Preciso esquecer. Preciso, desesperadamente, esquecer disso. Mas memórias são coisas que vão se gravando em você conforme você consegue mais e mais delas, até que estejam profundas como crateras ou rachaduras onde se pode cair por uma eternidade. Para apagá-las é necessário uma erosão, quando são superficiais e incômodas, ou algo que possa encher suas rachaduras até que se possa caminhar sobre elas.
Não tenho com o que encher minhas crateras. Não bebo, não fumo, não uso drogas, não tenho nenhum tipo de vício nocivo que vai me matar aos poucos; exceto, é claro, amar. Com isso terei uma morte lenta e invisível, sem remédio ou médicos, sem leito ou cemitério. Só me resta cavar meu peito e deixar no buraco um coração trêmulo, que só bate por hábito. Loucos são os dias em que ele lembra do amor.
Em certas noites, acordo com dores na alma. Ela sente fome, frio e tristeza. Há um espaço vazio ao meu lado, bem parecido com a cova em meu peito, onde um fantasma reside intacto. Como eu queria que ele fosse embora. Mas o fantasma de um vivo é mais assombroso do que o de um morto, e este em especial ainda possui até calor.
Minha alma se contorce debaixo da pele e puxa as artérias do coração moribundo. Ela quer tocar o fantasma, mas não consegue enxergar que é impossível. Tenta se libertar de mim, me rasgando ao meio, mas está presa e mal se arrasta. O coração nas mãos apenas suspira. Deve ser isso o que chamam de saudade.