O mundo todo acordou cego.
Não houve aviso, não houve explosões. Apenas uma manhã em que todos abriram os olhos e não viram nada além de escuridão. O caos foi imediato: carros bateram, aviões caíram, gritos encheram as ruas. Mas logo o pânico deu lugar ao silêncio.
Porque algo estava chegando.
Aqueles que ainda podiam ouvir, ouviam. Algo rastejando. Algo escorrendo.
Samuel estava trancado no banheiro de seu apartamento quando sentiu a presença. O chão estava molhado, pegajoso. Ele tocou e sentiu o líquido quente entre os dedos. Sangue.
Foi quando percebeu.
Seus olhos ainda estavam lá. Mas não eram dele.
No reflexo do espelho, onde deveria haver apenas escuridão, algo o encarava. Olhos vermelhos, escorrendo, crescendo em número. Dentro do próprio reflexo, dezenas, centenas, milhões de olhos se multiplicavam.
E todos olhavam para ele.
A última coisa que Samuel ouviu antes de ser consumido foi um sussurro, vindo de todas as direções:
— Agora, nós vemos por você.
Então o mundo ficou ainda mais escuro.
Mas Samuel não morreu. Não exatamente.
Ele sentia seu corpo, mas não conseguia movê-lo. Sentia seus olhos, mas não via nada. Até que, de repente, uma imagem surgiu.
Ele estava em uma rua, mas não era uma rua que conhecia. Pessoas andavam, cegas, tropeçando umas nas outras, enquanto algo rastejava ao redor delas. Criaturas sem forma, feitas apenas de olhos e sangue, se espalhavam pelo chão, pelas paredes, pelo céu.
E então ele percebeu:
Ele não estava olhando para a cena. Ele era a cena.
Ele via tudo de diferentes ângulos ao mesmo tempo, como se fosse uma infinidade de olhos espalhados pelo mundo. Sua consciência não era mais sua. Ele era um fragmento do que quer que fosse aquela entidade devoradora de visão.
Foi quando sentiu outro olhar sobre ele. Algo maior. Algo mais profundo.
E, pela primeira vez, Samuel soube o que era ser verdadeiramente pequeno.
O mundo não estava apenas cego. Ele estava sendo observado.
E o pior ainda estava por vir.