montanhas, ele logo vê um portão prateado gigante com detalhes de flores diversas. Ele passa pelo portão e se sente mais leve. Lorena fala:
— Aqui, por algum motivo inexplicável, é um lugar de extrema paz. As almas geralmente vêm aqui porque se sentem melhores.
Damer começa a olhar para todos os lados para ver se encontra algo, e ele se assusta com o que vê: ele enxerga umas linhas de luz voando. Ele sabe o que fazer. Então Lorena se aproxima das linhas da alma, estica os braços e começa a costurar. Damer fica impressionado — era lindo de se ver. Era como se ela tivesse um dom para isso. Então Damer pergunta, com curiosidade e calma na voz:
— Como você sabe costurar de um jeito tão perfeito, tão bonito?
Lorena responde com timidez:
— Bom, é que eu fazia algumas roupas para as pessoas de onde eu morava. Eu tenho experiência, por isso não sou tão ruim.
Damer dá um sorriso de leve e fala:
— Quero que você me ensine a costurar algum dia. Pode ser?
Lorena responde:
— Sim, eu lhe ensino. Mas vamos nos concentrar, ok? Vamos procurar mais almas.
Então eles começam a andar pelo local e encontram, bem no meio do jardim, um lago.
Lorena se aproxima devagar e diz para Damer:
— Esse lago é muito perigoso. Não chegue perto dele.
Damer fica meio assustado e pergunta:
— Por quê? Tem algo demais nele?
Lorena se vira para trás, anda lentamente e fala de um jeito assustador:
— Há coisas nesse mundo que são um mistério... e muito, muito fortes. Então tome cuidado e não mexa em tudo que você vê. Pois nem tudo é o que parece ser.
Damer sente um arrepio depois dessas palavras e balança a cabeça. Andando mais um pouco, encontra uma casa muito bonita e decide se aproximar. Assim que ele se aproxima, olha rapidamente para trás e vê uma criatura que parecia feita de panos negros e fios — parecia um corpo de pano e linhas vivas.
Lorena tenta acertá-lo pelas costas, mas ele cria um braço nas costas e a acerta. Em seguida, pega Damer pelo pescoço, o erguendo. Desesperado, Damer pega a agulha que lhe foi dada para costurar as almas e a crava nele. A criatura começa a esfarelar na região acertada. Lorena pensar
-Não, Criança idiota.
Damer corre para a casa, e a criatura o segue, desintegrando tudo ao redor. Damer entra na casa, olha pela janela e vê que a criatura parou de segui-lo. Ela está encarando a casa, e então vai afrouxando os fios e diminuindo... até sumir.
Damer, assustado, cai no chão, mal conseguindo respirar, e começa a ter falta de ar. Lorena abre a porta desesperada e pergunta, assustada, para Damer:
— O que foi? Você está bem? Por favor, se acalma e respira!
Damer começa a se levantar e diz:
— Eu tô bem... eu tô melhor... o que era aquilo? Por que veio atrás de mim?
Lorena o ajuda a se levantar e diz:
— Isso era um Nethor, e é bem forte. Eu não tenho tanta força quanto eles. Mas... por que ele não entrou aqui? O que tem de especial aqui? Mais acho que você pode pegá-lo
Lorena começa da uma pequena rida e olhar e andar pela casa até que vê algo intrigante: uma máscara com um símbolo diferente. Parecia duas asas de frente uma para a outra — uma de anjo e outra de dragão. Lorena a pega, entrega para Damer e diz:
— Sinto uma energia muito forte vindo dessa máscara. Use-a quando estiver em perigo. Aposto que ela vai te ajudar, mesmo eu não sabendo ao certo o que ela faz.
Damer se sente mais confiante. Ele se levanta e olha para Lorena, vendo que as linhas do abdômen dela estão meio rasgadas, e fala:
— Sua pele está rasgada... não dói?
Ela responde com a voz meio tremida:
— Não... apenas me incomoda um pouco.
Damer puxa a agulha que o Sr. Mors entregou e costura Lorena. A costura dela começa a se regenerar, e, muito surpresa e alegre, ela diz:
— Muito obrigada, criança. Você é demais! Como você sabia que iria funcionar?
Damer responde meio bobo:
— Eu não fazia ideia... eu apenas tentei, já que sua pele são linhas.
Ela se levanta, verifica ao redor da casa, mas o Nethor já tinha ido embora e fica meio chateada. Então ela diz para Damer:
— Vamos rápido. Ele provavelmente veio até aqui por causa da alma que eu costurei.
Os dois saem correndo e, chegando perto do portão, antes de sair do jardim, eles param, pois Damer começa a sentir dores nas costelas e cai de dor. Lorena olha para ele e diz, com uma voz triste:
— Sua pele humana... tá rasgando. O seu eu Zhurem está nascendo dentro de você, e uma hora sua pele humana vai se rasgar, e você vai se tornar um Zhurem por completo.
Damer olha para baixo, meio assustado, e pensa:
"Será que a mana ainda vai me reconhecer? Ou será que ela vai correr de mim?"
Ele se levanta e diz para Lorena:
— Vamos... eu preciso ser mais rápido pra encontrar minha irmã, antes que eu me torne um monstro e ela não me reconheça.
Lorena olha para o chão, meio triste, e começa a se afastar de Damer. Então ele pergunta:
— Pra onde você está indo?
Ela responde:
— Eu não estou mais afim de lhe acompanhar... boa sorte, criança.
Damer olha para Lorena indo embora. Ele não conhece aquele mundo, apenas sabe como voltar para a cidade. Damer se levanta e coloca a máscara que o Sr. Mors entregou a ele, e guarda a máscara da casa. Ele nota que a máscara do Sr. Mors tem uma agulha e uma linha desenhadas nela. Ao colocá-la no rosto, ele começa a se sentir mais leve, e nota que a agulha começa a flutuar. Ele fica assustado, mas não sabe o porquê disso estar acontecendo. Ele a pega e guarda.
Perdido, ele nota que no lago havia um barco. Pensa em pegá-lo para ir até o outro lado, mas o medo não deixa, pois sente que do outro lado não emana uma energia muito boa. Então ele se vira e segue pela trilha feita de pedras, saindo da vila e passando pelo jardim. Não demora muito para a trilha acabar, então ele continua sozinho, fazendo um percurso desconhecido.
Até que vê um Zhurem caído fora da trilha, perto do lago. Ele decide ajudar.
Damer se aproxima e diz:
— Olá? Você está bem? Qual seu nome?
Ele vê que o Zhurem não responde e começa a sacudi-lo. Nota que a pele dela está quase toda destruída — ela está muito fina. Ele decide pegar a agulha, mas ela flutua, e então percebe que consegue controlá-la com a mente. Ele usa essa habilidade para costurar mais rápido. Mas, infelizmente, não consegue salvá-la. Fica triste e uma lágrima escorre. Ele não a conhecia, mas não conseguiu salvá-la.
O corpo desse Zhurem foi se desfiando, e o brilho dentro dela começou a aumentar até que foi se apagando e sumiu. Nesse momento, Damer entende uma coisa: os Zhurem não conseguem reencarnar e nem descansar — eles são apagados quando morrem.
Damer pega a agulha e a linha do Zhurem, ficando agora com duas agulhas — algo incomum para um Zhurem. Ele faz um túmulo para ela e segue sua jornada.
O céu, que geralmente é cinza ou branco, vai ficando cada vez mais negro conforme ele se afasta. Mas ele vê uma luz brilhante — uma alma. Pensa em costurá-la, mas tem uma ideia ousada. Confiante, pensa:
"Usando essa alma, eu posso atrair um Nethor... eu posso pegá-lo e conseguir o livro."
Ele fica encarando a alma e começa a questionar sua ideia. Pensa de novo:
"Se eu fizer isso, serei bem mais que um monstro... minha irmã não ia gostar... que porcaria."
Ele se levanta e corre, mas um Nethor o segura e o joga contra a parede. Damer se bate com força, mas se levanta e corre até a alma, pegando-a nos braços. O Nethor o agarra e começa a corroê-lo, mas apenas a pele humana de Damer se rasga.
Damer agora está em sua forma Zhurem. Ele começa a controlar as agulhas com a máscara e a atacar o Nethor. Mas, toda vez que a agulha ia acertá-lo, o Nethor abria o corpo como se desfiasse e se juntava de novo.
Damer decide correr com a alma e tira a máscara do Sr. Mors, colocando a máscara da casa. Com isso, uma das agulhas fica vermelha e a outra azul. Ele usa a azul para costurar a alma, e percebe que ela se multiplica, enquanto a vermelha está mais rápida e forte. Mas, mesmo assim, não conseguia vencer.
Ele começa a ir longe demais, tudo ficando escuro, até que acerta um golpe com a agulha vermelha. O Nethor cai no chão. Damer usa as linhas para amarrá-lo e tenta voltar correndo para a cidade antes que tudo fique escuro demais para enxergar.
Ele consegue voltar para a trilha, mas não sabia para onde era a cidade. Por sorte, chegou ao jardim e entrou na mesma casa. Espera até amanhecer, pois percebe que não dá mais para dormir, comer ou sentir nada encostando em sua pele. Ele se sente triste, mas, mesmo assim, irá ajudar sua irmã. Ele vai encontrá-la.
Damer se senta no chão e vê que a casa não tem quase nada dentro. Ele começa a se lembrar de quando estava vivo — toda vez que ficava com medo do escuro, sua mãe deitava com ele até que pegasse no sono. Ele deita no chão, olha para a janela e pensa:
"O céu desse mundo não tem estrelas..."
Lembra que sua irmã dizia que queria ir até a Lua, e ele sempre ria daquele sonho impossível. Começa a se sentir vazio. Ele não consegue chorar, como se não pudesse nem gritar. Mas sente... um vazio, um incômodo. Algo está faltando.
Ele se levanta e percebe que aquele céu escuro não fazia sentido, pois naquele mundo não existe nem sol, nem lua... de onde veio aquela escuridão?
Vê que, mesmo que espere, ela nunca irá embora. Então se levanta e coloca a máscara que o Sr. Mors lhe deu. E, ao fazer isso, percebe que, no lugar das agulhas flutuarem, agora ele poderia flutuar. Ele se ergue uns dois metros do chão e vai até a vila dos Zhurem. Não consegue enxergar direito, mas segue o caminho. Conforme avança, as coisas começam a clarear.
Ele encontra Lorena no meio do caminho e pergunta:
— O que você tá fazendo aqui ainda?
Ela responde:
— Quem é você? Eu te conheço?
Ele olha para ela e diz:
— Sou eu, Damer.
Ela abaixa um pouco a cabeça, olha para ele e responde:
— Então você se tornou um Zhurem por completo... finalmente.
Ele responde rápido:
— Não temos tempo pra isso. Vamos logo, antes que a escuridão nos alcance.
Assim que os dois saem completamente da escuridão, vão até uma lanchonete. Damer olha para os lados e diz:
— Como vamos comer? A gente não tem boca.
Lorena responde:
— Você só precisa abrir um pouco as linhas do seu corpo e jogar a comida dentro. Assim você "come".
Desconfiado, ele pergunta:
— Isso é seguro?
A garçonete chega e entrega uma fatia de pizza. Lorena pega e fala:
— Olha, é só repetir comigo.
Ela abre uma brecha nas linhas do corpo, onde seria a boca, e coloca a comida.
Damer observa e diz, desconfiado:
— Pode ficar com a minha. Eu não tô com fome.
Lorena olha séria para Damer e diz:
— Nós não sentimos fome. Comemos pra manter a sanidade, as lembranças... Comer te dá força. Aqui você não percebe quando está exausto. Você simplesmente vai ficando fraco sem perceber.
Damer a observa e repete o gesto, "comendo" a pizza. Ele fica triste, pois a pizza parecia deliciosa, mas ele não podia mais sentir o gosto. E diz, abatido:
— Isso tá pior do que quando eu tentava sobreviver na guerra mundial.
Lorena responde, mais triste ainda:
— Bem... a segunda, eu acho que foi bem pior que a primeira.
Damer a olha, confuso:
— Que segunda guerra? Houve uma segunda guerra mundial?
Lorena se espanta, mas respira fundo e diz:
— Bem, eu não te expliquei isso porque é muito confuso, mas... as coisas aqui são diferentes. Todos os Zhurem, principalmente os que estão aqui há mais tempo, são meio que do futuro. E os que estão há menos tempo são do passado.
Damer, confuso, pergunta:
— Como assim? O que você quer dizer?
Lorena respira fundo de novo e explica:
— Calma, criança. Resumindo: as pessoas que morrem no futuro vêm para esse mundo primeiro, e as que morreram no passado só chegam depois.
Damer tenta entender e responde:
— Tá me dizendo que... o passado e o futuro são invertidos aqui? E que eu sou mais velho que você?
Lorena responde rapidamente:
— Sim! É exatamente isso que eu queria te dizer!
Damer cai sentado, espantado com a descoberta. Sua testa começa a suar frio. Ele respira fundo e diz:
— Bem... então acho que você podia parar de me chamar de criança. Até porque eu sou o mais velho aqui.
Lorena dá uma risada e responde, ainda rindo:
— Não mesmo! Você claramente morreu mais novo e tá aqui há pouco tempo. Então, nessas circunstâncias, eu sou a mais velha!
Damer ri também e retruca:
— Eu cheguei há pouco tempo, mas isso significa que, pela ordem do tempo, eu sou mais velho em idade.
Os dois riem juntos, até que escutam um barulho estrondoso vindo da entrada da vila.
Era o mesmo Nethor de antes...