O cheiro a maçã e canela inunda-me. Está quente aqui. Olho o relógio e conto cada minuto. A ansiedade cresce, De ver os vossos rostos, A vossa surpresa, A minha, Ao mergulhar naquele mar de confettis. Doze badaladas e a dança começa, Papéis coloridos são trocados por sorrisos, Abraços, gargalhadas, Por tantas cores. Deito-me sob a árvore que parece engolir tudo. As luzes espelham o seu reflexo nos meus olhos. Não é verdadeira, Mas imagino que o é. Fixo o alto por entre os ramos. O vosso riso embala-me e deixo-me levar.
A ausência de ar traz-me de volta. Inspiro o quente abrasador, O negro nauseabundo. Corpos metálicos acumulam-se, Pedaços, inteiros, quebrados. Lixo de outros, Nosso, De alguém. Levanto-me e caminho. Estendo a minha mão e Pego em algo que venderei mais tarde. Ponho no saco. Escavo entre as peças frias, Guardo outra, E mais outra. Algumas moedas em troca, Um pão. A escuridão funde-se com o negro. Tento ser um gato. Não o sou. Vejo luz ao longe, Um pouco em cada canto. Não cintila, mas queima. Piso o mesmo caminho, Arrastando o pequeno saco. A respiração curta. O lixo no bidão alimenta o último fogo. A silhueta do que outrora fora vivo Surge no horizonte, Ramos nus. A luz alcança o seu clímax e morre. Olho o negro e tento ser um gato. Procuro mais calor. Deito-me junto a ti e aperto-te a mão.
— Mãe?
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945