O som constante dos martelos e serrotes ecoava pelo canteiro de obras, uma melodia rústica que Adam Smith conhecia bem. Ele subia os andaimes com a destreza de quem havia passado anos ao lado do pai, aprendendo cada detalhe da construção civil. O calor do sol batia em suas costas, enquanto ele ajustava as tábuas de madeira que formariam a base de uma nova parede. Ao seu redor, homens mais velhos, com rostos marcados pelo tempo e pelo trabalho árduo, trocavam palavras breves e diretas, concentrados na tarefa do dia.
O edifício em construção era robusto, com linhas clássicas que misturavam o estilo vitoriano ao toque moderno que o pai de Adam gostava de dar às suas obras. Adam admirava a arquitetura, mas o sonho de projetar algo grandioso, que refletisse suas próprias ideias, parecia distante. Por ora, ele se contentava em ajudar o pai, ainda que seus pensamentos frequentemente vagassem para além dos tijolos e argamassa.
_"Olha, Adam, você está se saindo muito bem com o trabalho. Logo, logo vai estar nos dando ordens em vez de só seguir,"_ disse o senhor Thompson, um homem robusto de bigode espesso, enquanto ajustava uma estrutura de madeira.
_"É, esse rapaz tem futuro,"_ complementou o senhor Brown, rindo. _"Se continuar assim, vai acabar comandando a obra."_
Adam sorriu modestamente e continuou a trabalhar, mas logo a conversa mudou de rumo.
_"E então, Adam, já tem planos para o domingo?"_ perguntou Brown, tentando desviar o foco do trabalho para um assunto mais leve.
_"Talvez eu vá pescar com alguns amigos. E você?"_ respondeu Adam, ajustando uma tábua.
_"Pescaria? Boa escolha,"_ disse Thompson. _"O rio está cheio de trutas este ano. John e eu pegamos uma que deu um trabalho para tirar do lago. Era enorme!"_
Os três riram juntos, e a conversa seguiu por alguns minutos, entre risadas e histórias de pescarias passadas. O trabalho parecia mais leve com essas conversas, e, por um momento, os pensamentos de Adam estavam longe dos tijolos e da construção.
Mas, enquanto conversavam, Adam levantou os olhos para o horizonte e notou uma figura familiar entre as árvores que delineavam o terreno. Todos os dias, por volta da mesma hora, a jovem se acomodava debaixo da velha árvore, um lugar onde a sombra era generosa e o vento soprava suave. Ela trazia consigo um caderno, ou talvez um livro, que às vezes abria no colo, mas era evidente que sua atenção estava na construção.
_"Quem será ela?"_ Adam se perguntava, enquanto ajustava a posição de um dos pilares de madeira. Ele já havia notado o olhar atento que a moça lançava às estruturas. _"Será que ela conhece alguém da obra? Ou está apenas curiosa?"_
Em um momento de pausa, Adam enxugou o suor da testa com a manga da camisa e se dirigiu ao senhor Thompson.
_"Senhor Thompson, você já reparou naquela moça que fica debaixo da árvore todos os dias?"_
Thompson ergueu os olhos do trabalho, olhando na direção indicada por Adam.
_"Ah, já a vi. Não tenho certeza de quem seja. Talvez ela só goste de observar o andamento da obra."_
Adam balançou a cabeça, ainda curioso. _"É estranho, não é? Nunca vi ninguém ficar tão interessado assim em uma construção."_
O senhor Brown, que estava por perto, ouviu a conversa e se aproximou, limpando o suor da testa com um lenço.
_"Ela pode estar apenas procurando um pouco de tranquilidade. E com o barulho que fazemos, não deve haver muito lugar melhor para se sentar,"_ disse Brown, rindo.
_"Pode ser,"_ respondeu Adam, embora sua curiosidade não fosse saciada. _"Mas ainda assim, eu me pergunto o que a atrai tanto."_
Com o sol começando a descer, a sombra da árvore se alongava, e a jovem parecia se preparar para ir embora. Adam a observou enquanto ela guardava o caderno e se levantava. Com um último olhar para a construção, ela seguiu pelo caminho que levava de volta à cidade.
Os trabalhadores começaram a se reunir para encerrar o dia, e Adam, apesar de suas tarefas finais, continuava pensando na jovem. A presença dela era um enigma que ele não conseguia resolver, e a curiosidade apenas aumentava com o tempo.
_"Amanhã ela deve aparecer de novo,"_ pensou Adam, enquanto guardava suas ferramentas e se preparava para deixar o canteiro. _"Quem sabe eu descubra mais sobre ela."_
Após um longo dia de trabalho, Adam voltou para casa, onde morava apenas com o pai desde a morte de sua mãe. A casa era simples, mas acolhedora, com móveis de madeira que seu pai havia construído ao longo dos anos. Ao entrar, o aroma de sopa fresca e pão recém-assado o saudou, lembrando-o de como pequenos gestos, como preparar o jantar, mantinham a vida dos dois em equilíbrio.
Os dois se sentaram à mesa para jantar. A conversa era leve, recheada de histórias do dia. O pai de Adam falava sobre as mudanças na cidade, lembrando-se de quando ele mesmo era um jovem como Adam, aprendendo as mesmas habilidades na construção.
_"Você está se saindo bem, Adam. Logo estará comandando aquelas obras, assim como eu fiz na sua idade,"_ disse o pai, sorrindo com orgulho.
Adam sorriu de volta, mas seus pensamentos ainda estavam na figura misteriosa que ele via todos os dias debaixo da árvore. Eles terminaram a refeição e, como de costume, Adam ficou encarregado de limpar a cozinha. Enquanto ele lavava os pratos, sua mente vagava, refletindo sobre os detalhes que havia notado naquela moça: os cabelos ruivos, as sardinhas quase imperceptíveis, o jeito como ela se concentrava no que escrevia em seu caderno.
Depois de limpar a cozinha, Adam e seu pai se acomodaram na sala de estar. O pai de Adam acendeu seu cachimbo, uma tradição que ele mantinha desde os tempos de juventude, e o som crepitante do tabaco queimando encheu o ambiente. Adam, por sua vez, pegou um dos livros de arquitetura que sempre o acompanhavam, folheando as páginas com interesse. Ele admirava os esboços de edifícios grandiosos, sentindo um misto de inspiração e desejo.
Seu pai observou-o por um momento, um leve sorriso se formando no rosto. _"Você está sempre com esses livros, Adam,"_ comentou, soltando uma baforada de fumaça. _"Parece que você tem o mesmo olhar sonhador que seu avô tinha. Ele também adorava desenhar, sabia?"_
Adam levantou os olhos do livro, surpreso. _"O vovô? Eu sabia que ele trabalhava com construções, mas não sabia que ele desenhava."_
O pai assentiu, seus olhos vagando pelo passado. _"Sim, ele era um homem prático, mas tinha um talento para o desenho. Desenhava casas, edifícios, às vezes até cidades inteiras, só para passar o tempo. Mas naquela época, as oportunidades eram poucas. Ele nunca pôde estudar arquitetura, mas acho que, de alguma forma, esse talento passou para você."_
Adam sentiu um calor no peito ao ouvir aquelas palavras. Saber que compartilhava algo tão especial com seu avô fazia o desejo de seguir seus sonhos ainda mais forte. _"Eu só... acho que gosto de imaginar como as coisas poderiam ser, sabe? Como criar algo que ainda não existe."_
Seu pai sorriu novamente, mas dessa vez com um toque de melancolia. _"Você tem algo que eu e seu avô nunca tivemos, Adam: a chance de transformar essas ideias em realidade. Não se esqueça disso."_
Adam ficou em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Ele sabia que seu pai estava certo, mas a responsabilidade de ajudar na construção e o peso do legado familiar ainda o mantinham preso à realidade.
Mais tarde, já em seu quarto, Adam sentou-se à sua escrivaninha, com o livro de arquitetura ao lado e um pedaço de papel em branco à sua frente. Pegou um lápis e começou a rabiscar, sem um plano específico. Aos poucos, o esboço de uma casa começou a tomar forma. Era uma construção simples, mas havia algo de especial nela. Talvez fossem as janelas amplas ou o telhado inclinado, mas aquele desenho parecia capturar um pouco de sua própria essência, um reflexo do que ele realmente desejava criar.
Enquanto desenhava, as imagens da jovem que ele via todos os dias surgiam em sua mente. Ele se lembrava de como ela parecia concentrada quando escrevia em seu caderno, o rosto suave e levemente corado pelo sol. Seus cabelos ruivos, sempre presos de maneira simples, destacavam-se sob a luz, e as poucas sardas em seu rosto eram quase imperceptíveis, mas davam-lhe um ar encantador. Ela tinha algo de fascinante, especialmente quando se concentrava, e Adam se pegou pensando nisso mais do que gostaria de admitir.
_"Quem será ela?"_ pensava, enquanto adicionava detalhes ao seu desenho. Ela tinha cerca de 1,60m de altura, uma figura delicada, mas havia algo em sua postura que sugeria uma força interiorEle se perguntava o que ela escrevia tanto naquele caderno, ou por que ela sempre escolhia aquele mesmo lugar para se sentar.O tempo passou sem que Adam percebesse. Seus olhos começaram a pesar, mas ele não conseguia parar de rabiscar, de pensar nela, de imaginar como seria conversar com ela. Eventualmente, o cansaço venceu, e ele adormeceu ali mesmo, debruçado sobre a escrivaninha, com o lápis ainda na mão e os esboços à sua frente.O quarto estava silencioso, exceto pelo som suave de sua respiração. As estrelas brilhavam do lado de fora, mas, em sua mente, as imagens da jovem e de suas próprias criações continuavam a dançar, mesmo enquanto ele dormia. Adam não sabia, mas aquele era apenas o começo de uma curiosidade que se transformaria em algo muito mais profundo.