Fraga, 8 de Agosto de 1991
Era cedo, mas o calor já se fazia sentir. A minha mãe acordou com as galinhas para me embonecar, como se fossemos a um casamento. Encostado à parede de pedra da casa da minha avó, estava um homem que eu não conhecia. O seu rosto era pouco amigável, tinha as mãos encardidas e um avental manchado de vermelho. Eu, vaidosa, baloiçava a minha saia de balão, enquanto mirava os meus sapatos pretos de verniz e as meias brancas com rendinhas nas pontas. Pensei que não deveríamos ir à mesma festa.
A azáfama começou logo de seguida. As pessoas da aldeia juntaram-se na rua. No meio da estrada, foi montada uma grande mesa com comes e bebes. A minha tia trazia nas mãos dois alguidares enormes, quase piscinas. Vi o estranho da entrada ir ao curral buscar a porca Chica, como eu lhe chamava. Amarraram-lhe as patas e colocaram-na em cima de uma tábua. Sem pedirem licença, espetaram-lhe uma faca junto ao pescoço. Não sei se o que mais me afligiu foram os seus guinchos suplicantes ou as palmas e os risos de celebração. Depois de lhe chamuscarem a pele, penduraram-na como um troféu. Um dos alguidares aparava o sangue que escorria, e o outro era usado para acolher órgãos.
Eu só tinha cinco anos.
*
Fraga, 8 de Agosto de 2011
Na noite de ontem, entrei na casa do carniceiro. Farrapo humano, solitário. Amarrei-lhe as mãos e os pés. A mordaça direccionou os gritos pela garganta abaixo. Amanhei-o. Não me esqueci dos alguidares — um para o sangue, outro para os órgãos. Depois, saí e percorri a aldeia. Lacrei porta por porta, janela por janela. Esvaziei os galinheiros e os currais.
Era cedo, mais cedo do que há 20 anos. O mês de Agosto era o mês dos incêndios. Hoje, era dia de matança, mas não da porca Chica. E eu, eu comemorei com os gritos.
*Este texto foi redigido segundo o Acordo Ortográfico de 1945