PRÓLOGO
- Me deixa em paz! disse ela, se esquivando para sair pela porta. Agarrei os seus braços imediatamente e a obriguei a olhar para mim.
Você pode me explicar o que está acontecendo? perguntei, furioso.
Ela olhou para mim, e enxerguei naqueles olhos algo obscuro e profundo que ela tentava esconder. No entanto, sorriu sem alegria.
Esse é o seu mundo, Nicholas falou com calma. Estou simplesmente vivendo a sua vida, aproveitando a companhia dos seus amigos e achando que não tenho problemas. É assim que você vive, e é assim que você acha que eu tenho que viver também ela terminou e deu um passo para trás, afastando-se de mim.
Eu não acreditava no que estava ouvindo.
Você perdeu completamente o controle - ralhei, baixando o tom de voz.
Não gostava do que meus olhos viam. Eu achava que estava apaixonado por aquela garota, mas ela parecia estar se transformando em outra pessoa. Mas, pensando bem... o que ela estava fazendo, a maneira como estava fazendo aquilo... era o que eu tinha feito, a mesma coisa que eu fazia antes de conhecê- la. Eu a tinha colocado nessas situações: era tudo minha culpa.
Era minha culpa que ela estivesse se autodestruindo.
De certa maneira, tínhamos invertido os papéis. Ela apareceu e me tirou do buraco em que eu estava enfiado, mas, ao fazer isso, acabou trocando de lugar comigo.
01
NOAH
Enquanto abria e fechava a janela do carro novo da minha mãe, não conseguia parar de pensar no ano infernal que teria pela frente. Ainda me perguntava como tínhamos acabado assim, indo embora de nossa própria casa para atravessar o país até a Califórnia. Três meses haviam se passado desde que eu recebera aquela péssima notícia, que mudaria completamente a minha vida, que me fazia querer chorar todas as noites, que me fazia implorar e esbravejar como se ainda tivesse onze anos de idade, não dezessete.
Mas o que eu poderia fazer? Não era maior de idade. Ainda faltavam onze meses, três semanas e dois dias para eu completar dezoito anos e poder ir à faculdade. Queria ir para bem longe dessa mãe que só pensava em si mesma, para longe daqueles desconhecidos com quem eu iria morar. Porque, de agora em diante, eu teria que dividir a minha vida com duas pessoas completamente desconhecidas. E, para piorar, eram dois caras.
Dá para parar de fazer isso? Está me deixando nervosa minha mãe pediu, enquanto colocava a chave na ignição e dava partida no carro.
Fico nervosa com várias coisas que você faz e tenho que aguentar - respondi, malcriada. O suspiro profundo que veio em resposta se tornara algo tão rotineiro que nem me surpreendeu.
Mas como é que ela podia me obrigar a isso? Será que os meus sentimentos não lhe importavam? "Claro que sim", ela tinha respondido enquanto nos afastávamos da minha querida cidade. Já fazia seis anos que meus pais tinham se separado. E não aconteceu de maneira convencional, muito menos agradável. Foi um divórcio traumático, mas eu tinha, enfim, conseguido superar tudo... ou pelo menos continuava tentando fazer isso.
Era muito difícil me adaptar às mudanças, tinha pavor de estar com estranhos. Não sou tímida, mas sou muito reservada com minha vida particular, e essa história de ter que dividir todas as horas do dia com duas pessoas que eu mal conhecia me deixava ansiosa, com vontade de sair do carro e vomitar.
Ainda não consigo entender por que você não me deixa ficar falei, tentando convencê-la pela enésima vez. Não sou criança, sei me cuidar muito bem... Além do mais, vou para a faculdade no ano que vem, e, no fim das contas, vou morar sozinha... É a mesma coisa argumentei para ver se ela pensava direito, sabendo que eu estava coberta de razão.
Não vou perder o seu último ano de escola, e quero aproveitar a companhia da minha filha antes que você vá estudar fora. Noah, já falei um milhão de vezes: quero que você faça parte dessa nova família, você é minha filha... Meu Deus! Sério mesmo que você acha que vou deixá-la morar em outro país sem nenhum adulto e tão longe de mim? ela respondeu sem tirar os olhos da estrada e fazendo gestos com a mão direita.
Minha mãe não entendia o quanto tudo isso era difícil para mim. Ela estava começando uma vida nova com um marido novo, que teoricamente gostava dela. Mas e eu?
Você não entende, mãe. Você não parou para pensar que também é o meu último ano de escola? Que vou abandonar minhas amigas, meu namorado, meu trabalho, meu time? Minha vida inteira, mãe! gritei, com esforço para segurar as lágrimas.
Era óbvio que aquela situação era demais para mim. Eu nunca, repito, nunca chorava na frente de ninguém. Chorar é para os fracos, para quem não consegue controlar o que está sentindo.
Ou, no meu caso, para quem chorou tanto durante a vida que decidiu não derramar mais nenhuma lágrima.
Aqueles pensamentos me fizeram lembrar do começo de toda aquela loucura. Estava muito arrependida de não ter acompanhado a minha mãe naquele cruzeiro pelas ilhas Fiji.
Porque foi lá, em uma embarcação no meio do Pacífico Sul, que
ela tinha conhecido o incrível e enigmático William Leister.
Se eu pudesse voltar no tempo, não hesitaria nem por um instante em dizer sim para minha mãe quando ela apareceu, em meados de abril, com duas passagens para viajarmos nas férias.
Tinha sido um presente da melhor amiga dela, Alicia. A coitada havia sofrido um acidente de carro e quebrara a perda direita, um braço e duas costelas. Obviamente, não ia conseguir ir com o marido para as tais ilhas, por isso, deu a viagem de presente para minha mãe. Mas vejamos... Meados de abril? Naquela época, eu tinha provas finais e estava muito envolvida nos jogos de vôlei. Meu time estava em primeiro lugar, quando sempre esteve em segundo, desde que me entendia por gente. Era uma das maiores alegrias da minha vida. Bem, agora, ao ver as consequências daquela viagem, eu devolveria o troféu, sairia do
time e não teria me importado de reprovar nas aulas de
literatura e espanhol. Faria de tudo para evitar que esse casamento acontecesse.
Casamento em alto-mar! Minha mãe estava completamente doida! Além disso, ela se casou sem me falar nada. Só descobri quando ela voltou, e ainda por cima me contou na maior tranquilidade, como se casar com um milionário no meio do oceano fosse a coisa mais normal do mundo... A situação era surreal, e ela ainda queria se mudar para uma mansão na Califórnia, nos Estados Unidos. Não era nem no meu país! Eu nasci no Canadá, apesar de minha mãe ser do Texas e meu pai do Colorado, e gostava muito de onde vivia. Era tudo o que eu conhecia...
Noah, você sabe que eu quero o melhor para você - minha mãe falou, trazendo-me de volta à realidade. Você sabe de tudo por que eu passei, tudo por que nós passamos, e finalmente encontrei um bom homem, que gosta de mim e que me respeita... Fazia muito tempo que eu não me sentia assim tão feliz... Eu preciso disso, e sei que você também vai gostar. Além disso, você pode ter um futuro que não passava nem perto das nossas expectativas. Você poderá ir para a faculdade que quiser, Noah.
É que eu não quero ir para uma faculdade dessas, mãe, muito menos que um desconhecido pague tudo para mim rebati, sentindo calafrios ao pensar que, dentro de um mês, começaria a estudar em uma escola de filhinhos de papai, cheia de gente rica.
Não é um desconhecido, é o meu marido. É melhor ir se acostumando ela adicionou, em um tom mais afiado.
Nunca vou me acostumar respondi, tirando os olhos do rosto dela e passando a encarar a estrada.
Minha mãe suspirou de novo e eu torci para a conversa ter acabado. Não queria mais continuar falando.
Eu sei que você vai ficar com saudade do Dan e dos seus amigos, Noah, mas veja pelo lado bom: você vai ter um irmão! exclamou animada.
Virei de novo para ela com os olhos cansados.
Por favor, não me venha com essa propaganda enganosa.