Carlos era um homem inquieto, daqueles que nunca permanecem no mesmo lugar por muito tempo. Viajava constantemente em busca de diversão e novas experiências, encantando-se por cidades, pessoas e especialmente pelas mulheres que cruzavam seu caminho. Era vaidoso, sempre bem vestido, e onde quer que passasse deixava uma marca: o sorriso confiante, a conversa fácil e a promessa de uma noite inesquecível.
Naquela noite, Carlos estava na casa de um amigo de infância, Rafael, que organizara uma festa grandiosa. As luzes piscavam, a música alta ecoava pelos cômodos, e o cheiro de bebida misturava-se com o perfume das pessoas. Carlos chegou com sua típica energia, chamando atenção logo na entrada com seu terno cinza e cabelo perfeitamente arrumado. A festa era o seu ambiente.
Conforme a noite avançava, Carlos se perdeu em conversas e taças de vinho. Por volta das duas horas da manhã, quando boa parte dos convidados já estava indo embora, algo chamou sua atenção: uma garota encostada na varanda. Ela parecia deslocada, alheia ao ritmo da festa. Era linda, com cabelos loiros que brilhavam à luz fraca e olhos azuis que pareciam enxergar além da superfície.
Carlos, intrigado, aproximou-se.
— Não é comum ver alguém tão bonita assim, sozinha em uma festa dessas. — Ele sorriu, confiante.
A garota virou-se para ele com um olhar tranquilo, mas havia algo de melancólico em seus olhos.
— Às vezes, a gente só quer observar — respondeu ela, com uma voz suave e misteriosa.
Carlos ficou encantado com aquela resposta. Eles começaram a conversar, e ele descobriu que ela se chamava Aparecida. Era doce, mas enigmática, e parecia sempre responder com uma leve ironia que o deixava intrigado.
— Está tarde. Não quer que eu te acompanhe até sua casa? — sugeriu Carlos, já sentindo uma conexão diferente com aquela moça.
Ela hesitou por um momento, mas acabou aceitando.
— Pode ser. Mas antes, me dá algo seu para eu lembrar dessa noite.
Carlos tirou um anel de prata que usava no dedo, uma lembrança de suas viagens, e entregou a ela com um sorriso.
— Pronto. Agora você não vai me esquecer.
Ela o agradeceu com um olhar profundo, quase como se soubesse de algo que ele não sabia. Eles caminharam juntos pelas ruas silenciosas até que, ao chegar na avenida principal, ela se despediu.
— Eu moro logo ali. Pode voltar para a festa — disse Aparecida, com um sorriso sereno. — Foi uma boa noite, Carlos.
Ele ainda tentou insistir, mas ela se foi rapidamente, desaparecendo na escuridão da rua.
No dia seguinte, Carlos sentiu a necessidade de revê-la. O anel que ela levou parecia mais do que um simples objeto. Procurou informações e finalmente descobriu o endereço dela. Era uma casa simples, um pouco afastada do centro.
Ele bateu à porta, e um homem idoso, de expressão cansada, o atendeu.
— O senhor é o pai da Aparecida? — perguntou Carlos.
O homem o encarou com surpresa.
— Sim, sou. Mas... por que pergunta?
— Ontem, conheci sua filha em uma festa. Fui com ela até em casa. Ela está? — disse Carlos, sem entender o olhar estranho do velho.
O homem suspirou profundamente e fez sinal para ele entrar. Sentaram-se na sala, e o idoso começou a falar:
— Meu jovem, deve haver algum engano. Minha filha, Aparecida... ela faleceu há cinco anos.
Carlos ficou sem palavras.
— Não pode ser! Eu a vi, falei com ela! Caminhamos juntos pela avenida!
O velho balançou a cabeça, com os olhos cheios de tristeza.
— Aparecida morreu em um acidente. Foi atropelada naquela avenida onde você diz que esteve com ela. Talvez o que você viu tenha sido... o espírito dela.
Carlos sentiu o mundo girar. Ele descreveu a moça, a conversa, cada detalhe, mas o velho apenas confirmou que era exatamente como ela era em vida.
— Vamos ao cemitério — sugeriu o homem. — Quero te mostrar algo.
No cemitério, o velho o levou até o túmulo de Aparecida. Quando chegaram, Carlos viu algo que o fez gelar: o anel de prata que ele havia dado a ela na noite anterior estava ali, repousando sobre a lápide.
Um mês se passou desde aquele encontro. Carlos, embora abalado, decidiu seguir sua vida como sempre fazia: viajando. Partiu para outro estado, buscando diversão e talvez, no fundo, respostas para o que havia acontecido naquela noite.
A estrada era longa, e a noite estava fria. Carlos dirigia sozinho, perdido em seus pensamentos, quando algo estranho aconteceu. Um vulto surgiu no meio da pista. Ele tentou desviar, mas perdeu o controle do carro, que derrapou e capotou várias vezes antes de parar no acostamento.
Tudo ficou escuro.
Carlos abriu os olhos e percebeu que estava de pé, ileso, mas algo estava diferente. Ele olhou para o lado e viu o carro destruído, com seu corpo preso entre as ferragens. Ele estava morto.
Ao longe, ele viu algumas pessoas começarem a se reunir, e logo a notícia de sua morte se espalhou. No dia do enterro, amigos e conhecidos falavam de suas viagens, suas conquistas, e do carisma que sempre o acompanhara.
De repente, ele sentiu uma presença ao seu lado. Virando-se, viu Aparecida. Ela estava ali, tão real quanto na noite em que se conheceram.
— Sabia que nos encontraríamos de novo — disse ela, estendendo a mão.
Em sua mão, havia uma capa preta, simples, mas com um ar quase místico.
— O que significa isso? — perguntou ele.
— Significa que agora você não viaja mais sozinho — respondeu ela, com um sorriso.
Carlos aceitou a capa e, juntos, eles desapareceram, deixando para trás apenas o silêncio e o mistério de suas histórias cruzadas.
FIM---