AVISO DE CONTEÚDO SENSÍVEL
Este conto contém descrições gráficas de violência, abuso, morte e temas perturbadores, incluindo traumas psicológicos e cenas de horror extremo. É recomendado apenas para leitores adultos (+18) que se sintam confortáveis com narrativas de natureza pesada e visceral.
A leitura pode proporcionar gatilhos para pessoas sensíveis a temas como violência, sofrimento humano e exploração emocional. Leia por sua conta e risco.
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Ninguém nascia em Leviathan por escolha. A cidade, com suas ruas estreitas e empapadas de miséria, era uma criatura viva, alimentada por carne, sangue e sofrimento. Entre os becos fétidos, os gritos eram tão comuns quanto o odor de morte.
E então havia Ian. Um jovem homem que, aos 22 anos, já carregava a marca de um condenado. Seus olhos fundos e sem brilho, refletiam uma alma estilhaçada. Seu corpo magro e coberto de cicatrizes, era uma testemunha silenciosa de anos de abusos e desespero. Ele era órfão, mas não porque sua mãe tivesse morrido de causas naturais – ela havia sido despedaçada por uma gangue local quando ele tinha 9 anos. Ian viu tudo.
E o pior de tudo? Ele sobreviveu.
Ian trabalhava no açougue de Tobias, um homem robusto e violento, conhecido por sua "paixão" por cortar carne – fosse de animal ou humana. O cheiro de sangue seco impregnava as paredes do lugar, mas Ian não se importava mais. Ele já não sentia nada.
Certa tarde, enquanto arrumava as vísceras de um boi recém-abatido, ouviu um grito vindo dos fundos. Era uma mulher. Ian hesitou.
— Ian! Pega a porra do facão e vem cá! — berrou Tobias.
Quando Ian entrou na sala dos fundos, viu Tobias segurando uma garota. Ela devia ter uns 16 anos, os olhos arregalados de pavor.
— Essa vagabunda tentou roubar de mim — Tobias riu, o dente de ouro brilhava sob a luz fraca. — Vou ensinar a ela como é Leviathan.
— Não precisa fazer isso... — Ian murmurou com a voz fraca.
— Cala essa merda de boca antes que eu faça você lamber o chão de novo, garoto.
E então, Tobias começou. Ian virou o rosto, mas não saiu. Ele nunca saía. Porque sabia o que aconteceria se tentasse.
A garota morreu horas depois. Tobias, como sempre, fez Ian limpar tudo. "Carne é carne", dizia ele, enquanto empilhava os restos em sacos.
Naquela noite, Ian não conseguiu dormir. Ele estava acostumado a sangue, dor e morte, mas algo na garota o perturbava. Ele não sabia o quê.
No silêncio do seu quarto miserável, ele ouviu um som. Uma respiração pesada, vinda do canto mais escuro.
— Quem está aí? — sua voz saiu como um sussurro trêmulo.
Nada.
Mas então, ele a viu. A garota. Seus olhos vazados, os buracos escorrendo pus, encaravam-no com um ódio que parecia perfurar sua alma.
— Por que não me salvou? — ela disse, sua voz um gorgolejo.
— Não... Você... não está aqui...
Ela deu um passo em sua direção. Ian tentou gritar, mas algo prendeu sua garganta.
— Por que não fez nada?
Antes que pudesse responder, ela desfez-se em carne apodrecida, o cheiro invadindo suas narinas. Ian vomitou no chão.
Quando ergueu os olhos novamente, estava sozinho.
As alucinações continuaram. Cada pessoa que Tobias matava, cada corpo que Ian ajudava a descartar, voltava para assombrá-lo. Eles o encaravam com olhos vazios, cobrando o que ele nunca poderia dar: justiça.
Certa vez, enquanto cortava carne no açougue, ouviu um som. Gotas. Pingos de algo espesso caindo sobre o chão. Quando olhou para cima, viu o corpo de sua mãe, despedaçado e pendurado, as vísceras escorrendo.
— Você não é diferente deles, Ian. Você gosta disso, não gosta?
Ele deixou cair a faca.
— NÃO! NÃO SOU COMO ELES!
Mas ninguém respondeu.
Naquela noite, Ian começou a beber. Não para esquecer – ele sabia que nada o salvaria. Mas porque queria coragem.
Depois de semanas em um estado de quase insanidade, Ian decidiu fazer algo que nunca havia feito antes: reagir.
Quando Tobias trouxe mais uma vítima ao açougue, Ian esperou. Ele esperou até que Tobias estivesse distraído. E então, pegou o facão mais afiado.
— Ei, Tobias.
O açougueiro virou-se.
— O que foi agora, mole..!
Antes que pudesse responder, Ian cravou o facão no pescoço de Tobias, girando a lâmina com força. O sangue jorrou em um arco grotesco, cobrindo Ian da cabeça aos pés. Tobias caiu de joelhos, tentando falar, mas tudo o que saiu foi um borbulhar agonizante.
Ian não parou. Continuou golpeando, mesmo quando Tobias já não respirava. Ele cortou os braços, arrancou as tripas, espalhou os pedaços pelo chão como se fosse um artista lunático.
Quando terminou, caiu de joelhos, o sangue de Tobias formando poças ao seu redor.
— Você finalmente fez algo.
Era a voz da garota morta.
Ian riu. Uma risada histérica, quase animal.
— Sim... Sim, eu fiz.
Os moradores de Leviathan encontraram Ian três dias depois, pendurado no teto do açougue. Suas entranhas estavam espalhadas pelo chão, e no peito havia uma única palavra escrita com sangue seco:
"CULPADO."
E assim, a cidade continuou. Porque ninguém realmente escapava de Leviathan.
Ninguém jamais escapava daquele inferno.
FIM.