Sentado no sofá com meus olhos fixos ao chão, distante, energia baixa beirando ao caos. Sala escura, quadros de uma família sorridente em cima do balcão, janela aberta, porta entreaberta na minha frente. Som de chuva e raios no lado de fora. Meus olhos ainda continuam no chão, sentado no sofá. Meus pulmões se enchem de ar, e inspiro, tentando descarregar o peso em mim. As lágrimas naturalmente correm pelo meu rosto. A tv ligada, passando um filme numa cena de funeral. Escuto a porta rangendo, noto as mãos com luvas brancas a abrindo.
Essa cena não me assusta, a indiferença dança sobre meus ouvidos. A porta ficou aberta mais um pouco, seguindo o ranger dela. Atenção concentrada. Não há ninguém atrás da porta.
Estou pensando naquilo. Toda vez que estou aqui eu penso naquilo. O encerramento. O ponto final. O fim da linha. Aquilo que é mais tentador que um doce sobre a mesa. Mais doce que a sua sobremesa favorita. Todos os dias essas coisas passam pela minha mente…
— Morte, morte, morte….
— Cala a boca. Você não vai entrar aqui.
— Morte, morte. Encerrar. Morte.
A figura com terno preto adentra esticando a perna, e contorcendo seu corpo, quebrando as costas, entra na sala. Parado estaticamente, encurvado. A tv desliga e liga de novo. Vejo muitos homens se jogando nos trilhos do trem. Como um pesadelo que quase não tem fim.
A escuridão voltou. Ele voltou. Aquilo voltou.
— Morte, morte, morte… Escuridão…. Morte… Encerrar.
…..
Não estou mais na minha simples sala. Estou num campo enorme de flores mortas. Vejo um planeta imenso ao céu afundado em sangue. Escuto ruídos metálicos vindos de lá. Gemidos de dores ao ver o planeta vermelho escarlate.
Ao olhar para o lado, na escuridão, vejo a figura de terno sorrindo para mim. A fratura da minha mente está sendo remendada com gotas de sangue. Estou dentro de um sonho impossível de sair.
— Morte, morte. Encerrar.— A figura de terno se aproxima sorrindo. Os traços de seu rosto cinzento rasgado formando lábios. Olhos pequenos, completamente pretos. O andar manco é desproporcional. O medo não é mais um impasse, é a esperança.
— Saia. Não pertenço a esse mundo. Você não entende?
Ele não responde, fica parado olhando para mim. O planeta continua sangrando, escorrendo sangue como cachoeiras. E sutilmente flutuo no ar. Em direção ao planeta. Meu corpo ganha uma leveza sem antes experimentada, e a curiosidade de entrar no planeta ganha mais força, me aproximando cada vez mais. Está mais perto. Mais próximo a superfície misteriosa. Até que o meu corpo se envolve completamente com o mar de sangue. Mergulhando mais e mais fundo.
Está tudo tão escuro, não consigo enxergar nada aqui. Meu corpo. Minha mente. Silêncio.
— A vida é banhada de sangue, e morte, morte e morte. A dor ainda vai continuar te seguindo, você está envolvido em seu mundo de lágrimas de sangue. Você tenta escapar, mas sempre estará lá. As máscaras que colocou não suportou o verdadeiro você. A tristeza infinita, afundada em si mesmo. Como um ímã que sempre te puxa. Como a gravidade emocional que eleva suas quedas a superfície mental. Preso, preso. Você que encerrar tudo. Morte. Banhado em sangue.
Não consigo me mexer. Estou completamente sozinho. Afundado…. Afundado…
Estou em um mundo afundado em cores escuras. As vezes acho que estou ficando maluco, essas coisas acontecem comigo, como se a minha consciência tivesse curiosidade em visitar outros mundos. O além da morte eu digo. Além da dor, da angústia. Desse looping.
Vejo uma luz no fundo do mar de sangue. Me direciono a essa luz, e sigo nadando com os meus braços esticados a essa luz. E a toco.
FIM