Era uma manhã de céu limpo, e a cidade parecia respirar mais devagar. No coração de um bairro antigo, onde as ruas eram de paralelepípedo e os muros ainda tinham heras subindo por eles, ficava o "Café do Girassol", um lugar pequeno, aconchegante e sempre perfumado com o aroma de bolo de laranja.
Clara era dona do café. Tinha trinta e poucos anos, olhos que riam antes da boca e um jeito de falar que fazia o cliente se sentir em casa mesmo que fosse a primeira visita. O café não era apenas um negócio — era um lar compartilhado, uma pequena ilha de paz entre as correrias do mundo lá fora.
Todos os dias, Clara abria as janelas do salão às sete da manhã, acendia o rádio em volume baixo e dançava sozinha enquanto preparava o primeiro bule de café. Era seu ritual. A cidade acordava devagar, e ela também.
Foi numa terça-feira que ele apareceu.
— “Você ainda serve pão de queijo quentinho às oito da manhã?” — perguntou ele, meio tímido, já com o paletó meio amarrotado e uma pasta de advogado nas mãos.
Clara sorriu.
— “Sirvo até nos pesadelos, moço.”
Ele riu, e desde então, sempre aparecia às terças. Depois, às quartas também. Depois de um tempo, todos os dias.
Seu nome era Miguel. Um homem gentil, um pouco atrapalhado, que sempre derrubava açúcar na mesa ou se confundia nas palavras quando Clara o olhava por tempo demais. Ele contava histórias bobas de clientes difíceis, de processos demorados, e Clara ria com gosto, os olhos brilhando por trás da xícara de café.
Sem perceberem, a rotina se transformou em espera. Miguel esperava pelos bolinhos de chuva da sexta. Clara esperava pela risada dele. E os dois fingiam que era só amizade, só coincidência. Mas as mãos às vezes se tocavam mais tempo do que deviam. Os olhares fugiam e voltavam, mais doces a cada semana.
Foi numa tarde chuvosa que Clara encontrou um bilhete debaixo da xícara que ele costumava usar:
> "Se o mundo fosse feito só de cafés e olhares teus, eu viveria para sempre entre goles e suspiros."
Com carinho, Miguel.
Na semana seguinte, ele não apareceu. Nem na outra. Nem na outra.
Clara ficou com o bilhete guardado no avental. A dor veio mansa, como um vento frio depois de um dia quente. Mas ela não o culpava. Às vezes, a vida assusta. Às vezes, a coragem demora.
Dois meses depois, numa manhã de céu azul sem nuvens, Clara abriu o café e encontrou um vaso com girassóis frescos sobre a mesa preferida de Miguel. E um novo bilhete.
> "Demorei... mas voltei. Se ainda tiver pão de queijo e um pouco do seu sorriso, queria tentar viver esse café para sempre."
Ela não respondeu. Apenas sorriu. E foi buscar dois pães de queijo, quentinhos.
Desde então, o "Café do Girassol" passou a servir amor no cardápio. E quem passava por lá, jurava que o café tinha gosto de abraço.