Grigs nasceu na Era das Trevas, milhares de anos após a Era das divindades e a recriação do universo. Nesse tempo, o mundo estava em ruínas, fragmentado por guerras intermináveis e governado por um império cruel. A fé no eremita e nos outros deuses havia se corroído, transformando-se em superstições distorcidas e cultos fanáticos. As pessoas temiam as profecias, acreditando que as visões traziam maldições e desgraças.
Desde criança, Grigs sofria com visões caóticas: relances do passado esquecido e de futuros sombrios. Ele via imagens desconexas da Era das divindades, o poder devastador do eremita divino, a destruição de um reino inimigo e o renascimento do universo. Seus pais tinham medo dele e, um dia, chegaram a expulsá-lo de casa. Acreditavam que ele era um amaldiçoado, que havia nascido com a mazela da escuridão em seu sangue. Mal sabiam eles que Grigs possuía, na verdade, um dom — um dom divino.
Aos 13 anos, ele teve a visão que considerava a mais importante. Grigs viu os irmãos gêmeos no fim da Era das divindades, quando a lua se aproximou da frente do sol, quando o eclipse ocorreu e, então, quando demônios começaram a emergir do chão em todo o mundo. Após essas visões, ele as compartilhou com outros moradores da vila. No entanto, eles interpretaram suas palavras como blasfêmia e o chamaram de demônio, um ser com o sangue amaldiçoado pela escuridão.
Após isso, ele foi expulso de sua vila e ficou vagando por terras, terras dominadas pelo império Serdan e outras que estavam prestes a serem conquistadas também. Aos 20 anos, Grigs decidiu que não teria medo de ninguém e resolveu voltar a falar sobre suas visões. Quando estava nas terras Heridias, decidiu abrir a boca para contar uma de suas visões, sobre o fim da amizade entre um rei e seu antigo amigo. Ele dizia ter visto tudo de perto, não como um soldado na guerra, mas como um espectador, como em todas as suas visões. Soldados Serdan que estavam por perto não gostaram nada disso e se aproximaram dele. Grigs não demonstrou medo, mas os soldados decidiram que iriam queimá-lo.
Quando ele estava prestes a ser queimado na fogueira, diante de vários soldados do império e também dos escravos sob seu domínio, uma chuva de flechas começou a cair sobre os soldados Serdan. Vários caíram como folhas ao vento, outros foram atingidos, mas conseguiram se refugiar em busca de proteção. Foi então que chegaram os guerreiros da "Ordem dos Caçadores da Morte", vestindo armaduras negras de metal polido, com linhas elegantes. Nos ombros e ao longo dos peitos, havia detalhes vermelhos, como rachaduras de fogo, que pareciam pulsar. Estavam montados em seus imponentes cavalos: negros, brancos e avermelhados. Mas, à frente desses soldados, surgiu uma mulher montada em um magnífico cavalo branco. Era a princesa Tyla, usando uma armadura de metal prateado, com detalhes dourados e vermelhos. O peitoral da armadura exibia um desenho de penas que se estendiam até seus ombros. Os soldados, todos muito bem armados, com arcos e flechas, além de armas pesadas, leves e médias, eram religiosos que já sofreram nas mãos do império Serdan e que agora estavam dispostos a caçar aqueles que eles chamavam de desprovidos de luz: todos do império Serdan.
Grigs nem percebeu a chegada deles, apenas ouviu o som das flechas e o impacto dos corpos caindo no chão. Nesse momento, ele estava de olhos fechados, rezando. Já havia aceitado sua morte e aguardava apenas o momento em que a fogueira seria acesa. Ao abrir os olhos e ver os soldados Serdan caídos, ele agradeceu ao divino. Depois de ser solto, Tyla se aproximou de Grigs, enquanto os outros guerreiros foram verificar os arredores, para ver se ainda havia tempo de caçar os que haviam fugido.
— Você não tem medo da morte? — A voz de Tyla era firme, mas seu olhar era de curiosidade e respeito.
Grigs manteve-se em silêncio por alguns segundos. Seus olhos, profundos e cansados, encontraram os de Tyla. Ele respirou fundo, seus ombros relaxando como se um fardo tivesse sido retirado de suas costas.
— Eu temi as visões muito antes de temer a morte. Ela seria um alívio... Ou pelo menos eu pensava. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, carregada de uma tristeza que parecia antiga demais para alguém tão jovem.
Os olhos de Tyla se estreitaram, avaliando aquele homem à sua frente. Ela inclinou levemente a cabeça, seus cabelos dourados balançando suavemente com o movimento.
— Ouvi falar sobre você. Chamam-no de "Amaldiçoado" e dizem que seu sangue tem a escuridão. — Ela cruzou os braços, seus dedos tocando o metal frio de sua armadura. — Mas eu não acredito nisso. Se fosse verdade, você já teria se tornado um demônio e não estaria apenas contando histórias por aí.
Os olhos de Grigs brilharam, de uma leve raiva misturado com frustração. Ele apertou os punhos, as unhas quase cravando em sua pele.
— Isso não são apenas histórias! — Sua voz ecoou com uma força inesperada. — São fatos. Tudo o que contei aconteceu!
Tyla ergueu uma sobrancelha, surpresa pela intensidade das palavras de Grigs. Ela respirou fundo, descruzando os braços lentamente.
— Me desculpe. — Sua voz saiu mais suave, um tom de compreensão. — Você fala como se tivesse visto tudo com seus próprios olhos. — Ela fez uma pausa, desviando o olhar por um momento, como se procurasse as palavras certas. — Eu vim até aqui por causa de um homem que me disse onde você estaria.
Grigs estreitou os olhos, a curiosidade substituindo sua raiva.
— Que homem?
Tyla sorriu de lado, um sorriso enigmático que não revelava nada além do que ela queria.
— Ele comanda aqueles guerreiros. — Ela fez um gesto com a cabeça na direção dos Caçadores da Morte, que ainda patrulhavam a área. — Vim com eles apenas para vê-lo pessoalmente. Queria entender por que alguém com tanto poder aceitaria a morte tão facilmente.
Tyla olhou para Grigs e sorriu levemente, como se soubesse algo que ele não sabia.
— Venha com a gente. Vamos conversar melhor no caminho, e você também está precisando de um banho. — Ela se virou e começou a andar, seu passo firme e sem pressa, esperando que Grigs fosse acompanhando.
Grigs, com a curiosidade evidente em seu olhar, a seguiu e fez uma pergunta, ainda tentando entender a situação.
— Mas espera, quem é esse líder? E como ele sabia que eu estaria aqui? Eu já o vi? — Ele disse, sua voz carregando uma mistura de confusão e inquietação.
Tyla parou por um momento, sem se virar, apenas dando um leve suspiro antes de responder. Sua voz manteve a calma, mas havia um tom de brincadeira em suas palavras.
— Mas que pergunta é essa? Você quem deveria saber sobre isso. — Ela riu de maneira quase imperceptível, apenas um leve movimento dos lábios. — Não, você provavelmente não o viu. Ele prefere ficar nas sombras... Mas só saiba que o império vai cair logo, Grigs. Todos eles irão morrer... pela espada da morte. — O tom de sua voz mudou ligeiramente, a última parte saindo com um toque de amargura.
Grigs ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso da frase. Tyla, então, olhou para ele por um segundo, com um olhar mais tranquilo agora, e continuou a andar, como se não houvesse mais nada a dizer.
— Agora, venha. Nós conversaremos no caminho. — Ela disse, com um tom mais suave, ainda mantendo sua postura.
*Nesse dia, Grigs foi montado na garupa do cavalo de Tyla. Ele a acompanhou, junto com os caçadores, até o refúgio, um lugar onde se encontravam outras pessoas que estavam contra o Império Serdan e que apoiavam o líder da Ordem dos Caçadores da Morte. Era um local isolado, onde tinham tudo o que precisavam. Soldados de Serdan nem se aproximavam, pois temiam tanto os caçadores quanto, é claro, o líder.*
*Tyla e Grigs conversaram durante o trajeto. Ela lhe contou que era uma princesa, o que o deixou confuso, e ele lhe perguntou sobre seu castelo e outros detalhes. Então, ela revelou um pouco de sua história, falando sobre a morte de seu pai e a queda do reino que ele governava. Tudo isso, claro, por causa dos malditos do Império.*
Obs: Para os que acompanham minhas histórias, vim avisar que o meu livro "A ERA DOS DEUSES" vai voltar em breve. Ainda não posso dar uma data, mas saibam que o livro não foi abandonado kkkkk. Espero que gostem desse conto!