Eu sempre sonhei em ser jogador de futebol. Desde criança, passei horas e mais horas jogando na rua, imaginando que um dia estaria em um grande time, jogando diante de milhares de pessoas. Mas a realidade era dura. Meus pais eram humildes, e não tínhamos recursos para bancar meus treinos ou meu futuro no esporte. Eu sabia que a única chance que tinha era ser notado, mas as oportunidades pareciam sempre longe demais.
Até que uma noite, tudo mudou.
Eu estava treinando sozinho, mais uma vez, naquele campo vazio, quando ele apareceu. O homem. Não lembro exatamente como, mas ele surgiu, como se sempre tivesse estado ali. O olhar dele era estranho, como se soubesse exatamente quem eu era, o que eu desejava. Ele sorriu, e a voz dele era suave, como um sussurro, mas cheia de uma autoridade que me fez calar instantaneamente.
“Eu posso te dar tudo o que você quer. O melhor time, os maiores contratos, fama, fortuna... você será o melhor. Mas, em troca, eu só quero uma coisa.”
Eu me virei para ele, tentando entender. “O que você quer?”
Ele deu um passo em minha direção, e o ar ao redor parecia se apertar. “Quero seus pais.”
Eu congelei. Não podia ser real. Como ele poderia me pedir algo assim? Minha mente ficou turva, mas o homem continuou, sua voz ainda suave, quase como se fosse uma música calma que me seduzia.
“Eu não vou machucá-los, garoto. Apenas... eles viverão para mim. Eu tomarei o controle deles, mas sua vida, seu futuro, será glorioso. Eu posso te dar o que você tanto deseja, basta que você me dê o que eu quero.”
Eu hesitei, os pensamentos se atropelando em minha cabeça. Meus pais eram tudo para mim. Eles me deram tudo o que podiam, sempre me apoiaram. Mas, e o futebol? E o sonho de jogar nos maiores times? Eu pensei na vida que poderia ter... Se eu tivesse a chance de jogar como sempre quis. Se pudesse ser o melhor. O preço parecia alto, mas quem sabe? Talvez fosse o único jeito.
Eu fechei os olhos e disse: “Sim, eu aceito.”
A partir daquele momento, tudo mudou. Minha habilidade no futebol parecia ser amplificada. Eu não sabia explicar, mas de repente eu jogava como os melhores, não, como o melhor. Os olheiros começaram a me notar, os times grandes me queriam, e logo eu estava nos maiores clubes, vestindo as camisas que só via na TV. Cada jogo, cada treino, me sentia mais invencível. E o dinheiro, a fama... tudo que sempre sonhei estava ao meu alcance.
Mas havia algo errado. Algo que não conseguia entender de imediato. Meus pais... eles começaram a mudar. Não era algo físico, mas seus olhos, seu jeito de me olhar... Eu sabia que algo não estava certo. Eles estavam ali, mas... distantes. Como se uma camada invisível os separasse de mim. Eles não sorriram mais como antes, não me abraçaram com a mesma sinceridade. Cada vez que tentava me aproximar, sentia como se fosse impossível alcançá-los.
Eu tentei conversar com eles, perguntar o que havia acontecido, mas eles apenas davam respostas vazias, como se estivessem em outro mundo. Como se estivessem sendo manipulados por algo que não podiam controlar.
Eu não podia mais suportar. Minha glória no futebol se tornou um peso. Cada título conquistado, cada gol marcado, parecia mais vazio. Eu vencia em campo, mas sentia um buraco crescente dentro de mim, uma dor que não passava. O diabo nunca apareceu de novo, mas eu sabia que ele estava por trás de tudo. Ele tinha o controle, ele sempre teve.
Agora, mesmo no topo, mesmo sendo aplaudido por milhões, eu estava preso em uma prisão silenciosa. Minha fama, meus contratos, tudo parecia ter um gosto amargo. Porque o preço da minha ambição foi o maior que eu poderia ter pago: a perda de meus pais, e a perda da minha própria alma.
E o diabo, com seu sorriso suave e imortal, deve estar olhando tudo, esperando que eu entenda o quanto fui tolo. Porque, no fim, ele venceu. Eu só não sabia disso ainda.
Eu tentei ignorar. Tentei focar no futebol, seguir em frente como se nada tivesse mudado. Mas como podia esquecer? Como poderia me livrar da sensação de que, a cada passo que eu dava em direção à vitória, algo estava se quebrando dentro de mim? Algo que eu não podia consertar.
Os jogos, as multidões, os contratos milionários... Tudo parecia distante agora. Cada aplauso ecoava em minha mente como uma ironia, um lembrete de que eu paguei um preço alto demais por tudo aquilo. Mas o que mais poderia fazer? Não havia mais como voltar atrás.
Minha mente estava começando a se fragmentar. A obsessão pela vitória estava me consumindo, e o vazio dentro de mim só crescia. Cada vez que entrava em campo, uma parte de mim questionava se realmente valia a pena. Se meus pais estivessem ali, se realmente fossem os mesmos, como eu poderia continuar? Mas não estavam. Eles estavam... perdidos, como sombras distantes. Não havia nada mais a fazer, a não ser seguir.
Até que uma noite, depois de um jogo decisivo, eu finalmente vi ele. O homem. O diabo.
Ele apareceu diante de mim, como sempre, com aquele sorriso enigmático, como se estivesse me esperando. A sensação de pavor se apoderou de mim, mas também havia algo mais. Algo de inevitável. Ele olhou para mim, sem dizer uma palavra, apenas observando.
“Você percebeu, não é?” ele falou, sua voz suave, como se estivesse se divertindo com minha agonia. “Você me deu tudo. E ainda assim, está vazio. Não é o que esperava, não é?”
Eu tentei falar, mas minha garganta estava seca. O que poderia dizer? Ele sabia o que eu sentia. Ele sabia que eu estava à beira do desespero.
“Não posso mais viver assim”, eu disse, minha voz quase falhando. “Eu quero... quero meus pais de volta. Quero voltar a ser quem eu era.”
O diabo sorriu novamente, um sorriso satisfeito. “Você nunca será quem era, Leonardo. O que eu te dei não pode ser retirado. Eu tenho o que quero, e você... bem, você tem o que quis. O preço já foi pago.”
Eu caí de joelhos, a dor em meu peito sendo quase insuportável. Minha mente estava em frangalhos. Eu sabia que ele estava certo. Eu havia feito um pacto, e agora estava preso. Não havia saída. Não havia como voltar a ter a vida que eu perdi.
“Mas você pode escolher, ainda”, ele disse, quase como se estivesse se divertindo com minha desolação. “Você pode continuar sua ascensão. Ser o melhor de todos. Seu nome será lembrado para sempre. Mas... seus pais, os seus pais, sempre serão meus. Eles nunca serão livres.”
Eu olhei para o homem, meu coração batendo descontrolado. Era uma escolha impossível. Eu sabia que, no fundo, ele sempre tinha ganhado. Ele sempre soubera o preço da minha ambição. Tudo o que eu tinha conquistado era uma ilusão, uma armadilha para minha alma.
O diabo olhou para mim, e pela primeira vez, percebi algo em seus olhos. Não era compaixão, nem raiva, mas uma espécie de... divertimento. Ele sabia o que eu queria, sabia que não havia mais o que fazer. Ele não precisava de palavras, pois a resposta já estava decidida dentro de mim.
"Você acha que pode fazer isso?", ele perguntou, quase zombando. "Você já fez sua escolha, Leonardo. Já selou seu destino. Não há mais volta."
Eu olhei para ele, mas não conseguia mais olhar nos olhos dele. Sentia-me vazio, mas também algo mais profundo, algo que ia além da dor. O vazio não era só emocional; parecia consumir minha alma. O peso da culpa, o arrependimento, tudo isso me esmagava.
"Eu... eu aceito", disse finalmente, minha voz trêmula. "Eu aceito minha perdição."
O diabo riu baixinho, como se minha dor fosse um prêmio valioso para ele. Então, ele estendeu a mão, e eu sabia o que isso significava. Eu o olhei pela última vez, e uma sensação de desespero tomou conta de mim. Eu sabia que minha vida, como a conhecia, havia acabado. O sonho que eu persegui, as vitórias no futebol, o poder que eu tanto desejei... tudo era um preço alto demais.
Ele apertou a minha mão, e eu senti a escuridão envolvendo minha alma, algo gelado e eterno. Meu corpo tremia, e um grito não saía de minha garganta. Era como se algo estivesse sendo arrancado de mim, minha humanidade, meus sonhos, minha essência. E, ao mesmo tempo, eu sabia que, no fundo, ele tinha sempre o controle. Eu fui apenas mais uma alma que ele conquistou.
O diabo desapareceu tão rapidamente quanto apareceu, e eu fiquei sozinho. O estádio estava vazio, a torcida já havia ido embora, e o campo estava sombrio. Eu não sabia mais o que fazer. Meus pais? Eles estavam em algum lugar distante, talvez ainda com aquela expressão fria, como se fossem apenas sombras.
Eu tentei olhar para as estrelas, mas tudo o que via era escuridão.
Eu tinha sido o melhor jogador do mundo, mas no fim, o que eu realmente perdi não foi a chance de jogar, nem a fama, mas a essência daquilo que me fez humano.
O diabo tinha me dado tudo, mas me tirado tudo também. E agora, eu estava preso em um lugar que jamais poderia escapar. Onde não havia mais glória, apenas a solidão eterna de alguém que nunca mais conheceria a verdadeira liberdade.
E assim termina a história de Leonardo. Ele conseguiu alcançar seu sonho, mas o preço que pagou foi a perda de tudo o que realmente importava. Ele se tornou uma lenda no futebol, mas a lenda que ninguém jamais soubera que ele teria se tornado. Uma alma perdida, aprisionada no jogo que ele mesmo escolheu.