No coração de uma terra esquecida, onde o céu sempre sangra em tons carmesim e as árvores mortas sussurram o nome dos condenados, havia uma fortaleza erguida entre os ossos de gigantes caídos. A cidadela de Urz-Kalith, envolta em uma atmosfera de desesperança e morte, era onde viviam os últimos remanescentes da humanidade, aprisionados em sua própria ruína.
A brisa carregava o odor acre de carne podre e enxofre. Cada respiração era um fardo, como se o próprio ar estivesse envenenado pelo mal que ali reinava. As paredes da fortaleza eram enegrecidas, não apenas pela fuligem das fogueiras incessantes, mas pelo sangue seco que manchava as pedras. Corpos, tanto de guerreiros quanto de seres monstruosos, estavam empalados nos portões, adornando a entrada como um aviso macabro. Mas ninguém precisava de aviso; todos sabiam que o mal caminhava ali.
Balthor era o último dos Guardiões da Noite, uma ordem extinta que havia jurado proteger o reino de Urz-Kalith dos horrores que espreitavam nas sombras. Seu rosto era uma máscara de cicatrizes profundas, vestígios de batalhas que ele não deveria ter vencido. Seus olhos, outrora vibrantes, agora eram pálidos, quase mortos, refletindo o vazio de sua alma. Sua armadura era feita de couro negro reforçado com placas de metal enferrujado, coberta por símbolos arcanos esculpidos em suas batalhas contra criaturas de outro mundo. O elmo, com chifres retorcidos, cobria parcialmente seu rosto, revelando apenas uma boca endurecida e uma barba suja de fuligem.
Ele empunhava um machado de lâmina dupla, a arma negra, feita do ferro retirado das veias de cadáveres de dragões. O cabo era envolto em pele de demônios mortos, e a lâmina, serrilhada e irregular, parecia vibrar ao ser tocada pela luz. Nas costas, uma espada grande, cujo aço parecia sussurrar maldições.
O crepúsculo dava lugar a uma noite sem estrelas. O único som era o ranger de sua armadura enquanto Balthor caminhava pelos corredores desolados da cidadela. Sua missão era simples: erradicar o coração da escuridão que se aninhava nos subterrâneos de Urz-Kalith. Mas o que o esperava nas profundezas era muito mais do que ele havia imaginado.
A cada passo, as pedras sob seus pés pareciam pulsar, como se a própria fortaleza estivesse viva. Paredes cobertas de musgo escuro exalavam um odor de decomposição, e formas estranhas moviam-se nas sombras. Ele desceu uma escada espiral que parecia interminável, e quanto mais descia, mais frio ficava. Não um frio comum, mas algo que congelava sua alma, como se a morte estivesse se aproximando a cada instante.
Ao chegar ao salão principal do subterrâneo, foi saudado pelo som de carne sendo rasgada. No centro do salão, iluminado por chamas negras que dançavam ao redor, estava a coisa. Não havia palavras que pudessem descrevê-la adequadamente. Era uma massa de carne retorcida, com múltiplos olhos amarelados espalhados por seu corpo, bocas deformadas que abriam e fechavam em lugares onde não deveriam existir. Seus membros eram grossos e robustos, terminando em garras afiadas que arranhavam as pedras do chão, e uma trilha de sangue fresco escorria de seu corpo hediondo.
A criatura soltou um rugido que reverberou pelas paredes. O som era uma cacofonia de agonia e loucura, como se todas as almas perdidas gritassem ao mesmo tempo em desespero. Balthor apertou o machado com força, os músculos do braço tensionando sob a armadura. Sem hesitar, ele avançou.
O primeiro golpe foi brutal. O machado de Balthor encontrou a carne da criatura com um som molhado, arrancando pedaços de sua carne podre. Mas a coisa não parecia sentir dor; em vez disso, retaliou com uma velocidade impossível para seu tamanho, golpeando Balthor no peito e arremessando-o contra uma pilastra de pedra. O impacto foi devastador, e ele sentiu suas costelas se partirem. O gosto metálico de sangue inundou sua boca, mas não havia tempo para fraqueza.
A criatura avançou, suas garras rasgando o chão em sua fúria. Balthor rolou para o lado, apenas o suficiente para evitar a morte certa, e num movimento rápido, puxou a espada das costas. A lâmina irradiava uma luz sombria, como se estivesse viva com o poder dos mortos. Ele a cravou no flanco da criatura, fazendo-a urrar, mas em vez de recuar, a coisa se contorceu ainda mais. De suas feridas abertas, vermes negros começaram a escorrer, cobertos de uma substância viscosa, rastejando rapidamente em direção a Balthor.
Eles queimavam sua carne onde tocavam, e Balthor gritou, esmagando-os com a lâmina da espada enquanto lutava para se livrar da praga. Mas a criatura não lhe daria tempo para respirar. Com um movimento rápido, ela o atacou com uma das bocas deformadas, mordendo seu braço direito e arrancando carne e metal com igual facilidade.
A dor foi indescritível. Balthor sentiu sua visão se estreitar, mas ele não cederia. Usando o braço restante, ele agarrou o cabo de sua espada e, com um grito de pura fúria, mergulhou a lâmina na cabeça da criatura. A lâmina entrou com uma facilidade perturbadora, e a coisa soltou um som estridente enquanto tremia violentamente, suas bocas se contorcendo em agonia.
Por um breve momento, o salão ficou em silêncio, exceto pelo som da respiração ofegante de Balthor. Mas o que ele achou que fosse o fim estava apenas começando. Das entranhas da criatura, uma nova forma emergiu. Mais fina, esguia, com garras afiadas como lâminas de obsidiana e uma cabeça adornada com chifres longos e retorcidos. Seus olhos, vermelhos como brasas, fixaram-se nele, e com um único gesto, ela se lançou em sua direção.
Balthor ergueu a espada, mas a criatura era mais rápida. Suas garras atravessaram o aço da armadura e rasgaram sua carne. Ele caiu de joelhos, o sangue escorrendo livremente de suas feridas. Mas mesmo enquanto a morte o chamava, ele sorriu. Com suas últimas forças, ele murmurou uma antiga maldição e ativou o sigilo no cabo de sua espada.
A luz negra que irrompeu do cabo da espada de Balthor iluminou o salão sombrio como um relâmpago cortando a escuridão. O poder ancestral contido na lâmina não apenas desintegrou a criatura grotesca diante dele, mas também reverberou nas paredes de pedra, despertando um eco de gritos agonizantes. A luz se espalhou como uma onda, consumindo as sombras, e por um momento, a sala parecia renascer, como se a morte estivesse sendo repelida.
Mas Balthor sabia que a vitória era temporária. O mal que habitava Urz-Kalith estava além da compreensão. Ele se levantou, apoiando-se na espada e observando a poeira que se dispersava lentamente. Ao redor, o ambiente estava repleto de grunhidos e murmúrios, ecos de criaturas escondidas nas trevas que esperavam a oportunidade de atacar.
Com a respiração pesada, ele se obrigou a avançar, sentindo a dor pulsar em seu braço e corpo ferido. O odor do sangue e da carne putrefata enchia o ar, e a atmosfera estava carregada de um peso que ameaçava desmoronar sua determinação. Ele precisava descer mais fundo, alcançar o núcleo da escuridão antes que fosse tarde demais.
Balthor atravessou corredores úmidos, cada passo ecoando nas pedras frias. As paredes pareciam pulsar com uma energia maligna, e os olhos das sombras o observavam. Sua mão direita estava cravada no cabo da espada, a lâmina ensanguentada pronta para derramar mais sangue. Uma presença se aproximava, e ele podia sentir o frio intenso cortando o ar ao seu redor.
Ao entrar em uma câmara ampla, iluminada por tochas de fogo verde que lançavam sombras grotescas, Balthor parou. Diante dele estava uma figura imponente, envolta em um manto negro como a escuridão. O ser era humanoide, mas sua pele era coberta por escamas brilhantes e sombras que pareciam flutuar ao seu redor. Olhos dourados brilhavam como chamas em meio à noite. Em uma das mãos, ele segurava uma lança que parecia ter sido forjada nas profundezas do inferno, com a ponta vibrando de poder.
“Você veio longe, Guardião da Noite”, disse o ser, sua voz ecoando como um sussurro de mil almas. “Mas o seu destino é a morte. Este é o reino de Arakthul, e você não é nada comparado a mim.”
Sem hesitar e ignorando completamente as dores dos ferimentos, Balthor avançou, a fúria pulsando em suas veias. Ele levantou sua espada, cortando o espaço entre eles com um grito primal. A lâmina cortou o ar, mas Arakthul foi mais rápido. Com um movimento fluido, o ser desviou, e a lâmina de Balthor encontrou o chão, fazendo uma fissura na pedra.
Arakthul contra-atacou, lançando a lança em direção ao coração de Balthor. O guardião se esquivou, mas a ponta da lança raspou sua armadura, deixando uma marca profunda que parecia arder como fogo. O calor se espalhou pela ferida, e Balthor sentiu um veneno ardente fluir em suas veias.
Ele girou para o lado, utilizando o movimento para balançar a espada e atacar novamente. A lâmina se chocou contra a lança de Arakthul, e um estrondo ensurdecedor ecoou pela câmara. A força do impacto reverberou por seu corpo, mas Balthor se manteve firme. Com um movimento rápido, ele cortou para baixo, tentando alcançar a carne do adversário.
Mas Arakthul era um mestre do combate. Ele girou rapidamente, usando a lança para desferir um golpe de baixo para cima, atingindo Balthor na costela. O guardião caiu de joelhos, o impacto fazendo sua visão turvar. O veneno se espalhava rapidamente, e ele precisava reagir.
Com um grito de determinação, Balthor se levantou e girou, fazendo um movimento rápido com a espada. A lâmina encontrou a carne escamosa de Arakthul, que grunhiu em dor. O cheiro de sangue enegrecido encheu o ar, mas o ser não recuou. Em vez disso, ele avançou com uma fúria renovada, sua lança dançando como uma serpente.
O combate se tornou uma dança mortal. Arakthul atacava com uma velocidade sobrenatural, e Balthor bloqueava e desferia golpes em um fluxo contínuo. Cada movimento trazia um preço, com o veneno consumindo sua força. O chão estava coberto de sangue e escamas, e a sala pulsava com uma energia sombria.
Num momento de descuido, Arakthul desferiu um golpe diagonal que cortou a lateral do rosto de Balthor. O guardião gritou, a dor explodindo como um incêndio. Mas ele não podia ceder. Com um último esforço, Balthor saltou para frente, utilizando todo o seu peso e força no golpe final.
A espada cortou o ar, e com um estrondo ensurdecedor, ele atingiu Arakthul no ombro, fazendo a lâmina entrar até a metade. A criatura uivou, um som grotesco que ecoou pela câmara, e em um último ato de resistência, empurrou a lança em direção a Balthor.
A lâmina da lança atravessou sua armadura, cravando-se profundamente em seu abdômen. A dor foi insuportável, e o guardião caiu de joelhos, o sangue jorrando como um rio. No entanto, antes de desmaiar, ele viu Arakthul recuar, os olhos brilhando com uma mistura de dor e raiva.
Balthor, apesar da dor, ergueu sua espada novamente, fazendo um último esforço. A lâmina cortou a escuridão ao seu redor, atingindo o coração de Arakthul. A criatura gritou em agonia, e seu corpo se desfez em sombras, deixando apenas o eco de sua morte na câmara.
No entanto, a vitória teve um custo alto. Balthor tombou para o lado, a lâmina escorregando de suas mãos enquanto a escuridão o consumia. Ele sentia a vida se esvaindo lentamente, cada batida de seu coração um eco distante. A dor ainda queimava em sua ferida, e o veneno estava tomando conta. Em seus últimos momentos, ele olhou para as sombras e sorriu, mesmo sabendo que a luta nunca acabaria.
O reino ainda estava ameaçado, e mesmo na morte, ele seria um guardião. E assim, no coração de Urz-Kalith, a escuridão se espalhou, enquanto uma nova lenda se formava, com o sangue de um herói alimentando o ciclo interminável da luta contra o mal.