Parte 1 (Versão Gay)
Senti meu corpo se chocar contra algo, era como naqueles livros em que o mocinho se esbarra no mocinho e eles caem no chão, dando um rápido selinho e se apaixonando. A diferença dessa cena era que tínhamos direito a livros de terror e suspense sob nós e o chão confortável da biblioteca, meus lábios encostados levemente nos dele.
— Sai de cima de mim, cara! — Berrou ele em ira, meu rosto queimava de raiva e constrangimento, que cara ridículo.
— Me d-desculpe. — Cambaleei nas palavras de tamanha vergonha, enquanto me afastava. Por que ele não podia ser legal? Foi apenas um infeliz incidente.
Meu celular velho vibrou em meio aos livros e revistas que surgiram de algum lugar que eu não tinha visto. Encontrei-o perto de uma lixeira com a tela quebrada e três chamadas perdidas do hospital em que meu pai estava.
[...]
— Elias, querido... eu desejo de coração que você... encontre alguém que cuide de você e te proteja. Amo muito você, meu filho. — Meu querido pai, por que está dizendo essas coisas? Você vai ficar bem, é só uma questão de tempo.
— Eu sinto que não durarei mais nenhum dia, meu garoto, por isso pedi para um amigo cuidar de você.
— Não, pai, não diga essas coisas. Eu quero ficar com você.
Papai estava no respirador há dias por causa de um repentino infarto. Às vezes, quando o visitava, ele delirava e dizia estar vendo minha mãe, chamando-o para a luz. Eu não queria perder meu pai, ele era a minha família. Minha mãe faleceu em um acidente de carro quando eu tinha dez anos, mal me lembro de seu rosto. Meu pai sempre dizia que eu me parecia com ela, que tinha cabelos negros longos, olhos brilhantes como a noite e um sorriso angelical. Entre nós, meu pai nunca tinha visto um anjo para dizer que tínhamos sorrisos de anjos.
Papai pegou em minha mão apertada com o resto de força que ele tinha e disse:
— Quero que você fique com isso, filho. — Ele apontou para uma caixinha em cima da mesinha bege do hospital.
— O que é, papai? — Meu coração apertou ao ver um pequeno colar com uma foto dele e de minha mãe, comigo em seu colo. — Obrigado, papai, é tão bonito.
Beijei a palma de sua mão, e ele sorriu e fechou os olhos.
Tum, tum, tum...
O aparelho vibrou, deixando-me nervoso.
— Não vá, papai, não me deixe. ALGUÉM ME AJUDE... — Gritei com todo o ar que havia em meus pulmões, agitando-me desesperadamente. As enfermeiras e o médico chegaram correndo. — Meu pai, ajudem, por favor! — Meu corpo inteiro tremia, e minhas lágrimas molharam meu rosto e minhas roupas surradas.
— Peço que nos dê licença, senhor. Precisamos ressuscitar o paciente. — O médico, um homem de cabelos grisalhos e enrugado, de casaco branco, auxiliou as enfermeiras com gestos rápidos.
Cinco horas se passaram, e papai ainda estava na sala de emergência. Fui conduzido para uma sala de espera, onde havia um sofá velho e duro. Meu corpo doía, e a sonolência tomava conta de mim quando o homem de casaco branco se aproximou.
— Senhor Elias Hayes? — Ele me olhou com pesar. Conhecia aquele olhar; já o vi quando minha avó se foi. — Sinto muito, mas o senhor Hayes não resistiu aos procedimentos e faleceu. Lamento muito mesmo. — Ele passou a mão em meus cabelos e partiu corredor adentro.
"Não, papai, você não tinha o direito de me deixar."
— Oh... meu querido, sinto muito... — Disse a senhora de cabelos loiros meio grisalhos e roupas elegantes, com um olhar de pena e carinho. — Não me apresentei ainda, era uma amiga de infância de seus pais. Me chamo Stella Cavalera. — Ela tagarelou de forma graciosa, abrindo um leve sorriso. — Seu pai pediu para que eu cuidasse de você até completar dezoito anos.
Fiquei em silêncio, sentindo que poderia desabar a qualquer momento. E, realmente, desabei.
— Por que tinha que ser meu pai a se ir? — Meu peito subia e descia de forma descontrolada.
— Querido, eu sei o quanto esse momento é difícil, mas preciso que venha comigo. — Seu cheiro dominou minhas narinas quando senti seus braços ao meu redor. Afundei meu rosto em seu pescoço e fiquei ali.
A senhora Stella tinha cheiro de mãe, aquele cheiro que me lembrava o amor de mãe, o cheiro de mamãe...