Clara acordou cedo naquele dia. Na verdade, tão cedo que ainda nem amanhecera direito. Depois de semanas em busca de um estágio, finalmente havia conseguido uma vaga numa grande empresa de tecnologia, e hoje seria seu primeiro dia. Ela estava nervosa, sim, mas nada que uma xícara de café forte e um mantra de "vai dar tudo certo" não resolvessem.
— Só preciso causar uma boa impressão — disse para si mesma enquanto se olhava no espelho, ajeitando o blazer. Estava profissional, confiante, pronta para mostrar que merecia aquela vaga.
Meia hora depois, Clara já estava no elevador do prédio imponente onde funcionava a empresa. No décimo quinto andar, mais precisamente, ficava o departamento de inovação, onde trabalharia. Ou pelo menos era o que esperava, já que na noite anterior sonhara com um formulário de demissão antes mesmo de ser contratada oficialmente.
O problema começou assim que ela entrou na recepção. Com uma mão segurando a bolsa e na outra uma xícara de café que, em sua ansiedade, decidiu carregar junto. Má ideia.
— Bom dia, sou a Clara, a nova estagiária do departamento de inovação — disse à recepcionista, sorrindo. Um sorriso que logo murchou quando, sem perceber, esbarrou em algo ou alguém.
A sensação do líquido quente derramando em sua mão foi instantânea, mas o choque maior veio ao perceber que não foi só nela que o café atingiu.
— Ai, meu Deus! — Clara exclamou, olhando para a camisa branca impecável de um homem à sua frente. — Desculpa, desculpa, desculpa! Eu sou... nova... e você é... muito... bem, é melhor eu ir embora?
O homem olhou para a camisa encharcada, levantou a sobrancelha e então a encarou com o tipo de seriedade que gelaria qualquer alma.
— Você deve ser a Clara, certo? — disse ele, seco. — Lucas, gerente de inovação. O seu chefe.
Ela arregalou os olhos. Claro, é assim que termina um sonho. **Primeiro dia e já está demitida antes de ser oficialmente contratada.**
— Nossa, eu não quis... Eu juro que foi um acidente... — Clara balbuciava, sem saber se o olhava nos olhos ou continuava encarando o café que escorria pela camisa dele.
Lucas suspirou. Ele claramente estava tentando manter a calma. Um primeiro dia daqueles também não era o ideal para ele.
— Está tudo bem — disse finalmente, com um tom de quem não estava nada bem. — Vamos apenas tentar evitar mais... incidentes, sim? Suba para o escritório e me espere lá. Eu vou me trocar.
Clara assentiu freneticamente, pegou suas coisas e saiu em disparada para o elevador, tropeçando levemente nos próprios pés no caminho. **Parabéns, Clara**, pensou. **Primeiro dia e já molhei o chefe com café. Tem como piorar?**
A resposta veio rápido. Assim que chegou no escritório, percebeu que se esqueceu de perguntar onde era sua mesa. Como se já não bastasse o caos de antes, ela agora perambulava de um lado para o outro, tentando parecer que sabia o que estava fazendo, até que...
— Você deve ser a nova estagiária, né? — perguntou uma mulher com óculos grandes e sorriso simpático. — Sou a Júlia, do RH. Sente-se aqui. Não se preocupe, eu também derramei café no Lucas no meu primeiro dia.
Clara riu nervosamente. Pelo menos alguém ali parecia normal.
— Ah, então ele já está acostumado com desastres no primeiro dia? — tentou brincar, sem muita convicção.
Júlia sorriu.
— Acostumado, não. Mas ele sobrevive.
Clara respirou fundo e se sentou na sua mesa, tentando se acalmar. **Respira, é só o começo**, pensou. Mas lá no fundo, ela sabia: aquele estágio seria muito mais do que ela imaginava.
E assim, com uma mancha de café e um chefe impassível, começava sua jornada no mundo corporativo. O que Clara ainda não sabia era que o caos estava só começando...
****
Clara passou o restante da manhã tentando parecer produtiva. Ou, pelo menos, menos desastrosa do que nas primeiras duas horas de trabalho. Após o *incidente do café*, ela se jogou de cabeça nas tarefas simples que Júlia lhe passou, esperando que uma dessas planilhas a absorvesse completamente até a hora do almoço.
Mas Lucas, seu chefe, parecia ter outros planos. Após o acidente, ele trocou a camisa e voltou para o escritório, sem dizer nada. Clara notou que ele a observava de canto, como se estivesse avaliando se ela era um desastre ambulante ou apenas uma vítima da ansiedade do primeiro dia.
Por volta das 10h, Clara recebeu um e-mail com o assunto: **"Reunião de Status – Planejamento de Progresso"**. Só de ler o título, ela já suou frio. Era um convite para uma reunião com a equipe toda. Clara começou a revirar as pastas, procurando freneticamente por qualquer coisa que parecesse útil para contribuir. Planilhas, relatórios, o manual do estagiário… qualquer coisa!
Antes de ir para a sala de reuniões, ela fez uma última checagem rápida dos e-mails. Uma notificação nova: **"Meme para sobreviver ao dia"**, enviado por sua amiga, Bia. Clara clicou no e-mail e riu baixinho ao ver um gif de um gato dançando, acompanhado da frase: "Eu chegando no escritório fingindo que sei o que estou fazendo".
— Perfeito! — murmurou Clara, ainda rindo.
Ainda imersa no meme, sem pensar, ela clicou em "responder" e digitou: *"Meu espírito animal! Hahaha!"* e, sem checar para quem estava enviando, apertou “enviar”.
A reunião de status começou logo em seguida. Clara entrou na sala sentindo-se um pouco melhor, afinal, o meme a distraíra da ansiedade. Júlia estava lá, junto com outros três colegas que ela ainda não conhecia. E Lucas, claro, com sua expressão de neutralidade eterna.
— Bom, antes de começarmos a discutir o progresso do projeto, quero destacar algo interessante que acabei de receber por e-mail — disse Lucas, olhando para o laptop à sua frente, sem levantar os olhos. Clara sorriu, aliviada. Talvez fosse um documento importante que ela havia esquecido de revisar.
Mas então, para seu absoluto terror, ele virou a tela do laptop para a equipe. E lá estava: o *meme do gato dançando*, junto com a mensagem "Meu espírito animal! Hahaha!" assinada por... Clara.
Clara sentiu seu rosto corar até a raiz dos cabelos. Ela tentou abrir a boca para se explicar, mas não conseguia encontrar palavras. Estava paralisada entre o desejo de desaparecer e a esperança de que aquilo fosse um pesadelo do qual logo acordaria.
Lucas olhou para ela. Seus olhos quase mostravam um brilho divertido. Quase.
— Clara, você acha que esse é o espírito que devemos ter ao discutir o planejamento de progresso? — perguntou ele, com um tom que era sério, mas com uma pontinha de ironia que fez o resto da equipe segurar o riso.
— Eu… eu… — Clara gaguejou. — Foi um erro, eu enviei para o e-mail errado… eu...
Lucas interrompeu, levantando a mão.
— Entendo. Esses erros acontecem... — Ele fez uma pausa, e Clara teve certeza de que ele estava se divertindo com o constrangimento dela. — Mas vamos tentar manter o foco na reunião, certo?
O resto da equipe mal conseguia se conter. Júlia, do outro lado da mesa, mandou um olhar solidário, mas claramente lutava para não rir. Clara, por sua vez, queria cavar um buraco e nunca mais sair.
A reunião continuou sem mais incidentes, mas Clara estava tão distraída pelo constrangimento que mal conseguiu absorver o que foi discutido. Quando finalmente acabou, ela pegou suas coisas, tentando sair discretamente da sala, mas Lucas a chamou:
— Clara, pode ficar mais um minuto?
**Ai, não! Agora vem a demissão.** Ela parou na porta, virando-se lentamente, como uma criança prestes a levar bronca.
Lucas não parecia bravo, apenas... curioso.
— Eu queria saber se você entendeu as tarefas que te passei hoje mais cedo — ele perguntou, sem qualquer menção ao meme ou ao café. Seu tom era profissional, o que, estranhamente, a acalmou.
— Ah, sim, sim! — Clara respondeu, ainda com a voz trêmula. — Estou revisando as planilhas e organizando os dados para a apresentação de amanhã.
Lucas assentiu.
— Ótimo. E, Clara...
— Sim?
— Na próxima vez, cheque duas vezes para quem está enviando o e-mail — ele disse, finalmente sorrindo levemente, o que a pegou completamente de surpresa.
Clara riu, nervosa, e acenou com a cabeça, enquanto saía da sala.
De volta à sua mesa, ela se sentou, soltando um longo suspiro. Dois desastres em um único dia. Mas, incrivelmente, ela ainda tinha um emprego. E, por algum motivo, Lucas não parecia tão carrancudo quanto no início.
*****
Clara estava começando a se adaptar à rotina na empresa. Os pequenos desastres — o café derramado, o meme enviado por engano — já haviam se tornado parte das piadinhas internas entre os colegas. Júlia, especialmente, sempre lembrava de brincar sobre o "espírito animal" da estagiária. Mas Clara sabia que Lucas, apesar de sério, havia deixado passar esses deslizes, o que a fazia respirar um pouco mais aliviada.
Naquela manhã, o clima no escritório estava diferente. A tensão pairava no ar. Havia rumores sobre uma negociação importante com um grande investidor estrangeiro. Se o acordo fosse fechado, a empresa daria um salto gigantesco no mercado de tecnologia.
Clara, apesar de não estar diretamente envolvida, foi convocada para ajudar na organização de documentos e preparar uma apresentação de última hora para Lucas. Ela sabia que era uma oportunidade para mostrar que, apesar dos tropeços, era competente.
— Clara, preciso que essa apresentação esteja impecável — disse Lucas, passando pelo escritório com uma expressão de foco total. — O Sr. Victor Zamora chega em uma hora. Ele é um dos maiores investidores que já negociamos e, se tudo der certo, isso pode mudar o futuro da empresa.
Clara assentiu, determinada a não cometer erros dessa vez. Seu foco estava em criar gráficos perfeitos, revisar cada detalhe da apresentação e garantir que Lucas tivesse tudo o que precisasse. Ela sequer pensou em como seria a reunião até estar na sala de conferências, minutos antes do início, organizando os últimos detalhes.
Quando Victor Zamora finalmente entrou na sala, o ambiente pareceu mudar. Alto, bem vestido e com uma postura confiante, ele era o tipo de pessoa que exalava autoridade sem precisar dizer uma palavra. Tinha cerca de 40 anos, com cabelos escuros levemente grisalhos nas têmporas e um olhar afiado que analisava tudo ao seu redor.
Clara ficou atrás de Lucas, tentando ser discreta enquanto ajustava o projetor. Mas não demorou muito para que Zamora a notasse. Quando Lucas começou a apresentação, os olhos do investidor passaram rapidamente pela tela, pelos outros executivos presentes, e finalmente pararam em Clara.
— E você? — perguntou Victor de repente, interrompendo Lucas no meio de uma frase.
Clara congelou. **Eu? O que eu tenho a ver com essa negociação?** Ela levantou a cabeça, tentando entender o que ele queria dizer.
— Você é a responsável por esses gráficos? — continuou ele, agora com um sorriso pequeno e intrigado. Seu sotaque levemente acentuado deixava claro que ele era estrangeiro, mas falava português com fluência.
— Ah… sim, eu… preparei os gráficos — Clara respondeu, sua voz um pouco hesitante. Ela sentiu o olhar de Lucas sobre ela, e por um breve segundo, não conseguiu decifrar se era aprovação ou uma leve preocupação com o rumo que aquilo estava tomando.
Victor sorriu mais abertamente agora.
— Interessante. O seu trabalho é muito bom — disse ele, sem tirar os olhos dela. — Eu valorizo profissionais detalhistas.
Clara sorriu sem graça, tentando se concentrar. **Ele está elogiando o meu trabalho... certo?** Mas havia algo mais naquele olhar. Algo que a deixou desconfortável, embora Victor não estivesse sendo abertamente inadequado. Ainda assim, a atenção dele era intensa.
A reunião continuou, mas Clara não conseguia deixar de perceber os olhares ocasionais que Victor lançava na sua direção. Ele parecia interessado na apresentação, claro, mas também em algo mais... ou, melhor dizendo, em **alguém** mais. Quando Lucas expunha os detalhes técnicos da proposta, Victor desviava o foco para ela sempre que possível.
— Diga-me, Clara... — ele a chamou pelo nome, como se já tivessem uma longa relação de amizade. — O que você acha desse projeto? Acredita que pode realmente revolucionar o mercado?
Ela engoliu em seco. **O que eu acho? Eu sou só a estagiária, pelo amor de Deus!**
— Bem, eu acredito que o projeto tem muito potencial, sim — disse Clara, tentando parecer confiante. — Os dados que analisamos mostram uma boa perspectiva de crescimento, especialmente com a integração de novas tecnologias. Mas... acho que o impacto real vai depender da implementação.
Lucas a olhou de canto, surpreso com a resposta. E, dessa vez, ela percebeu uma faísca de aprovação nos olhos dele.
Victor assentiu, com um brilho de curiosidade.
— Parece que você tem uma visão interessante das coisas. Talvez devêssemos conversar mais a fundo, fora daqui — disse ele, com um tom insinuante.
O clima na sala mudou instantaneamente. Júlia, que também estava presente, ergueu as sobrancelhas em sinal de surpresa. Clara, por sua vez, ficou em choque. **Ele está... me convidando para um encontro?**
Lucas não disse nada, mas sua postura mudou sutilmente. Ele fechou o laptop, encerrando a apresentação.
— O foco da reunião é o projeto, Sr. Zamora — disse ele, com um tom firme, mas polido. — Acho que Clara já ajudou bastante até aqui. Podemos continuar a discussão com os outros pontos agora.
Victor lançou um último olhar para Clara, sorrindo de forma enigmática, mas voltou sua atenção para Lucas. **Negócios são negócios**, afinal.
A reunião terminou com a promessa de que Victor consideraria seriamente o investimento, e todos se levantaram. Mas antes de sair, ele se aproximou de Clara mais uma vez.
— Clara, foi um prazer conhecê-la. Espero que possamos conversar em outra ocasião — disse ele, apertando sua mão de forma firme e demorada demais.
Quando ele finalmente saiu da sala, Clara soltou o ar que nem sabia que estava prendendo. Sentiu uma mistura de alívio e desconforto. **O que foi isso?**
— Clara, você foi bem hoje — disse Lucas, aproximando-se com um olhar neutro. — Mas fique atenta. Nem sempre os elogios vêm sem segundas intenções.
Ela assentiu, ainda sem saber como se sentir sobre o que havia acabado de acontecer.
Lucas deu um meio sorriso, quase imperceptível.
— E quanto a Victor Zamora... Se ele tentar marcar mais alguma "conversa", pode deixar que cuido disso — completou ele, voltando à sua seriedade habitual. — Agora, vamos continuar com o trabalho.
Clara sorriu de volta, com um alívio tímido. O mundo dos negócios era muito mais complicado do que esperava... e cheio de surpresas inesperadas.
Nos dias que se seguiram, Clara não conseguia tirar da cabeça o que havia acontecido na reunião com Victor Zamora. A atenção inesperada do investidor a deixara desconcertada, mas o que a deixava mais confusa era a atitude de Lucas. Ele fora protetor, quase... cuidadoso. Clara achou isso inusitado, considerando que até então, ele era um mistério de neutralidade.
No entanto, Clara decidiu que era melhor focar em seu trabalho. Ela queria deixar claro que estava ali para aprender e crescer profissionalmente, não para lidar com flertes no ambiente corporativo.
Na manhã de segunda-feira, Clara chegou ao escritório, pronta para uma semana tranquila. O e-mail de Lucas com as tarefas do dia já estava em sua caixa de entrada:
**Assunto: Prioridades da Semana**
“Clara, precisamos revisar os dados do relatório que será enviado para a equipe de planejamento. Além disso, a apresentação do projeto precisa de alguns ajustes. Por favor, finalize até quinta-feira.”
Ela sorriu. Esse tipo de trabalho era o que a fazia se sentir mais no controle. Clara passou a maior parte da manhã mergulhada em planilhas, esquecendo-se temporariamente de qualquer coisa que não fosse número e gráficos. Quando finalmente olhou o relógio, era quase hora do almoço.
Ela abriu sua caixa de e-mail novamente para verificar se havia algo novo. E lá estava. Um e-mail de Victor Zamora.
**Assunto: Ótima conversa – Vamos continuar?**
Clara congelou. **O que ele quer agora?** Havia uma mistura de curiosidade e desconforto que crescia no estômago dela. Com uma respiração profunda, abriu o e-mail.
“Olá, Clara,
Foi um prazer conhecê-la na última reunião. Sua visão sobre o projeto me impressionou, e eu gostaria de conversar mais a fundo sobre algumas ideias que podem ajudar o desenvolvimento da proposta. Estou em São Paulo esta semana e gostaria de convidá-la para um almoço de negócios. Acredito que sua contribuição será valiosa.
Aguardo sua resposta.
Atenciosamente,
Victor Zamora”
Clara piscou algumas vezes, relendo o e-mail. **Um almoço de negócios?** Era uma oportunidade ou mais um daqueles encontros disfarçados? Ela estava ciente de que deveria ser cautelosa, mas também sabia que Victor era um jogador importante no mercado. Recusar poderia parecer mal para a empresa, mas aceitar poderia colocá-la em uma situação desconfortável.
Ela pensou em responder com uma desculpa educada, mas antes de poder tomar uma decisão, Lucas apareceu na porta de sua baia.
— Clara, você já deu uma olhada no relatório? — ele perguntou, direto como sempre, mas seus olhos eram um pouco mais atentos do que o normal.
Clara olhou para o e-mail de Victor e, em um impulso, virou o laptop na direção de Lucas.
— Olha... Victor Zamora me mandou isso. Ele quer que eu almoce com ele esta semana para "discutir o projeto". Eu não sei o que responder...
Lucas leu o e-mail com a expressão séria de sempre, mas Clara percebeu que, enquanto ele lia, seu maxilar ficou levemente tensionado.
— Almoço de negócios? — Lucas disse, quase de forma retórica. — Interessante... Ele já tem toda a equipe e os diretores para discutir o projeto. Não vejo por que ele precisaria de uma estagiária para isso. — Ele fechou o laptop com mais força do que o necessário. — Vou responder a esse e-mail por você.
Clara piscou, surpresa. Lucas raramente se envolvia diretamente nas questões pessoais dela. Estava claro que ele não gostava do tom do convite, mas ela não queria parecer incompetente ou incapaz de lidar com uma situação dessas.
— Eu posso responder, Lucas... — começou ela, hesitante. — Só não sei exatamente o que dizer para não ser grosseira, mas também não quero me colocar em uma situação complicada.
Lucas deu um suspiro, ainda com uma expressão que misturava seriedade e um leve incômodo. Ele cruzou os braços e a olhou por alguns segundos antes de falar.
— Olha, Clara, é normal que investidores tentem estabelecer contatos mais próximos, especialmente com quem eles veem potencial. Mas você precisa ser cuidadosa. Zamora claramente tem interesses que vão além do profissional. Vou sugerir que, se ele quiser discutir algo mais sobre o projeto, isso seja feito em uma reunião formal com a equipe. — Ele pausou, olhando diretamente para ela. — Acredite, não seria bom para você nem para a empresa aceitar esse tipo de convite sem supervisão.
Clara assentiu, um pouco aliviada por ele estar tomando as rédeas, mas também preocupada por não querer parecer que precisava ser protegida a todo momento.
— Certo, Lucas, eu confio no seu julgamento. Se você acha que é melhor assim, pode responder.
Lucas deu um leve aceno e voltou para sua sala, deixando Clara refletindo sobre a estranheza da situação. Ela sabia que Victor não era apenas mais um investidor qualquer, e sua atenção estava claramente voltada para ela de uma forma desconfortável. Ainda assim, parte de Clara se perguntava por que Lucas estava tão envolvido. **Ele está apenas sendo um chefe cuidadoso... ou há algo mais?**
Durante o resto do dia, Clara tentou focar no trabalho, mas os pensamentos sobre a resposta que Lucas daria a Victor e o olhar protetor de seu chefe a deixaram distraída.
No final da tarde, enquanto organizava suas coisas para ir embora, recebeu uma notificação de e-mail. Era Lucas.
**Assunto: Resposta para Zamora**
“Clara,
Já enviei a resposta ao Victor, informando que qualquer discussão sobre o projeto será feita de forma mais adequada em uma reunião oficial com a equipe. Ele aceitou a sugestão e entendeu a situação.
Nos vemos amanhã.
Lucas”
Clara suspirou, aliviada. **Bem, pelo menos isso está resolvido.** Ela pegou suas coisas e, ao sair do escritório, viu Lucas ainda em sua sala, debruçado sobre um monte de documentos.
Por um momento, Clara pensou em agradecer pessoalmente. Talvez, no fundo, ela quisesse entender um pouco mais o motivo de Lucas ter sido tão direto em afastar Victor. Mas, antes que pudesse se decidir, Lucas levantou os olhos e a viu ali parada.
— Tudo certo? — ele perguntou, sem o tom usual de cobrança, mas com um interesse discreto.
— Sim... obrigada por me ajudar com isso. Eu não saberia como lidar sozinha.
Lucas assentiu, o rosto ligeiramente mais suave do que o normal.
— Só estou fazendo o que é certo, Clara. Não precisa agradecer. Boa noite.
Clara sorriu timidamente e se virou para sair. Enquanto descia pelo elevador, uma sensação estranha de que as coisas no escritório estavam mudando começava a tomar forma. E talvez, apenas talvez, Lucas não fosse tão neutro quanto ela pensava.