Ele estava queimando. Podia sentir cada célula do seu corpo morrendo lentamente. Se fazia um ou três meses, havia alguma diferença? "Fome" e "sede"... não poderiam descrever o que ele sentia, esvanecia, dentro de seu próprio vazio.
Ouviu passos atrás de si, e não demorou muito para saber que vinham atrás dele.
— Louis? Você está bem? Você saiu tão rápido, eu quase não pude vê-lo — Disse Mac.
— Sim, o que aconteceu? Você simplesmente sumiu! — Concordou Ryan.
Ele se manteve em silêncio, não podia falar. Só o cheiro deles já era o suficiente para fazê-lo estremecer. Nem sequer respirava, temia fazer algo horrível, algo imperdoável. Os dois se entreolharam, apreensivos. Mac se aproximou.
— Escuta, não precisa dizer nada. Só saiba que, se precisar de qualquer coisa, nós estaremos aqui por você — Repousou a mão sobre o ombro dele.
Ele gostaria de ter retribuído, gostaria de ter dito algo. Mas, ele sentiu o cheiro... Mac tinha se machucado em um pequeno trabalho manual, foi por isso que ele havia fugido. O corte estava limpo e enfaixado, mas ele podia sentir o sangue embebido nas ataduras, podia senti-lo enquanto recomeçava a sangrar. Sufocava, em uma necessidade furiosa, estava desaparecendo. Tentou retroceder, mas seu corpo gritou de dor e suas forças se esvaíram. Queimou como o inferno. Suplicou para que a dor parasse, a salvação profana estava lá, bem ao alcance de seus dedos, mas ele continuou negando-a. Agarrou-se as boas memórias, mas eram cada vez mais engolidas pelo cheiro de sangue. A sede... a fome... insuportável... incontrolável...
Agressivamente, ele pegou o braço de Mac, arrancou as ataduras e enterrou o rosto no corte. O gosto era maravilhoso. "Alívio" uma palavra simples demais para explicar... Subitamente, seu momento de regalo foi interrompido. Mac o fitava, horrorizado, o sangue escorria por entre seus dedos. Ryan o fitava do mesmo modo, este por sua vez paralisado de medo. Ele também os fitou, mas seus olhos eram vazios. Algo mais forte do que sua força de vontade o dominou, algo instintivo, impetuoso e cruel. Tomado por um estado canibal, ele dilacerou a jugular de Mac. Bebeu profundamente. O sabor deliciosamente adocicado o invadiu, deixando-o completamente absorto em um momento de puro deleite. Nada mais importou, não havia mais valores, moral ou consciência, se livrou daquele maldito inferno que parecia lhe durar uma eternidade. Mac estava vazio muito rapidamente, jogou o cadáver de lado e virou-se para Ryan. Estarrecido, este se pôs a correr, ele o perseguiu. O sangue o atraiu mais, ele era mais forte, mais rápido, Ryan era somente um homem, somente uma presa. Ele o alcançou rapidamente e o agarrou, Ryan lutou com toda a força, mas ele não se importou, rasgou-lhe a carne. Era completamente prazeroso, o gosto saborosamente doce era aliciante, estava anestesiado de tudo, nem ao menos lembrava seu nome, tão disperso de si mesmo. Ele largou o corpo vazio.
— Vejo alguns ferimentos no pescoço, mas nada mais! — Observou Danny, ofegante.
— O que poderia ter feito algo assim!? — Nancy indagou, por entre lágrimas.
— Eu realmente não sei.
— Mas Louis não estava entre eles, ele pode ter fugido, ele ainda pode estar vivo!
Danny tomou sua espingarda.
— Vou procurar por ele, por favor, espere aqui. Volte para dentro, não vou suportar perdê-la também.
Danny a abraçou, em uma tentativa de consolo e sumiu na escuridão da mata.
Nancy não conseguia ficar quieta, Danny havia saído a cerca de 40 minutos. Andava de um lado para o outro, pensando no que poderia fazer. Então teve a terrível ideia de procurá-lo, claro, se arriscaria bastante, mas conhecia muito bem a região e a floresta ao seu redor não era tão grande. Também temia por eles, a incerteza era uma fina lâmina, espetando seu cérebro. Pegou uma lanterna e uma velha faca de caça que pertencia a Danny. Abriu a porta. O frio ameaçador da noite quase a fez mudar de ideia, porém, não hesitou. Trancou a porta e correu contra o lufar gélido do vento, adentrando no bosque.
Ele divagava, a marca de seu crime gravada no carmesim em seu rosto. Dentro de si, ele não sentia nada. Sua mente em branco, tábula rasa. Por entre as árvores, ele vagava, um fantasma de si mesmo.
Procurou por um longo tempo, mas não avistou Danny, e nem encontrou Louis. Achou uma pequena cabine de madeira abandonada e lembrou-se de quando ainda era usada para armazenamento. Vasculhou o lugar, mas não encontrou nada e nem ninguém.
Danny estava assustado, qualquer barulho o fazia estremecer e arrepiar-se. A imagem dos corpos de seus amigos, presa a sua mente. Tentou permanecer forte, passar um pouco de apoio para Nancy, mas ele mesmo mal sabia o que estava fazendo. Só esperava que Louis estivesse vivo em algum lugar e que Nancy o tivesse ouvido. Já tivera muitas perdas por um dia.
Nancy parou, sentiu a presença de alguém pelas redondezas. Virou-se, e pela luz fraca que emanava da lanterna, viu Louis a alguns metros de distância. Correu em direção a ele, gritando seu nome. Sentiu um imenso alívio e uma felicidade desmesurada.
— Você está bem? — O viu, manchado de sangue.
Ele não respondeu. Seu semblante era vazio, distante, não esboçava reação alguma.
— Não me reconhece? — Se aproximou — Sou eu! Nancy!
Nada. Nancy prestou mais atenção as manchas de sangue. O sangue não era dele, não havia nenhum corte aparente.
— De quem é esse sangue? É de Mac? Ryan? De quem atacou vocês?
Silêncio.
— Louis você tem sangue em suas mãos, roupas e rosto. De quem é esse sangue?
Sem resposta. Nancy começou a ficar ansiosa, um turbilhão de pensamentos invadiu sua mente, em parte frustração por ele não lhe dar respostas, por outro pensando em todas as possibilidades do que poderia ter acontecido até às mais fantásticas.
— Louis, por favor, preciso que fale comigo — Segurava seus ombros, sentiu as lágrimas rolarem pelo seu rosto — Mac e Ryan estão mortos...
Ele pareceu acordar, mas sua expressão era estranha para ela, era... remorso?
— Louis? O que aconteceu?
— Eu não queria... eu... não consegui resistir — Sussurrou.
Ele lembrou-se de quem era. Com terrível clareza, lembrou-se do que fez. Sentiu uma dor imensurável. Impulsionado por seu desejo sem fim, razão e virtude foram feridos pela luxúria. Então ele soube, finalmente, sem a sombra de qualquer dúvida esperançosa, de que era um monstro.
— O que você fez? — Nancy balbuciou, derrubando a lanterna e se afastando dele.
— Nancy... eu... sinto muito.
— Sente muito?! — Nancy gritou.
Danny ouviu passos nas folhas, seguido de um grito inaudível. Correu em direção ao som. Não sabia ao certo o que iria enfrentar, mas avançou, sem nenhuma hesitação.
— Você os matou, e diz que sente muito?!
Os gritos se tornavam cada vez mais fortes, continuou a correr desesperadamente.
— Que tipo de homem é você? Que mata gente inocente?!
Corria e corria, suas mãos suavam, sentia elas escorregaram em sua arma. Seu coração palpitava aceleradamente, sentia-o quase explodir dentro de seu peito.
— Você os matou! Você os matou, Louis!
Danny conseguiu ouvir claramente, os gritos vinham de Nancy, mas porque acusavam Louis de algo tão vil? Os viu logo a frente, a poucos metros de distância.
— Nancy... por favor... preciso que me escute — Se aproximou.
— Não! afaste-se de mim! Eu mandei se afastar — Lembrou-se da faca, pegou-a rapidamente e infligiu um corte profundo em seu braço.
Ele recuou. A ferida curou-se rapidamente.
— Que tipo de demônio você é? — A voz de Danny cortou o ar, apontava a espingarda firmemente para ele.
Ele levantou um dos cantos dos lábios, salientando um de seus caninos extremamente afiados.
— Um vampiro.
Ambos o encararam em silêncio, como acreditar em algo que todos julgavam como uma tola superstição? Por outro lado, um homem comum não poderia curar-se completamente de um corte tão profundo em poucos segundos.
— Esta fome... esta sede... eu pensei que pudesse, mas, é demais! não consigo controlar! É interminável!
— Você... bebeu... o sangue deles? Você se alimentou deles?! — Nancy observou, horrorizada.
— Sim — Olhou para Danny.
— Me mate.
Danny o encarou, estarrecido.
— Por favor! Eu não posso viver assim! Não posso! Por favor, me ajude!
Danny não sabia o que fazer. Seus dedos vacilavam, sentia-se trêmulo. Ele matou Mac, matou Ryan! Da maneira mais cruel que já havia visto! Mas, ele parecia genuinamente arrependido. Como se a face do monstro tivesse se dissipado, sobrando nada além do Louis que conhecia a anos.
— Eu estou te implorando! — Se aproximou, mais rápido do que humanamente possível, o que assustou Danny — Por favor! Me mate!
Tomado pelo medo, Danny o acertou com a coronha da arma e tudo ficou escuro.
Acordou. Já era manhã e não havia sinal algum de alguém pelas redondezas, ele saberia se houvesse. Ele estava sozinho, com sua mente e culpa. Ele chorou. Estava debruçado sobre o medo. Maldições impostas sobre ele. Sua alma, vendida contra sua vontade. Não seria perdoado, nem se fosse livre. Seus pecados eram muitos, a culpa, pesada demais. A pressão de saber, um inferno que não quis ver. A vida de almas, pesando sobre ele. Ele perdeu as esperanças, nada poderia salva-lo de si mesmo. Nada para exorcizar aquele inferno, para trazer salvação, daquele destino reinado por pesadelos.
Ele sabia que não podia mais ficar, se acabaria com a própria vida ou continuaria sem nenhum vestígio de humanidade, não sabia. A única coisa da qual tinha certeza, era que não ficaria para ver a si mesmo matando cada um com quem já se importou. Naquele mesmo dia, ele foi embora…