Quando Paula chegou ao quarto do filho, este ainda gritava.
— Os braços, mãe; os braços — disse o pequeno Miguel, assim que a viu iluminada pela luz de presença —, os braços estão presos.
A mãe sentou-se na cama, passou-lhe uma mão pela cabeça e tirou-lhe os cabelos suados da testa. Passou-lhe os dedos pelas bochechas, pelo queixo.
— Os teus braços estão ótimos. Olha — apontou para um deles, sorrindo.
Miguel olhou para um braço e, embora o sentisse dorido, percebeu que já o conseguia mexer. Olhou para o outro e constatou o mesmo. Com a ajuda deles, sentou-se rapidamente e atirou-se para o abraço da mãe.
— Foi outro sonho mau? — perguntou Paula, acariciando-lhe a nuca.
— A avó estava aqui no quarto, à porta, a chamar-me. — Miguel olhou para a porta, mas a imagem do sonho assombrou-o de novo e depressa escondeu a cara no peito da mãe. Continuou, entre soluços, e numa voz abafada pela blusa de Paula: — A avó tinha a cara cheia de buracos e dentro da boca era tudo preto e não tinha dentes e os olhos eram bolas amarelas e… — engoliu a custo — a avó disse para eu ir dançar com ela.
— Oh, meu querido — disse a mãe, apertando-o. Lembrou-se da sua mãe, de quando era criança e a chamava, nos bailaricos, para dançar. Afastou-o do peito e segurou-lhe os braços como quem vai dizer algo muito sério.
— Deita-te, filho, deita-te.
Paula aconchegou a almofada do filho e subiu para a cama.
— Ficas comigo hoje? — perguntou Miguel.
— Só até adormeceres — disse a mãe.
Pensou em todas as crianças que viu, em pequena, a dançar com as mães e com os
pais, mas sobretudo com as mães. Havia uma lágrima que teimava em não cair, e sorriu.
— Sabes, filho — a lágrima escorreu, por fim —, comigo a tua avó nunca quis dançar.
Miguel sentiu novamente os braços presos.
A boca tapada.
O nariz tapado.