Ela estava deitada.
Mãos a baixo da cabeça, fone de ouvido no máximo, olhar vazio para a parede de seu quarto e pensamentos fluindo como uma verdadeira enchente, transbordando o copo de sua sanidade.
Seu mundinho isolado começava a criar raízes, maiores e de extensões perdíveis quase afogáveis. E mesmo sem perceber uma lágrima traçava um caminho lento, evasivo e curvulento sob as bochechas rosadas e lábios trêmulos.
Coração palpitante. Não, aquilo não iria parar, não iria larga-la nem tão cedo. Aquilo era obscuro, era frio, era amedrontador, mas mesmo assim queria senti-lo, queria ter a sensação mais uma vez, ou talvez estivesse chocada demais para afastar da cabeça.
Dessa vez sentada, olha em volta de seu quarto e aquela coisa ainda contiva alí. Aquela folha de papel aberta e com o cheirinho do perigo queimava as narinas, queimava a alma.
Fez a primeira coisa que pensou, rasgou aqueli que tanto lhe fazia mal, que tanto lhe incitava em ler mais uma vez. A cada pedaço, cada letra escrita e cada lembrança rasgada algo nela quebrava também, algo que jamais tinha sentido, algo que sabia que não queria repetir, mas mesmo assim queria queria dor, queria anseio, queria mais lágrimas, queria que aquilo tudo fosse extremo, que a raiva fosse avassaladora, que a mágua fosse intensa, que a angústia fosse ainda mais terrível.
Por isso, correu para a cozinha e agarrou o esqueiro com força. Queimou sua angustia e viu daqueles pedaços de papel tornarem cinzas espalhadas pelo vento da janela ao lado. Não percebeu quando alguém apareceu. Não percebeu uma mão em sua cabeça e não sentiu o choque forte em seu rosto.
Sua vida parecia estar em câmera lenta, ela queria fugir, mas dessa vez estava sozinha, dessa vez não tinha mais ninguém que pudesse ajudar, dessa vez precisava ser mais forte.
— Você não precisa fazer isso, não tem culpa. — a voz sedosa, melodiosa e calmante dela a fez parar por um segundo. Ergueu a cabeça e mesmo pelo olhar vazio e cegante de lágrimas visualizou aquela criatura. A garota se batera mais uma vez, todavia aquela mão forte e trêmula impedia toda a ação.
— Vai embora! Vai ter que me deixar acordar desse pesadelo!
— Isso não é um pesadelo! — os braços já magros e mal tratados lhe abraçam com intensidade, com tanta força que ela fica impossibilitada de fugir, mas então ela sente que queria aquilo, queria ser abraçada, queria ser amada.
Dessa vez, as lágrimas caem com verdadeira intensidade, com verdadeira angústias e verdadeira saudade.
Um pedaço de seu coração também tinha ido embora, embora com ele.
— Eu o odeio. O odeio por ter nos deixado, por ter me deixado por tão pouco! — seus gritos chegavam a doer os ouvidos da mulher, todavia seu abraço continuava a ficar forte, precisava impedir de também perder a filha, não se perdoaria.
A dor da morte nunca foi tão grave para aquela menina. Não quando a única coisa que recebeu foi uma carta, uma carta com a promessa de volta, com a promessa que nunca mais poderia se cumprir.