Na pequena cidade de Vila Mortífera, escondida entre montanhas nebulosas, havia uma velha pousada chamada "Refúgio dos Sonhos". Apesar do nome, a pousada tinha uma reputação sombria, especialmente por causa do infame quarto 13. Diziam que quem se hospedasse lá nunca saía o mesmo. Alguns desapareciam, outros voltavam perturbados, murmurando sobre algo... ou alguém.
Era uma noite chuvosa quando Júlio, um vendedor itinerante de livros antigos, chegou à pousada. O som dos trovões abafava seus passos enquanto ele carregava sua maleta pesada pela recepção vazia. A dona, uma mulher idosa com olhos cansados, ergueu o olhar e hesitou ao vê-lo.
— Temos poucos quartos disponíveis — disse ela, a voz baixa. — Só sobraram o quarto 7 e o... 13.
Júlio sorriu. Não era homem de superstições. Já ouvira histórias sobre maldições e fantasmas, mas acreditava apenas no que podia tocar e explicar.
— O 13 está bom pra mim — respondeu ele, tirando algumas moedas do bolso.
A dona hesitou novamente, mas entregou-lhe a chave. Não disse mais nada, apenas olhou enquanto ele subia as escadas rangentes. O número “13” na porta era desbotado, quase apagado pelo tempo.
O quarto era simples, mas confortável: uma cama de madeira antiga, uma poltrona de veludo desgastado e um espelho grande preso à parede oposta à cama. O espelho era a única coisa fora do lugar. A moldura dourada tinha desenhos intrincados de figuras humanas distorcidas, como se estivessem gritando ou tentando escapar.
Júlio ignorou o desconforto inicial e desfazia suas malas quando percebeu algo peculiar. No reflexo do espelho, o quarto parecia maior, mais escuro. A cama e os móveis estavam no mesmo lugar, mas havia algo a mais: sombras que não pertenciam ao quarto real.
"Deve ser a iluminação," pensou, balançando a cabeça.
Ele foi dormir cedo, cansado da viagem. Mas o sono não veio facilmente. Os trovões pareciam mais altos dentro do quarto, e havia uma sensação constante de ser observado. Toda vez que fechava os olhos, tinha a impressão de que algo se movia. Quando finalmente caiu no sono, foi abruptamente despertado pelo som de um sussurro.
— Júlio... Júlio... — a voz era baixa, rouca, quase familiar.
Ele sentou-se na cama, os olhos arregalados. A chuva ainda batia na janela, mas o quarto estava silencioso. O espelho, no entanto, parecia... diferente. A superfície refletia o quarto, mas algo estava errado. No reflexo, a cama estava vazia.
Ele se aproximou, o coração acelerado. Tocou o vidro frio, e sua imagem pareceu distorcer-se, como se o espelho fosse feito de água. De repente, um rosto surgiu ao lado do dele. Um homem magro, de olhos fundos e sorriso macabro. Júlio deu um passo para trás, mas a figura no espelho não desapareceu.
— Está na hora de trocar de lugar — disse a figura, rindo baixinho.
Antes que pudesse reagir, Júlio sentiu um puxão violento. Era como se mãos invisíveis o agarrassem e o arrastassem para dentro do espelho. Ele tentou gritar, mas nenhum som saiu. Sua visão ficou turva, e ele sentiu uma onda de frio atravessar seu corpo.
Quando abriu os olhos novamente, estava olhando para o quarto... de dentro do espelho. Do outro lado, o homem estranho vestia suas roupas, ajeitava sua mala e saía pela porta, assobiando uma melodia alegre. Júlio bateu no vidro, gritou, mas ninguém podia ouvi-lo.
Agora, ele era parte do espelho.
Dias depois, um novo hóspede chegou ao quarto 13. Era um homem de meia-idade, cansado, em busca de uma noite tranquila. Ele mal notou o espelho na parede, mas Júlio o viu. Tentou gritar, implorar, mas o hóspede apenas se deitou, ignorando os reflexos estranhos e os sussurros distantes.
Do lado de fora, a dona da pousada apagou mais um nome do livro de registros e suspirou. Ela sabia que ninguém escapava do quarto 13, mas também sabia que, enquanto a pousada vivesse, o espelho sempre precisaria de uma nova alma.
E Júlio, agora, era apenas mais uma sombra nas profundezas do reflexo.