Nos dias seguintes a tê-lo perdido, continuava a senti-lo pela casa. O seu cheiro guardado na roupa por lavar, os ruídos dos seus passos, sempre demasiado apressados para o meu gosto, ainda ecoavam nas paredes, o toque morno dos seus lábios aquecia-me a testa, onde gostava de retribuir o beijo de boa noite.
Com os dias, as semanas, os meses, tudo se foi desvanecendo. Esfumou-se o cheiro, silenciaram-se os passos, calou-se o toque. Mal o recordo. Só não se desvaneceu a dor que me mantém acordada até as drogas fazerem efeito, e que se infiltra nos meus sonhos, cobrindo-os de negro.
Hoje, não as tomei — as drogas —, para me aguentar desperta nesta noite sem luar. O frio também ajuda.
Como continuar a viver sem ele? Impossível. Mas como morrer, assim, oca de recordações? E que me dirá o meu menino quando me encontrar do outro lado? Que o abandonei, que desisti de o ter de volta, que o deixei morrer duas vezes? Uma em vida, outra na minha memória?
Não, filho. Hoje, voltarei a sentir-te.
Cheguei a pensar que não teria energia para isto, ou que me amedrontaria, mas para que quer uma mãe as forças e a coragem se não para desenterrar um filho?
A cova não é muito funda. Basta um palmo de terra para sepultar uma criança.
Assim como eu esqueci a forma do teu nariz, a espessura das tuas sobrancelhas, também esta madeira se esqueceu da sua função e me permite, frágil e quebradiça, chegar ao teu cadáver.
Ainda és tu. Ainda encaixas no meu abraço, ainda tens esse sorriso aberto que não esconde nenhum dente. Cheiras a terra húmida e, talvez por isso, haja tantos vermes a habitarem-te as órbitas.
Beijo-te a face. Os meus lábios não te reconhecem.
Beijo-te a boca. Seca.
Beijo-te a orelha. Insípida.
Mordo-a.
Mastigo-a.
Engulo.
Agora, sim. Voltas a ser meu.