Depois de vários problemas com sua mãe, Júlia decidiu sair de casa e foi morar com sua tia.
Júlia estava perto de completar dezenove anos, morando com sua tia e os filhos "abençoados" dela. Cinco crianças, dois cachorros, um gato que era macho mas se chamava Lulu, um quintal com oito galinhas, um casal de patos, uma tartaruga e uma calopsita. E não, não era brincadeira. A única coisa que faltava para completar era uma vaca, mas para compensar, tinha o boi do seu tio só que essa era outra história.
Sua tia amava a bicharada, principalmente os cachorros Bruno e Marrone (ela era fã da dupla). Uma das poucas tarefas que Júlia tinha na casa, já que ainda não tinha arrumado trabalho, era levar Bruno e Marrone à clínica veterinária/pet shop que ficava no mesmo bairro.
Até o dia do fato que irei contar, Júlia já tinha levado os cachorros lá umas três vezes: uma vez para vacina, uma para banho e outra vez com seu tio quando eles acharam que o Marrone tinha sido envenenado, e é sobre isso que vou contar.
Em um fim de semana, a família toda – Júlia, seus tios e primos – decidiu passar um dia no sítio da amiga de sua tia. Como era de se esperar, levaram a dupla sertaneja de quatro patas. O gato, por outro lado, ficava em casa, pois os cachorros eram quase inseparáveis e iam para onde a tia de Júlia ia, de aniversários a casamentos, de barzinhos a funerais.
O dia no sítio foi tranquilo e agradável. As bençãos correram pelo quintal e um deles perdeu um dente caindo do pé de goiaba. Enquanto a tia e a amiga preparavam o almoço, o tio e o marido da amiga bebiam e riam na varanda. Bruno e Marrone já conheciam o sítio melhor que Júlia, sumiam no mundo e depois voltavam.
Nada parecia fora do comum até a manhã seguinte, quando já estavam todos de volta em casa. A tia notou que Marrone estava estranho. Ele era cheio de energia e não parava mas agora estava caidinho e não queria comer. Preocupada, ela chamou seu marido, que também percebeu que algo não estava certo. Marrone começou a passar mal, e os tios começaram a achar que ele tinha sido envenenado.
A tia de Júlia, ao perceber que Marrone estava cada vez pior, entrou em desespero. O cachorro parecia engasgado, vomitava a todo momento e não conseguia se levantar. Ela podia até não ter dado muita importância quando o filho caiu da goiabeira e perdeu um dente, ou quando o tio foi "atropelado" por um garoto de bicicleta na rua, mas quando o assunto era sua dupla de cachorros, ela se transformava.
Muito preocupada , a tia pediu Júlia que pegasse o cartão do cachorro pra levá-lo ao veterinário. Júlia correu para pegar o cartão enquanto o tio tentava acalmar a mulher que parecia pior que o cachorro. Chorando e falando o tempo todo que não queria que Marrone morresse.
O tio pegou Marrone nos braços e correu para o carro. Júlia e a tia seguiram logo atrás, mas o tio disse que era melhor a mulher ficar em casa. Ela já tinha o costume de não conseguir manter a calma em hospitais, podia ser de cachorro ou humanos ela sempre perdia a paciência. Ao chegarem na clínica, Marrone foi levado imediatamente para a sala de atendimento. A médica disse que o cachorro tinha uma torção gástrica mas que ia ficar bem. A médica pediu para os dois saírem e eles esperaram do lado de fora. Júlia estava ansiosa mas seu tio parecia tranquilo e até saiu pra rua para fumar um cigarro. Júlia gostava dos cachorros e agora andava de um lado para o outro, esperando a veterinária aparecer com alguma notícia.
Resumindo, Marrone passou por uma cirurgia e foi só o que deixou o tio preocupado foi a conta pra pagar depois. Depois de recuperado, ele voltou a ser o Marrone de sempre, latindo, correndo e fazendo a alegria da casa junto com Bruno.
Depois de um tempo, depois que tudo já tinha passado, Julia perguntou ao tio como ele ficava tão tranquilo quando eles levaram Marrone ao veterinário, vendo o cachorro praticamente batendo as botas. O tio disse sem nenhuma vergonha na cara que gostava do cachorro mas que a mulher preferia o cachorro do que ele então ele estava contando pra que Marrone "deixasse a dupla"
"— Você não tem coração "
Foi o que Júlia disse ao tio mas ele se defendeu logo, dizendo que não tinha nada a ver com o que aconteceu. Realmente ele não tinha, a doutora explicou o que Marrone tinha mas se ele não tivesse ido ao veterinário e não tivesse recebido o diagnóstico e feito a cirurgia, teria morrido e todos iam pensar que foi envenenamento. E o primeiro suspeito seria o tio, com essa afirmação.
"— Eu não teria coragem de fazer isso, mas vontade não me falta. Onde já se viu a mulher preferir os cachorros?"
Foi o que ele falou.
"— É por isso que você é corno"- Julia disse -
Depois dessa fala, o tio não disse nada. Ele não falou mais nada sobre o cachorro ou os outros animais, não falou com Julia nem nada. Só uns dias depois ele começou a falar em enigma dizendo que a conta tava pesada demais em casa, como se quisesse dizer que ela estava sendo um peso a mais. Julia saiu mesmo da casa da tia mas isso não mudava o fato de seu tio continuar sendo um corno nem o fato de Bruno e Marrone continuarem sendo uma dupla.