Ninguém entrava na floresta de Ash'kar depois do pôr do sol.
Diziam que os espíritos antigos caminhavam entre as árvores. Que a névoa sussurrava segredos proibidos. Que demônios sedutores se alimentavam de almas perdidas… e de desejos escondidos.
E ainda assim, Elias foi.
Com seu capuz rasgado, o grimório apertado ao peito e o coração batendo como um tambor, o jovem feiticeiro entrou naquela floresta em busca de respostas — ou talvez apenas em busca de algo que fizesse sentido. Desde a morte de seu mestre, tudo parecia um vazio gelado. Magia não bastava. Livros não consolavam.
Ele queria sentir algo.
E ele sentiu.
Na clareira envolta em sombras líquidas, surgiu Azrien — um demônio de olhos cor de âmbar derretido, pele marcada por runas vivas, e asas que se dissolviam no ar como fumaça quente. A beleza dele era perigosa, insuportável. Como olhar o sol por tempo demais.
— “Veio invocar o que não entende, humano?” — sussurrou Azrien, com voz que queimava por dentro.
— “Não vim te invocar. Vim te encontrar,” — respondeu Elias, sem recuar. — “Você já me chama em sonhos há semanas.”
Azrien sorriu.
— “Então você sentiu.”
As visitas se tornaram rotina. Elias voltava todas as noites, mesmo quando chovia. Azrien o esperava, sempre no limite entre o desejo e a ameaça. Ele ensinava segredos esquecidos da magia — e sussurrava no ouvido dele palavras em línguas proibidas que faziam o corpo de Elias estremecer por dentro.
Mas havia mais que feitiços. Havia toques que duravam segundos a mais. Havia mãos sobre mãos ao desenhar sigilos na terra. E havia silêncios... carregados de tensão.
— “Você é humano demais pra brincar com demônios, Elias.”
— “E você é demônio demais pra fingir que não sente.”
Uma noite, durante um ritual, Elias perdeu o controle. A energia escapou como uma explosão, e caiu de joelhos, exausto. Azrien correu até ele — sim, correu — e o segurou nos braços, desesperado.
— “Você podia ter morrido.”
— “Você está tremendo...” — Elias murmurou, surpreso.
— “Você importa,” — Azrien disse, quase sem voz. — “Maldição… você importa mais do que deveria.”
E ali, naquele momento, a barreira entre o infernal e o humano se quebrou.
Azrien o beijou.
Foi um beijo faminto, cheio de milênios de solidão e de carne ansiosa. A boca de Azrien era quente demais, mas Elias queria se queimar. As garras seguravam suas costas com cuidado — como se um monstro aprendesse a tocar sem destruir. Elias arqueou contra ele, se entregando inteiro.
Na clareira, entre árvores que testemunhavam a loucura do tempo, um demônio e um mago se amaram como dois condenados fugindo do destino. Entre gemidos abafados e promessas murmuradas entre beijos, eles se tornaram mais do que espécies, mais do que opostos.
Se tornaram necessários um ao outro.
No fim, Azrien contou a verdade.
— “O pacto estava selado antes mesmo de você nascer. Sua alma me pertence desde a primeira geração do seu sangue.”
— “Então eu sou só parte de um plano?”
— “Não,” — ele respondeu, tocando o rosto de Elias com os dedos trêmulos. — “Você é a exceção. A falha no plano. A única coisa que eu não fui capaz de controlar.”
E Elias sorriu, com olhos brilhando.
— “Então me ame fora do seu controle.”
— “E me odeie por não conseguir te deixar ir.”
— “Nunca,” Elias sussurrou. — “Eu me perderia mil vezes, se fosse sempre nos teus braços.”
Dizem que o demônio da floresta de Ash'kar nunca mais foi visto por outros olhos. Mas, às vezes, no meio da névoa, dois vultos podem ser vistos dançando nus sob a lua — um com asas feitas de fumaça, outro com olhos cheios de encantamento.
E se escutar com atenção… você ouvirá a verdade:
Mesmo o inferno pode amar.