Às vezes, me pego pensando em como eu era mais feliz quando estava sozinha. Quando podia desfrutar da minha liberdade nos braços pegajosos da solitude. Não, eu não falo no sentido ruim, mas que havia algum afeto ali. Sempre fui intensa nas minhas emoções. De certa forma, eu pressentia algo em meu coração, uma coisa que não compreendi muito bem, mas estava lá, e assim, também martelando em meu cérebro.
Estava tão inquieta quando me anunciaram quem seria meu esposo e futuramente meu marido, meu homem. Se parece confuso para você, imagina para mim. Antes que tudo comece novamente; quero deixar claro que eu não me cansava de prometer para mim mesma: que era forte, que me orgulhava, que não tinha culpa, que não o deixaria me tratar como se fosse um objeto de bolso.
“Querida, o almoço está pronto!” Uma palavra linda, acompanhada de uma frase que nos mergulha na emoção de que é amada por alguém de valor. Mas me diga, ou diga para si mesma; o quão desprezível se torna uma palavra que era para ser um gesto de carinho e assim, em uma ação de repúdio, transformar-se em algo que nos faz odiar quando é proferido de forma vazia e fria, somente para manter as aparências?
Eu retorno de meus devaneios, mas tudo o que eu queria era ir para fora de meu corpo, e novamente desfrutar de minha doce e livre companhia. Olha, isso não é possível. Tentativas fracassadas inúmeras vezes. Se observar bem, eu estou tão fodida. Mas dentro desta casca que parece oca, há uma pessoa desfrutando do que restou de sua liberdade, ou pode ser simplesmente um sintoma da loucura.
Apesar de tudo, eu sempre falo que estou bem, mesmo que meu corpo diga que não. Ninguém desconfia mesmo, basta falar duas palavrinhas mágicas, que tudo é apagado por mais visível que esteja. Não consigo mais chorar, e isso só piora minha situação. Afinal, vejo isso como um privilégio. Por tantas vezes ter engolido o choro e tantas vezes ter que aguentar tudo o que passo até hoje.
Gostaria de ter esse privilégio, deve ser tão bom poder não chorar e se aliviar, apaziguando um pouco aqui dentro, de uma carne tão desgastada. Em meio ao caos, eu ainda tenho uma fagulha, apesar de ter tentado apagar inúmeras vezes. Eu sou uma colecionadora. Coleciono machucados, hematomas e cicatrizes. E tudo começou em uma noite após a lua de mel.
Não pensem que eu não lutei, eu lutei muito, mas tanto; que quase sufoquei em desespero, por perder inúmeras vezes. E se perguntarem sobre minha família; eles nunca enxergaram através da cortina de seda existente sobre nós dois. É tudo tão preto e branco, é tudo tão sem vida, confuso, tudo tão sem contraste. A única coisa que tem contraste aqui e bem vivida é a dor de uma coleção que infelizmente estou presa há tantos anos, que merecia um prêmio, em um mundo injusto e desprezível como todas as pessoas que passam por mim, me olhando em um lugar que não posso decidir ou opinar.
Confuso? O que faço com isso? O que posso fazer? O que tentei fazer? Eu tentei? Eu consegui? E se! E se eu fosse igual, e se eu o matasse, e se minha família me ajudasse, e se as pessoas vissem através das mentiras que contei quando alegava estar ‘tudo bem’, e se a justiça fosse justa???