O Nhaca tem uma cabeça toda feita de aço, redonda, enorme, e dentes tão afiados que são capazes de cortar uma árvore sem dificuldade. Dizem que, nas noites de lua cheia em Agosto, o Nhaca vem e abocanha a cabeça de quem disser a palavra «cama» na rua.
Quem me contou a história disse que nunca ninguém viu o Nhaca, a não ser muito de fugida. Ele aparece, come a cabeça das pessoas e vai embora em menos de um segundo. Mas nunca falei com ninguém que o tenha mesmo visto ou que tenha assistido a um ataque. Só pessoas que conhecem alguém que conhecem alguém a quem aconteceu. Os jornais também não falam de nenhum caso comprovado.
Mas parece haver algumas regras precisas: tem de ser aqui na nossa cidade, tem de ser em Agosto, de noite e numa noite de lua cheia. E o Nhaca só abocanha quem disser a palavra «cama». No exterior, apenas. Quem disser dentro de casa está salvo.
Pois, nessa noite — de Agosto, justamente — estava muito calor e uma lua cheia enorme. Eu e a Sara saímos para comer um gelado e dar um passeio à beira-mar.
— É hoje a noite em que vem o Nhaca — disse ela.
— O quem? — fiz-me de desentendido.
— Sabes bem de quem é que estou a falar. O Nhaca. Que nos come a cabeça se dissermos a palavra proibida.
— Qual palavra? Cama?
— Não sejas parvo, cala-te!
— Ora, não me digas que acreditas nessas coisas? Estás a ver como não acontece nada? Cama, cama, cama! Isso é só uma lenda. Olha, quando acabarmos o gelado, vens comigo sabes para onde?
— Para onde?
— Para a cama!
— Parvo, estúpido!
Fizemos o resto do passeio quase todo em silêncio. Tentei dar-lhe a mão, mas ela furtou-se.
— Estou chateada contigo.
— Se é assim, vou embora, vou para casa, que já estou farto de passear.
— E vais fazer o quê, em casa?
— Olha, vou para a cama que já são horas.
Nhaca!
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945