LIVROS ENCADERNADOS COM PELE HUMANA
Sthefany scoobar
Nada há de extraordinário em capas de antigos livros elaboradas com couro animal. Mas, se o animal for um ser humano, não há como evitar um profundo calafrio…
Numa viagem que fizera a Bremen em 1710, o bibliófilo alemão Zacharias Conrad von Uffenbach (1683 – 1734) encontrou um pequeno livro —Molleri Manuale Præparationis ad Mortem, no qual nada observou de extraordinário, salvo o terrível fato de que era encadernado com pele humana. “Essa incomum encadernação — disse ele —, que eu jamais dantes vira, parecia bem adequada a este livro, dedicado sobremodo à meditação sobre a morte”. Com efeito, traduzindo-se o título do livro que von Uffenbach tinha em mãos, tem-se: Manual de Preparação para a Morte, de Moller. O bibliófilo germânico registrou que a textura capa desse macabro opúsculo poderia ser facilmente confundida com a de couro de porco.
Os corpos de criminosos e malfeitores eram frequentemente usados em dissecações e para o ensino e treinamento de estudantes de medicina. É o que nos rememora o artista plástico e escritor inglês Rigby Graham (1931 – 2015) ao discorrer obre esses livros macabros. E dá-nos o apropriado exemplo da Bristol Royal Infirmary. Nesse secular hospital-escola inglês, “a pele de um jovem assassino, John Horwood, foi usada para encadernar os registros de seu caso. Na ocasião, parte de sua pele foi curtida pelos cirurgiões que, numa aula, tão logo o carrasco ultimou a execução, realizaram a dissecação de seu corpo. O livro, marrom escuro e levemente manchado, constitui um grosso volume de 17” x 14" e duas polegadas de espessura. Está em um excelente estado de conservação e a encadernação, elaboradamente estampada, traz, além da apropriada imagem da caveira e ossos cruzados, uma inscrição gravada: ‘CUTIS VERA JOHANNIS HORWOOD’ (‘A verdadeira pele de John Horwood’). A modesta taxa cobrada pelo encadernador pelo trabalho completo — caveiras, bordas e legenda trabalhada em ouro — foi de trinta xelins.”
Graham dá-nos diversos exemplos da nefasta prática ao longo dos séculos:
“William Corder, o assassino de Maria Martin, foi julgado e executado em 1828 por suas atividades no Red Barn. Após a sua execução, um cirurgião de Suffolk, Dr. George Creed, removeu a pele das costas do morto, curtiu-a e, posteriormente, persuadiu um encadernador local a usá-la para encadernar a famosa história de Curtis sobre o julgamento, publicada seis anos depois.
George Cudmore, executado em Devon em 1830, foi condenado a ser enforcado e dissecado pelo homicídio de sua esposa. O enforcamento ocorreu na prisão do condado e a dissecação no hospital local. Posteriormente, um livreiro de Excter pagou uma quantia considerável pela pele de Cudmore e a usou para encadernar as obras poéticas de John Milton, publicadas pela Tegg em 1852.
Jacques Delille, nascido em 1738 em Auvergne, tornou-se professor de poesia latina e abade de Saint Severin. Em 1769, publicou sua tradução das Geórgicas de Virgílio, que logrou um sucesso imediato, e sua fama se espalhou rapidamente. Quando morreu, em 1831, seu corpo foi levado a uma casa funerária para ser embalsamado. Um amigo e ardente admirador seu —o jovem estudante de direito chamado André Leroy — forçou a entrada no necrotério e retirou, da melhor forma possível, alguns pedaços da pele de Delille. Tais extratos foram, depois, curtidos e usados como decoração embutida em um exemplar de sua famosa Geórgicas.”