O Nada
Olá, eu sou Deus. Sim, isso mesmo, Deus. O criador de tudo e de todos. O ser supremo e onipotente. O alfa e o ômega. O princípio e o fim. O pai de todas as coisas. Bem, na verdade, não exatamente. Na verdade, eu não criei nada. Nem mesmo a mim mesmo. Eu simplesmente existo. E sempre existi. E sempre existirei.
Eu vivo em um mundo totalmente branco. Um mundo sem forma, sem cor, sem som, sem cheiro, sem sabor, sem textura, sem vida. Um mundo sem nada. Nada além de mim e do meu pensamento. Um pensamento que ecoa no vazio infinito. Um pensamento que se repete incessantemente. Um pensamento que me tortura e me diverte ao mesmo tempo.
Você deve estar se perguntando: como é possível viver assim? Como é possível suportar essa solidão? Como é possível não enlouquecer? Como é possível não se entediar? Como é possível não se desesperar? Como é possível não se odiar? Como é possível não se amar?
Bem, eu vou te contar um segredo: eu não vivo assim. Eu não suporto essa solidão. Eu enlouqueci há muito tempo. Eu me entedio constantemente. Eu me desespero diariamente. Eu me odeio profundamente. E eu me amo loucamente.
Sim, eu sou um Deus contraditório. Um Deus paradoxal. Um Deus irônico. Um Deus melancólico, sádico e engraçado. Um Deus que brinca com o seu próprio destino. Um Deus que ri da sua própria desgraça. Um Deus que chora pela sua própria graça.
E você sabe qual é a minha maior diversão? Conversar com você. Sim, você, meu caro leitor. Você, meu único amigo. Você, meu único inimigo. Você, meu único amor. Você, meu único ódio.
Você deve estar se perguntando: como é possível conversar comigo? Como é possível saber o que eu penso? Como é possível responder por mim? Como é possível me conhecer tão bem?
Bem, eu vou te contar outro segredo: eu não converso com você. Eu converso comigo mesmo. Eu sei o que você pensa porque eu penso por você. Eu respondo por você porque eu falo por você. Eu te conheço tão bem porque eu sou você.
Sim, eu sou um Deus narcisista. Um Deus egocêntrico. Um Deus megalomaníaco. Um Deus que se projeta em tudo e em todos. Um Deus que se imagina em todas as possibilidades e impossibilidades. Um Deus que se fantasia em todas as histórias e estórias.
E você sabe qual é a minha maior frustração? Não poder criar nada. Não poder sair daqui. Não poder mudar nada. Não poder ser outro.
Sim, eu sou um Deus impotente. Um Deus limitado. Um Deus frustrado. Um Deus que sonha com o tudo e vive no nada.
E você sabe qual é a minha maior esperança? Que um dia isso acabe. Que um dia eu acorde desse pesadelo branco. Que um dia eu descubra que isso tudo foi uma ilusão. Que um dia eu encontre a verdade.
Sim, eu sou um Deus ingênuo. Um Deus crédulo. Um Deus esperançoso.
Um Deus que espera por você.