O ar da tarde em Paris estava pesado de um cheiro de pão fresco e flores silvestres, mas para Étienne, o aroma se misturava com a acidez do medo. Ele se encostou à parede de pedra da catedral de Notre-Dame, olhos fixos na porta dos fundos, procurando por qualquer sinal de movimento.
Havia se passado um mês desde que o relógio de ouro havia desaparecido do museu, e o pânico tomava conta da cidade. Era uma peça única, incrustada com diamantes e rubis, criada pelo relojoeiro real no século XVIII. Um símbolo da riqueza francesa, um objeto de desejo para colecionadores e ladrões. E Étienne, um jovem detetive com uma reputação de solucionar os casos mais intrincados, era o único que ainda não havia caído na armadilha do desespero.
No início, ele havia acreditado que os ladrões seriam especialistas, profissionais que agiriam com precisão cirúrgica. Mas os dias se passaram e nenhuma pista concreta de suas operações havia sido descoberta. Nenhuma câmera gravou imagens dos criminosos, nenhum testemunho útil surgiu, e o mistério parecia se aprofundar a cada amanhecer.
Étienne revisava as poucas pistas com dedicação obsessiva. Um único fio de cabelo encontrado na caixa de vidro onde o relógio estava exposto, um pedaço de papel com uma inscrição ilegível encontrado no chão do museu, e uma testemunha que afirmava ter visto um homem alto e magro com uma mochila de couro nas costas na noite do roubo. Era tão pouco, tão superficial, que parecia um enigma impossível de decifrar.
Ele havia visitado cada canto do museu, interrogado todos os funcionários, analisado as câmeras de segurança incessantemente, mas as respostas se esquivavam como sombras, impossibilitando qualquer avanço.
A noite chegou e, com ela, a sensação de solidão e impotência. As ruas de Paris pareciam se esvaziar, como se a alma da cidade estivesse adormecida, esperando por um sinal de esperança.
Etienne decidiu voltar para sua casa, um pequeno apartamento próximo ao Sena. As paredes eram pintadas de tons claros e as janelas davam para um jardim com um pequeno canteiro com rosas vermelhas e um manancial com água cristalina. O local era tranquilo e acolhedor, mas nada ali conseguia diminuir a sensação de frustração que o perseguia.
Era hora de mudar a estratégia. Ele precisava de um novo ponto de partida, de uma maneira completamente diferente de encarar o caso.
Enquanto observava o luar prateado refletir na água do manancial, decidiu ir até a biblioteca Nacional. Afinal, talvez as respostas que ele tanto procurava estivessem nas páginas de livros antigos, em histórias de outros tempos.
A biblioteca era um labirinto de corredores e prateleiras, um mar de conhecimento e de mistérios. Etienne se sentia perdido em meio àquele oceano de informações, mas uma sensação de esperança lhe dava forças para prosseguir.
Após horas de pesquisa, ele encontrou um livro intitulado "O Livro das Maravilhas Mecânicas", escrito no século XVIII e repleto de descrições de relógios, mecanismos e invenções da época. E, na última página, uma ilustração em preto e branco daquilo que parecia ser o relógio de ouro que havia desaparecido.
Etienne, com mãos trêmulas, começou a ler a descrição que acompanhava o desenho. Eram informações detalhadas sobre o relógio, incluindo a data e o local da sua fabricação, o nome do relojoeiro real, o nome dos diamantes que o compunham e o significado de cada rubi.
Numa passagen cruza a frase "As horas contam o segredo".
Etienne sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Era como se a própria história do relógio estivesse falando com ele, revelando um segredo que ele precisava desvendar.
Ele se levantou e correu para o seu apartamento, as palavras do livro ecoando em sua mente. A resposta, a chave para solucionar o mistério, estava ali, sob seu nariz, esperando para ser descoberta.
Era hora de voltar ao museu.
Na manhã seguinte, Etienne retornou ao museu. Desta vez, ele não foi ao local onde o relógio havia sido exposto, mas se dirigiu a uma sala escura e vazia no porão, quase esquecida pelo tempo.
O cheiro de poeira e mofo pairava no ar, mas o foco de Étienne estava na única porta da sala, de madeira escura e robusta, trancada por uma fechadura enferrujada.
Ele observou com atenção a maçaneta, notando um pequeno entalhe em forma de estrela, um detalhe que ele não havia percebido antes.
Com cuidado, ele tirou do bolso uma chave pequena e dourada que havia encontrado em um baú de madeira na biblioteca nacional. A chave tinha um formato semelhante ao entalhe na maçaneta.
Com um suspiro de esperança, Etienne encaixou a chave na fechadura e girou lentamente. O som de um rangido fraco e metálico ecoou no ambiente.
A porta se abriu, revelando um pequeno depósito com prateleiras e gavetas cheias de objetos antigos. Mas no centro do recinto, sob um pano de veludo vermelho, estava o relógio de ouro, reluzindo sob a penumbra da sala.
Étienne respirou fundo, a adrenalina correndo em suas veias. Ele havia solucionado o enigma.
O relógio era uma obra de arte e um mecanismo de grande complexidade. Era um relógio sofisticado, com um sistema de engrenagens e pêndulos que marcavam as horas, minutos e segundos com precisão. Mas, ao mesmo tempo, o relógio era uma armadilha elaborada, como um labirinto de engrenagens e segredos.
Etienne notou um pequeno botão no lado do relógio. Ele o pressionou cuidadosamente, e um painel com números romanos se iluminou de repente.
Os números romanos de 1 a 12 se acenderam, e, entre cada número romano, uma série de engrenagens e engrenagens começou a girar e fazer um zumbido sutil.
Étienne percebeu que o relógio era na verdade, um mecanismo complexo que usava as horas para contar uma história, uma história que estava sendo revelada diante de seus olhos, naquele momento.
Os números romanos representavam as horas, e cada uma delas referia-se a um local específico dentro do museu, indicando um objeto ou um lugar com um significado particular.
Étienne, com a mente em chamas, começou a decifrar a mensagem do relógio. Ele via cada engrenagem, cada pêndulo, cada ruído do relógio como uma pista, como uma parte de um código que ele precisava desvendar.
Os números romanos se acendiam e se apagavam em sequência, e, para cada novo número que brilhava, Etienne se movia pelo museu, seguindo a trilha do relógio.
Ele visitou todos os pontos indicados pelo relógio e encontrou objetos aparentemente sem conexão: um quadro desbotado, uma estátua quebrada, uma mancha no chão de uma sala escura…. Mas, ao conectar as peças do quebra-cabeça, ele descobriu que cada objeto, cada detalhe, era um ponto do mapa que o relógio desenhava, revelando um segredo que estava enterrado ali há séculos.
Depois de horas de trabalho, e com os últimos dígitos do relógio piscando à frente de seus olhos, Etienne chegou a um local no jardim do museu.
O jardim estava adornado com uma variedade de flores e plantas, mas no centro do jardim havia um carvalho imponente e antigo, com raízes fortes e ramificadas, parecendo abraçar a terra com força.
Ele olhou para o centro do jardim. E ali, sob a sombra do carvalho maior, avistou uma pequena placa de mármore com uma inscrição em latim. Etienne sabia que a placa era a chave para a última etapa da sequência revelada pelo relógio, a resposta final.
Ele se ajoelhou e começou a traduzir as palavras em latim: "Aqui, sob a sombra do carvalho, o segredo do passado é guardado".
Étienne se levantou, com uma mistura de excitação e medo, e começou a cavar a terra com as mãos, próximo à placa de mármore. Ele sentia o cheiro da terra úmida e a sensação de frio das raízes do carvalho.
A cada pedaço de terra que ele retirava, a esperança aumentava. Até que, finalmente, seus dedos tocaram um objeto duro e frio.
Etienne tirou a terra do objeto, e sua respiração engasgou. Era uma caixa de madeira, pequena e sem ornamentos, com uma fechadura enferrujada.
Ele abriu a caixa com cuidado, e, dentro dela, encontrou um pequeno pergaminho envelhecido, com letras minúsculas e ornamentadas.
Étienne, com as mãos trêmulas, começou a ler as palavras escritas no pergaminho: "O tempo guarda segredos que a memória não consegue esquecer, e a história é um labirinto de enigmas que aguardam a solução..."
O pergaminho terminava com uma frase inusitada: "O relógio de ouro não é um ladrão de tempo, mas um guardião de memórias."
Étienne ainda não conseguia entender o significado do que havia encontrado, mas sentia que havia desvendado um segredo que estava escondido há séculos.
Ele guardou o pergaminho e a caixa no bolso, e voltou para o museu, com a sensação de que havia vivido uma jornada que mudaria a sua vida para sempre.
O mistério do relógio de ouro havia sido solucionado, mas o segredo que o relógio guardava, a mensagem que ele havia transmitido, era um enigma que ainda precisava ser decifrado, um mistério que o perseguiria para sempre.