Capítulo 1: Grito na Escuridão
A vila de Alvorada parecia parada no tempo, cercada por antigas árvores que guardavam segredos que ninguém ousava escutar. Os moradores diziam que aquelas árvores sussurravam histórias de um passado esquecido, um eco distante de épocas em que a vila era muito mais do que um punhado de casas e uma praça. Durante o crepúsculo, as sombras dançavam pelas ruas estreitas, estendendo-se como mãos esqueléticas sobre as fachadas envelhecidas das casas. Algumas pessoas evitavam sair àquela hora, temendo o que as sombras poderiam ocultar. As figuras distorcidas nas paredes pareciam ganhar vida, mas poucos tinham coragem de encará-las por tempo suficiente para descobrir o que realmente se movia nas trevas.
No centro da praça, em meio a essa escuridão crescente, caminhava Helena. Uma mulher enigmática, cujos olhos verdes brilhavam como esmeraldas sob a luz fraca do crepúsculo. Seu cabelo negro caía como um véu de sombras sobre os ombros, absorvendo a luz, contrastando com sua pele pálida, quase translúcida, como se a própria vida nela fosse algo raro e frágil. Sua beleza etérea não passava despercebida, e ela era, há muito, o objeto de desejo e fascínio de praticamente todos os homens da vila.
Entre eles, estava Elias, o consertador de relógios, que observava Helena à distância, sempre em silêncio. Ao contrário de outros homens que exibiam uma arrogância na busca pelo afeto de Helena, Elias mantinha-se retraído. Sua timidez era como um escudo, uma barreira que o impedia de expressar os sentimentos que borbulhavam dentro de si. Nos dias em que passava consertando relógios, envolto nos mecanismos complexos de engrenagens e ponteiros, Elias sentia-se à vontade. Mas, quando se tratava dos delicados mecanismos do coração, ele estava completamente perdido. Suas mãos firmes, capazes de consertar o mais intricado relógio, tremiam só de pensar em falar com Helena.
Numa noite em que a escuridão começava a engolir a vila, um grito cortou o ar, rasgando o silêncio de maneira brutal. Não era um grito comum. Havia algo de terrível nele, algo que trazia uma sensação de pavor primal, que fazia o coração acelerar e o sangue gelar nas veias. Todos na praça se detiveram, seus olhos voltando-se para o mesmo ponto. Helena, no centro de tudo, girou lentamente, seus olhos fixos na direção da antiga floresta que cercava a vila. As árvores lá eram diferentes, mais antigas, mais altas, e com troncos tão grossos que pareciam segurar segredos sombrios.
"Elias!" chamou uma voz, ríspida e urgente. Era Pedro, o ferreiro, um dos muitos homens que disputava o coração de Helena. Ele o chamou com a autoridade que só alguém com braços fortes e uma postura dominante como Pedro poderia ter. "Você está mais perto da floresta. Vá ver o que está acontecendo!"
Elias hesitou. Ele nunca foi um homem de coragem, e a ideia de entrar na floresta à noite o encheu de medo. As histórias que ouviu na infância sobre o que se escondia entre as árvores escuras voltaram à sua mente, como sussurros do passado. Contudo, a sensação de vergonha começou a crescer dentro dele. Recusar a ordem de Pedro, diante de Helena e dos outros, mancharia ainda mais sua já frágil reputação. Ele olhou para Helena, esperando por alguma reação, talvez uma palavra que o impedisse de seguir, mas ela não disse nada. Apenas o encarou, com seus olhos verdes refletindo a luz da lua crescente, como se esperasse para ver o que ele faria. Sentindo-se sem escolha, Elias pegou uma lanterna, que tremia em sua mão, e se dirigiu à floresta, o medo crescendo em seu peito.
Conforme Elias avançava, o som de seus passos parecia amplificado na quietude densa que envolvia a vila. O farfalhar das folhas sob seus pés era alto demais, perturbador. A lanterna em sua mão projetava sombras longas e distorcidas que pareciam retorcer-se como seres à espreita. O vento que soprava entre as árvores parecia carregar sussurros, palavras que Elias não conseguia compreender, mas que faziam seu estômago revirar. Cada árvore que ele passava parecia observá-lo, seus troncos grossos e raízes que se estendiam como dedos, dando a sensação de que algo ou alguém o seguia de perto.
De repente, Elias parou. Algo no chão chamou sua atenção: uma mancha escura, profunda, que se destacava contra a terra úmida. Ao abaixar-se, ele viu que era sangue. Seu coração disparou ao perceber que o grito que ouvira não era apenas fruto da imaginação. Algo terrível havia acontecido ali. Ele se ajoelhou, inspecionando a área, enquanto seu corpo tremia de medo. O ar ao redor parecia mais pesado, quase sufocante. Estava prestes a se levantar quando ouviu um novo som — um sussurro fraco, quase imperceptível, mas carregado de uma presença sombria.
Elias se virou lentamente e o que viu o fez recuar, seu corpo tomado pelo pavor. Entre as árvores, uma figura encapuzada o observava. Seus olhos brilhavam, frios e fixos, como se estivessem mergulhados em um mistério insondável. Algo naquele olhar lhe parecia estranhamente familiar, quase como se fossem os olhos de Helena refletidos nas trevas.
A figura encapuzada permaneceu imóvel, e, naquele momento, Elias sentiu que estava diante de algo muito maior, muito mais perigoso do que poderia entender.
Uma sensação de opressão tomou conta de Elias, como se o ar ao seu redor estivesse se espremendo para fora de seus pulmões. Ele inspirou profundamente, mas o ar não parecia suficiente para acalmar o turbilhão de emoções que se agiam dentro dele. Aquela figura encapuzada, com olhos que pareciam devorar a luz, emanava uma autoridade que transcendeu qualquer medo que Elias já conhecera. Era a encarnação de todas as histórias contadas em sussurros nas noites escuras, uma presença que parecia se alimentar da própria escuridão que o cercava.
"O que você fez?" a voz do ser saiu como um eco, carregada de um peso que fazia o chão tremer sob os pés de Elias. O medo foi substituído por um impulso instintivo de desespero, uma lembrança distante das histórias que alertavam sobre aqueles que desafiavam os segredos da floresta. Mas