As paredes do quarto eram de pedra úmida, e o único som que me fazia companhia era o constante gotejar da água em algum lugar fora do meu alcance. Faziam quantos dias que eu estava aqui? Sem janelas, sem relógios, eu perdi a conta. Talvez fossem semanas. Talvez meses. Ou talvez eu estivesse aqui desde sempre.
Eu ainda me lembro da primeira vez que olhei no espelho. Era um objeto simples, com bordas desgastadas, encostado em um canto da sala quando acordei aqui. O brilho prateado chamava minha atenção, mas algo no meu peito me dizia para não me aproximar. Ainda assim, eu fui.
O reflexo que encarei naquele dia não era meu. O rosto parecia o mesmo, mas havia algo... errado. Um brilho nos olhos, um movimento que não era meu. Era como se o espelho me imitasse com um segundo de atraso.
— Você não devia ter olhado. —
A voz veio do reflexo, não da minha boca.
Meus joelhos cederam, e eu caí no chão.
Desde aquele dia, o espelho nunca mais me deixou em paz. Ele mostrava coisas. Lembranças. Não as minhas, mas as de outras pessoas. Eu via homens sendo queimados vivos por crimes que não cometeram, suas gargantas abertas enquanto imploravam por um deus que nunca os respondeu. Via mulheres presas em calabouços, seus rostos sem expressão enquanto algo nas sombras as arrastava para longe. Via crianças com olhos cheios de terror, correndo de algo que nunca as alcançava, mas também nunca as deixava escapar.
E, sempre que essas visões terminavam, meu reflexo sorria.
A primeira vez que tentei quebrá-lo, meu sangue escorreu antes mesmo de minha mão tocar o vidro. Cortes profundos surgiram nos meus braços e pernas, como se lâminas invisíveis me punissem pela ousadia.
— Você não pode fugir de si mesmo. —
A voz do espelho. Sempre zombeteira, sempre calma.
As vozes começaram depois disso. No início, eram sussurros. Promessas de liberdade, de respostas, se eu apenas olhasse novamente. Eu resisti por dias, talvez semanas, até que minha fome e sede me quebraram. Quando olhei de novo, não vi o rosto de um homem. Vi o monstro que sempre esteve ali.
Era o mesmo rosto, mas os olhos estavam mortos, as bochechas afundadas como se eu fosse um cadáver recém-desenterrado. A carne ao redor da boca estava rasgada, os dentes à mostra, e algo viscoso escorria de meus lábios.
— Você fez isso. —
As visões mudaram depois disso. Não eram mais de pessoas que eu não conhecia. Eram meus pais, minha irmã, minha esposa. Eu vi o dia em que menti para o chefe e roubei a promoção de um amigo. Vi o rosto do homem que empurrei no trem, a bebida escorregando de suas mãos enquanto o impacto o esmagava. Vi o corpo dela, minha esposa, flutuando na banheira. Eu achava que havia esquecido os gritos. O espelho fez questão de me lembrar.
— Você sempre foi assim. Eu só mostrei o que você realmente é. —
Na segunda semana, ou pelo menos acho que foi a segunda semana, o espelho começou a me dar escolhas.
— Mate o rato na parede e eu paro de mostrar. —
Havia um rato, pequeno e magro, tentando roer a pedra. Ele era a única companhia viva que eu tinha. Mas eu fiz. Com minhas próprias mãos, o esmaguei contra a parede. Ele gritou, frágil e inútil, antes de sua cabeça estourar como um tomate maduro.
O espelho riu.
— Você é patético. Mas agora está começando a entender. —
As escolhas continuaram. Corte um dedo. Quebre seu nariz. Arranque uma unha. Cada sacrifício era uma promessa de silêncio, e cada promessa era uma mentira. O espelho só pedia mais.
Eu não sei quanto tempo passou antes de eu entender o verdadeiro jogo. Não era o espelho que queria me destruir. Eu já estava destruído. Tudo que ele fazia era me mostrar a verdade.
A verdade de que eu sempre fui cruel. De que cada ato de violência que cometi, cada traição, cada abandono, não foi forçado por ninguém além de mim.
Hoje, o espelho fez uma nova proposta.
— Corte sua garganta, e eu te deixo ir. —
Minhas mãos tremem enquanto escrevo isso. Não sei se vou conseguir. Não sei se o que há do outro lado é pior do que isso. Mas sei que o espelho não mente.
Porque, no fundo, sempre fui eu. Sempre foi minha voz, minha escolha, meu reflexo.
E agora, enquanto seguro o caco de vidro contra minha pele, o espelho sorri. Porque ele sabe que já ganhou.