Toda vez que repensava na ampulheta que virou minha vida, a vontade de ser mãe sustentava um sonho que estava se perdendo a cada badalada do relógio, a cada troca de calendário anual na porta da geladeira. O tempo perdido era irrecuperável, e meus óvulos estavam sendo desperdiçados. Então, sempre ia ver e rever os motivos que me fizeram estar aqui, num consultório ginecológico sozinha, com garra e coragem para realizar o sonho de ser mãe que sempre quis.
O mundo mudou, e graças à tecnologia e a um espermatozoide doado por um anônimo do outro lado do mundo, esse sonho estava se tornando realidade. Tudo bem que não seria de forma tradicional, já que hoje em dia é possível fabricar bebês em laboratório e uma mulher solteira poderia muito bem ser mãe, independente e comprando seu esperma.
Eu poderia escolher todas as características que queria no meu filho, como se fosse uma vitrine de bebês. Ok, estou exagerando um pouco, eu sei, mas vamos lá... O importante é que saí do consultório médico com o primeiro óvulo fertilizado, agora era só esperar algumas semanas e torcer para que tivesse sido fecundado.
Prazer, meu nome é Clara, sou médica com uma carreira em ascensão, solteira por opção e com o grande sonho de ser mãe. Minha vida amorosa sempre foi um desastre, então não vale a pena tocar nesse assunto. Vamos focar apenas no Luka, sim, esse é o nome que vou dar ao meu filho, e se for menina, se chamará Nina.
Outro fato sobre mim é que sou emotiva, já saí do consultório médico direto para uma loja de roupas de bebês, e sim, comprei muitas coisas, todas em tons claros, pois o sexo ainda é um mistério.
As semanas foram passando e o nervosismo aumentando. Fui até a farmácia e comprei vários testes de gravidez, usei todos e, para minha surpresa, na primeira tentativa tinha dado positivo, dois pontinhos vermelhos em todos os testes. Isso significava que tinha conseguido, estava grávida. Pulei de animação e chorei muito. Agora era oficial, estava carregando o grande amor da minha vida no ventre. Chorei como uma boba na consulta de pré-natal ao ouvir o primeiro som do seu coraçãozinho.
Os meses foram passando e minha barriga crescendo. O quartinho estava todo organizado, esperando por ele. Luka seria muito amado, isso eu não tinha dúvidas, e sim, era um príncipe. Quando finalmente consegui ver seu rostinho pela primeira vez, soube que eu havia nascido para ele e ele para mim. Foi amor à primeira vista, incondicional. Naquele momento, tive a certeza de que optar pela maternidade tinha sido a melhor escolha da minha vida.
Eu estava mais do que conformada de que não precisava de um homem para ser feliz. Eu mesma faria minha própria família, seria mãe e pai, assim como milhares de mulheres carregam essa missão.
Tudo estava indo bem, os anos passando e meu Luka crescendo forte e saudável, até que um dia percebi que ele não estava bem. Eu, como médica, me recusei a dar o diagnóstico de Luka: leucemia. Ele precisava de um doador de medula óssea compatível, e o caso dele era raríssimo.
A partir desse momento, enfrentei incansavelmente uma batalha judicial para ter o direito de descobrir quem foi o anônimo que doou o esperma. E quando finalmente o juiz decretou causa ganha para uma mãe desesperada que só queria salvar o filho, ele foi informado da situação e se prontificou a salvar uma criança, mesmo não tendo obrigação.
Quando o doador anônimo chegou ao Brasil para salvar Luka, o vi pela primeira vez. Ele estava de costas e ia doar a medula. Assim que ele virou para se apresentar, quase tive um treco. Era ele... Mas como assim? Que coincidência do destino era essa?
Thiago, meu antigo vizinho de apartamento, que era apaixonado por mim há anos atrás. Acabei dando vários fora nele por não querer me envolver seriamente com ninguém, e só percebi que o amava quando já era tarde demais. Ele estava namorando e com planos de ir para a Dinamarca com uma proposta de trabalho, ia casar e ser feliz. Eu não poderia estragar isso.
Sofri calada e o deixei partir. Esse foi o meu grande arrependimento. Depois disso, nunca mais conheci alguém tão incrível como Thiago e acabei não me envolvendo seriamente com mais ninguém. Os anos foram passando e percebi que o meu grande sonho estava prestes a não se realizar. A partir daí, lutei incansavelmente para engravidar e o destino quis que fosse do único homem que eu amei.
Ele estava aqui para salvar meu filho!
Os meses foram passando e Luka se recuperava muito bem. Thiago quis se aproximar de Luka, mesmo eu falando que ele não tinha obrigação nenhuma. Acabei descobrindo que ele havia se separado da esposa.
A convivência com Thiago despertou em mim uma louca paixão antiga. Acabamos naquela noite fazendo amor. Meses depois, já estávamos cansados e formávamos uma só família. Luka foi o grande responsável por finalmente nos unir outra vez.
Um amor que não se solidificou no passado por falta de maturidade de ambas as partes e por interesses diferentes sempre mostrou que, se for para ser, o tempo nunca será um obstáculo.