A cidade de Tyrsis era um labirinto de concreto, vidro e ruído. Suas ruas exalavam o cheiro de gasolina, e as luzes dos letreiros piscavam como olhos que nunca se fechavam. Entre os prédios altos e os becos escuros, as pessoas caminhavam sem destino claro, sempre à procura de algo que, talvez, nem soubessem o que era.
Naquela noite, um homem de cabelos grisalhos, chapéu desbotado e casaco de lã andava lentamente por uma das ruas menos frequentadas da cidade. Seu nome era Thadeu, e ele era, ao que tudo indicava, um homem comum, com uma vida ordinária. Ninguém o notava, e ele parecia preferir assim. Carregava nos olhos uma tristeza que não ousava mostrar, um peso que as rugas de seu rosto indicavam, mas nunca revelavam por completo.
Certa vez, anos atrás, Thadeu havia sido alguém importante — ou, ao menos, alguém que acreditava ter importância. Trabalhara para o governo, responsável por uma divisão obscura, cujo propósito era monitorar segredos que o mundo jamais deveria conhecer. A humanidade, não estava pronta para encarar certas verdades.
Tudo mudou quando ele descobriu "O Eco". Durante uma de suas análises, Thadeu encontrou um som peculiar, captado por uma estação de rádio antiga. Era um ruído sutil, semelhante ao vento passando por uma fenda estreita, mas havia algo nele que desafiava qualquer explicação científica. No início, seus colegas descartaram a anomalia, acreditando ser apenas interferência ou estática. Mas Thadeu persistiu. Quanto mais ele escutava, mais o som parecia falar com ele.
Naquela noite em que encontrou o som pela primeira vez, Thadeu não dormiu. Ficou no laboratório até o amanhecer, mergulhado em gráficos, espectros e gravações. Até que, enfim, percebeu algo aterrador: o som não era uma interferência. Era um eco. Um eco de algo que não pertencia a este mundo.
Obcecado, ele passou meses analisando cada detalhe, até que, certo dia, o eco falou de fato. Mas não em palavras. Era uma presença que sussurrava na mente de Thadeu, mostrando-lhe imagens e memórias que ele não reconhecia como suas. Eram visões de cidades abandonadas, mundos apagados, civilizações que desapareceram sem deixar vestígios. O eco era uma espécie de vestígio cósmico, uma reverberação de realidades que foram engolidas pelo tempo.
O que mais aterrorizou Thadeu foi a revelação de que, em algum ponto, ele também fazia parte daquele eco. Ele existira em uma dessas realidades esquecidas, e, por algum motivo inexplicável, havia escapado. Mas o eco estava chamando por ele, tentando trazê-lo de volta. Como um fio solto em um tecido antigo, ele era uma anomalia que não deveria estar ali.
Thadeu tentou avisar seus superiores. Tentou explicar o que havia descoberto. Mas ninguém o ouviu. Ridicularizado, demitido e desacreditado, ele se isolou, desaparecendo dos registros. Deixou tudo para trás, exceto a lembrança constante daquele som.
Agora, enquanto caminhava pelas ruas de Tyrsis, sabia que o eco estava se aproximando novamente. A cada esquina, sentia o ar vibrar levemente. A cada sombra projetada nas paredes dos prédios, percebia contornos de mundos que existiam além da percepção humana. O eco não era mais um som distante; era uma presença ao seu lado, à espreita, pronta para reclamá-lo.
Naquela noite, Thadeu entrou em um beco onde as luzes não alcançavam, e o silêncio era quase absoluto. Ele parou de caminhar, sentindo o ar ficar mais denso. O eco havia chegado. Não como um som, mas como uma ausência de tudo ao redor. O chão desapareceu sob seus pés, as paredes dos prédios se dissolveram em névoa, e Thadeu, por um breve momento, existiu em um espaço onde o tempo não tinha significado.
Quando o primeiro raio de sol tocou a cidade, o beco estava vazio. Thadeu não existia mais. Não havia corpo, não havia vestígios, não havia memória dele em nenhum lugar. Como as cidades e mundos que o eco havia mostrado, ele também foi apagado, absorvido de volta para aquele lugar onde nunca deveria ter escapado.
A única coisa que restou foi o silêncio. Um silêncio que, se alguém prestasse bastante atenção, parecia sussurrar algo, como um eco distante, vindo de um lugar que ninguém jamais entenderia.
E assim, Tyrsis seguiu com seu ruído, luzes e movimento, sem nunca notar que um homem havia desaparecido.