Palermo, 1931. As ruas eram como veias de um corpo doente, pulsando com o sangue das gangues que governavam a cidade. A máfia estava em toda parte, dos becos escuros até os salões luxuosos das mansões. A velha cidade era como uma ferida aberta, e os que prosperavam aqui eram aqueles dispostos a sujar as mãos de sangue e sujeira. A cidade brilhava à noite, mas não era com luzes ou estrelas, e sim com o brilho de olhos gananciosos, tiros de revólveres e fumaça de charutos.
No coração dessa teia de crime e poder, havia um homem chamado Salvatore "Toto" Vitale, o mais temido e respeitado capo da Sicília. Toto vinha de uma longa linhagem de mafiosos, e seu poder vinha não apenas da força, mas da inteligência estratégica que ele herdara de seu pai. Ele controlava não só Palermo, mas também boa parte do comércio de armas, álcool e dinheiro sujo que fluía pelas ruas da cidade.
O Clube da Aliança, um bar e salão de jogos no centro de Palermo, era o quartel-general da família Vitale. Da rua, parecia um simples clube onde homens jogavam cartas e bebiam até tarde da noite, mas os verdadeiros negócios aconteciam nas salas dos fundos, longe de olhos curiosos. Toto raramente estava à vista de todos; ele preferia deixar seus capangas fazerem o trabalho sujo enquanto ele puxava as cordas das sombras.
Naquela noite, o clima estava pesado, como o ar antes de uma tempestade. Toto estava sentado em uma sala cheia de fumaça, ao redor de uma grande mesa de madeira escura, ladeado pelos homens mais leais da sua gangue. Giovanni "Gianni" De Luca, seu braço direito, estava à sua esquerda, com sua típica expressão dura e olhar calculista. Enrico "Rico" Ferraro, conhecido por sua brutalidade nas ruas, e Luigi Bartoli, o homem das negociações, completavam o grupo.
— Os romanos estão se mexendo demais — disse Toto, com uma voz baixa, mas autoritária. — Soube que eles andam comprando propriedades aqui em Palermo. Querem nos cercar.
Gianni apertou o cigarro entre os dedos, pensativo. Ele sabia o que aquilo significava: a Família Romano, uma organização rival de Roma, estava tentando expandir suas operações para a Sicília. Não era a primeira vez que tentavam, mas sempre haviam falhado. Desta vez, no entanto, os rumores eram diferentes. Eles vinham com dinheiro e apoio, não apenas força bruta.
— Precisamos cortar essa ameaça pela raiz — disse Gianni, sem levantar os olhos da mesa.
Toto assentiu. Ele sabia que um confronto com os Romanos era inevitável, mas queria garantir que o ataque seria cirúrgico. Palermo não podia se transformar em um campo de guerra total; os negócios precisavam continuar.
— Rico, quero que você mande um aviso a eles — Toto disse calmamente, seus olhos escuros se voltando para o homem à sua frente. — Nada chamativo, só um lembrete de que este é o meu território.
Rico sorriu, mostrando seus dentes dourados. Ele era um homem que apreciava a violência tanto quanto qualquer um apreciava um bom vinho.
— Vai ser uma conversa bem... convincente, capo — respondeu Rico, já com a mente trabalhando em como enviar a mensagem.
Na manhã seguinte, o sol nasceu pálido sobre Palermo, mas as sombras que rondavam a cidade eram mais escuras do que nunca. Rico e seus homens aguardavam no porto, onde souberam que os Romano fariam uma transação importante. Um carregamento de armas, vindo diretamente de Marselha, era a peça-chave que garantiria a entrada deles no mercado siciliano. Se a transação ocorresse, a guerra seria inevitável.
Rico, vestido com um terno risca de giz e uma boina preta, observava o porto com atenção. Suas mãos estavam dentro do casaco, onde descansava um revólver .38. Seus homens estavam escondidos entre os contêineres de metal, espalhados e prontos para agir. A noite estava silenciosa, exceto pelo som suave das ondas batendo contra os navios atracados.
As horas passaram até que finalmente um carro preto apareceu à distância, lentamente descendo a estrada de paralelepípedos até o cais. Rico sorriu. Os Romano chegaram.
Os homens desceram do carro e começaram a descarregar caixas de madeira de um pequeno barco que havia atracado. Rico reconheceu o líder do grupo: Franco Romano, irmão mais novo do chefe da família Romano. Franco era impulsivo, ao contrário do irmão, e Rico sabia que, se houvesse uma falha nesse plano, seria devido a esse homem.
— Agora — murmurou Rico, dando o sinal para seus homens.
Os tiros romperam o silêncio. Um estalo seco, seguido de gritos. Os homens de Franco tentaram reagir, mas foram pegos de surpresa. Franco correu para trás do carro, puxando uma pistola, mas antes que pudesse disparar, Rico estava diante dele.
— Palermo é nossa — disse Rico, apertando o gatilho sem hesitar.
O corpo de Franco caiu no chão empoeirado do porto, o sangue formando uma poça ao redor de sua cabeça. A mensagem havia sido enviada, clara e brutal.
Na manhã seguinte, a notícia da morte de Franco Romano espalhou-se rapidamente por Palermo. A cidade estava em alerta. Ninguém sabia como os Romano reagiriam, mas todos sabiam que uma guerra total estava no horizonte.
Toto sabia que o ataque de Rico tinha sido bem-sucedido, mas também sabia que a resposta dos Romano seria igualmente violenta. Ele convocou uma reunião de emergência no Clube da Aliança. O salão estava lotado de seus homens de confiança, e o clima era de tensão.
— Os Romano vão vir — disse Gianni, segurando seu copo de uísque com força. — E quando vierem, vão trazer tudo o que têm.
Toto permaneceu em silêncio por um momento, olhando para o mapa de Palermo na parede. Ele sabia que, se os Romano quisessem tomar Palermo, teriam que passar por ele. Mas Toto tinha um plano.
— Vamos fazer com que eles venham até nós — disse Toto, com um sorriso frio. — E quando vierem, estaremos prontos.
Naquela noite, sob o céu negro de Palermo, os Romanos chegaram. Uma caravana de carros pretos entrou na cidade, com homens armados até os dentes. O plano de Toto havia funcionado: ele os havia atraído para uma emboscada. As ruas estreitas e sinuosas de Palermo eram o terreno perfeito para a sua armadilha.
Quando os carros entraram em uma viela escura, os homens de Toto apareceram. De cima dos telhados, das janelas e dos becos, eles abriram fogo. O som de tiros ecoava pelas ruas como trovões. Os Romanos foram pegos de surpresa, presos em uma armadilha mortal.
Gianni liderou o ataque, atirando com precisão e calma. Rico, como sempre, estava no centro da carnificina, saboreando cada tiro que disparava. Em poucos minutos, o que restava da força dos Romano estava espalhado pelas ruas de Palermo, suas ambições destruídas.
No final, Palermo permaneceu nas mãos de Toto Vitale. A guerra, que poderia ter destruído a cidade, foi vencida nas sombras, com sangue e inteligência. O poder de Toto sobre a cidade foi reafirmado, e a lenda de sua família cresceu ainda mais.
A máfia de Palermo não era apenas uma organização criminosa; era uma instituição, uma força invisível que movia os fios da cidade. E no centro dela, Toto reinava supremo, como um rei sem coroa, mas com mais poder do que qualquer governante jamais sonharia em ter.
Palermo pertencia a ele, e assim continuaria.