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Um Destino... O Amor!

1

FREDERICO MOTTA

UMA SEMANA ANTES…

Passei os dedos entre os fios do meu cabelo, penteando-os para trás, e pisquei maroto para o meu reflexo, dando um sorriso satisfeito ao terminar de me arrumar. Sempre fui um homem bastante desejado pelas mulheres e me aproveitava disso para ter várias em minha cama, que se aproximavam de mim não só por interesse sexual, mas financeiro também.

Cresci tendo uma família muito carinhosa, unida e amorosa, mesmo assim, não foi o suficiente para me fazer ansiar ser de uma mulher só, muito menos me casar ou ter filhos; preferia algo mais casual, sem que envolvesse qualquer tipo de sentimentalismo.

Em contrapartida, havia o fato de ter que conviver com os comentários incansáveis dos meus pais sobre a minha escolha de vida. Diziam que não era comum um homem de trinta e oito anos nunca ter firmado um relacionamento sério ou se apaixonado de verdade. Eles não entendiam que foi uma decisão minha, independentemente de tê-los como um exemplo de casal que sabe se respeitar e se ama arrebatadoramente.

Carolina, minha irmã, sempre idealizou ter alguém em sua vida, assim como os nossos pais eram, e seu desejo se realizou há muitos anos. Ela tinha uma família incrível! O Diego, meu cunhado, não podia ser alguém melhor, afinal, desde quando se envolveram, sempre deixou bem claro suas reais intenções com minha irmã e, passados um pouco mais de dez anos que estavam juntos, isso não mudou, pelo contrário, ainda era possível ver, através dos olhares que trocavam, o quanto o amor que nutriam pelo outro só aumentava.

Eu era muito feliz pelos meus pais serem tão apaixonados um pelo outro, bem como a minha irmã ter sua linda família, mas não desejava o mesmo. Desde que terminei o colegial, me tornei uma pessoa totalmente focada em meus estudos a fim de alcançar todos os meus objetivos e, agora, olhando para trás, vejo que consegui cada um deles e me sentia realizado, principalmente por ter me esforçado bastante ao longo da trajetória de vida. O engraçado disso tudo é que não importava se tivesse tornado todos os meus sonhos em realidade, nada aplacava a ideia absurda do meu pai Antenor e muito menos da minha mãe Glória de serem presenteados com um filho meu.

Claro que como pais eram felizes pelas minhas conquistas, no entanto, não paravam de encher a minha paciência com frases do tipo: “Do que adianta ser bem-sucedido financeiramente, se a vida amorosa não existe?”. Eu tinha quase quarenta anos, porra! Será que eles nunca entenderiam que o que queriam não era e nunca seria o meu anseio?

Como pais, deveriam apenas aceitar aquele fato e ponto-final, mas não era bem assim.

Admito levar na esportiva suas cobranças, porque sabia que não adiantaria bater de frente ou querer fazê-los entender que não desejava nada daquilo. Muitas vezes, o motivo de eu preferir ficar mais em Porto Primavera do que em Val Verde era justamente para não ter que ouvi-los me cobrando algo que não aconteceria da minha parte e já havia deixado bem claro diversas vezes, o que não davam a mínima.

Fora essa parte, eu tinha um nome a zelar. Por mais que não estivesse mais exercendo como advogado, havia a Divertium, onde era sócio do Edgar, além de a maior parte das ações na empresa do meu pai. Podia viver mediante a regalias por conta disso, o que mais poderia desejar?

Uma mulher só? Por que me atrelar a uma única se a cada dia podia estar em companhia de uma diferente? Definitivamente, não!

Me apaixonar estava fora de questão.

Deixei meus pensamentos de lado ao parar diante da mesinha de cabeceira ao lado da minha cama e pegar o celular, enfiando-o no bolso da bermuda jeans, saindo do meu quarto. À medida que descia as escadas, a campainha foi tocada e me apressei para abri-la ao atravessar o hall.

— Como vai, irmão? — Carolina, minha irmã, que era apenas dois anos mais velha do que eu, me cumprimentou com um sorriso imenso, e a abracei com cautela por conta da sua barriga grande. Ela estava à espera do seu segundo bebê e era um menino. Ganharia daqui a uns dois meses, se não me falhava a memória.

— Vou bem e o bebê? — sondei, afagando sua barriga grande.

— Melhor impossível! — exclamou e sorri.

— Oi, tio! — falou Alice, minha sobrinha.

Abaixei-me ao abrir um pouco mais a porta, oferecendo-lhe um abraço, e ela enroscou seus braços ao redor do meu pescoço.

— Estava com saudades, tio! — expressou, fazendo meu coração aquecer no peito e intensifiquei um pouco mais o nosso abraço.

Alice tinha nove anos e era uma garota linda e incrível, assim como minha irmã.

— Jura? — questionei, olhando em seus olhos azuis quando nos desvencilhamos.

— Sim! — exclamou e riu. — Quando mudará de vez pra cá? A vovó disse que logo ficará aqui. — Olhei para Carolina, que deu de ombros.

Franzi o cenho, voltando a olhá-la.

— A vovó disse? Quando? — inquiri, curioso pela resposta.

— Ontem à noite, no telefone — mencionou.

— Hum… — murmurei.

Meus pais estavam aproveitando sua última viagem. Ambos aproveitaram que meu pai finalmente se aposentou da cadeira presidencial da empresa e tiraram um tempo somente para os dois curtirem a vida e alguns meses tranquilamente, sem qualquer preocupação. Ao menos, pensava que sim, mas, pelo visto, mesmo longe, continuavam com bastante tempo para contar mentiras sobre a minha vida.

— É verdade que tem uma namorada? — Meus olhos tomaram uma proporção maior que já tinham.

Olhei para minha irmã no momento seguinte, e ela segurou a vontade de sorrir.

— Você sabe como a mamãe e o papai são, portanto, já deveria ter se acostumado com a ideia de que eles não vão sossegar enquanto não o verem casado e os der, no mínimo, dois netos — frisou, e soltei uma baforada de ar.

— De novo essa história? Que po… — Sorri, meio sem jeito ao me dar conta que não era bom ficar xingando na frente da minha sobrinha.

— Fred! — Carolina me repreendeu ao perceber.

Comprimi meus lábios firmemente, condenando-me mentalmente por aquilo, e segurei nas mãos da Alice, voltando a focar meus olhos nos dela.

— Desculpa, o tio não fez de propósito — pedi, e ela riu, assentindo.

— Tudo bem. A mamãe e o papai fazem isso também. — Soltei um riso disfarçado, voltando ao meu semblante sério.

— Não pensa que está conversando demais, mocinha? — minha irmã chamou sua atenção, e Alice firmou seus lábios em linha reta, evitando olhá-la.

Para não estender mais aquele assunto, me pronunciei: — Olha… o titio tem uma vida muito agitada por conta do trabalho, já te disse isso, mas, aos finais de semana, sempre virei pra Val Verde pra ver vocês. E não! Não tenho nenhuma namorada. — Apertei a ponta do seu nariz, e ela riu de modo sapeca.

— Ah, que pena! Isso quer dizer que não terei primos? — questionou.

Ela vivia batendo naquela mesma tecla por conta das paranoias dos meus pais de ficarem inventando que eu tinha alguém em minha vida e não era bom ficar lhe dando falsas esperanças.

— Não — fui sincero.

Fez um biquinho e tentei apertá-lo, porém, se esquivou ao sorrir alegremente.

— Tudo bem que não me dará primos, ao menos agora terei o meu irmãozinho, que logo nascerá. — Olhou para sua mãe, que riu, olhando-a emocionada por conta das suas palavras. — Mesmo que a vovó tenha mentido sobre ter uma namorada, queria que fosse verdade, sabia? Acho que me daria bem com ela — supôs, olhando em meus olhos, e foi inevitável não sorrir.

— Também acredito que esteja na hora de pararmos com essa conversa, não acha? — sugeri com um ar divertido.

Ela riu.

— Tá bom — concordou num tom descontente.

— Vem cá, quero mais um abraço. — Assentiu e nos abraçamos fortemente.

— O senhor promete que virá mais vezes nos ver? Fico com saudades. — Fingiu uma carinha de choro ao nos afastarmos e beijei sua bochecha, o que a fez sorrir outra vez.

— Vou me esforçar para não ficar tanto tempo sem vê-los, o que me diz? — Seu sorriso se amplificou.

— Oba! Ouviu isso, mamãe e papai? — Virou para eles, que sorriram. Meu cunhado estava parado ao lado da minha irmã, calado.

— Ouvimos, querida — Carolina respondeu.

— Olha quem chegou! — Mônica, que era muito mais que uma funcionária da casa, chegou até nós, e Alice correu para abraçá-la.

— Tia Mônica! — Me coloquei de pé, vendo-as se abraçarem carinhosamente e se distanciaram em seguida. — Parece que você cresceu um pouco mais desde que veio aqui pela última vez — comentou.

— Também acho — mencionou e rimos. — Fez meu bolo de chocolate? — indagou.

— Alice! — minha irmã chamou sua atenção.

— Deixe-a, dona Carolina. Fiz sim e bem gostoso. Vamos à cozinha provar — convidou e nem sequer nos olhou, pois saiu praticamente correndo dali.

Sorri e saudei o Diego, meu cunhado.

— Como vai, cunhado? — Demos um aperto de mão e fechei a porta.

— Vou bem, obrigado. — Sorriu abertamente e vi segurar uma bolsa.

— Pode deixar a bolsa em um dos quartos de hóspedes do corredor. A Alice não sairá daqui tão cedo hoje — Carolina disse ao marido, e ele saiu em direção onde ela indicou.

— Lida bem com crianças, não entendo o motivo de nunca ter pensado em ter seus próprios filhos — não evitou comentar.

— Não com crianças em especial, somente com a minha sobrinha, e a resposta está no que acabou de dizer: “nunca pensei”, ou seja, proponho mudarmos de assunto. Bastam nossos pais com essa loucura de quererem me fazer seguir por um caminho que nunca quis, e não será agora que mudarei de ideia — enfatizei.

— Será mesmo? — Observei seu risinho duvidoso. — Talvez haja alguém que te faça duvidar das suas próprias palavras — disse sugestivamente e saiu andando.

Momentaneamente, fiquei parado no meio do hall, mas logo soltei um riso descrente.

— Até parece que logo agora, no alto dos meus trinta e oito anos, me apaixonaria perdidamente a ponto de me amarrar a uma mulher só. Minha irmã parece não me conhecer muito bem. Claro que isso não acontecerá! — comentei, convicto.

UM SEMANA DEPOIS… O clima não era dos melhores. No momento, estava no enterro do homem que foi mais que um grande amigo para mim. Na época, o via como um pai que estava ensinando seu filho a caminhar, mas não na vida, e, sim, pelo ramo da advocacia, além disso, era uma grande referência no meio.

Entristecido e com o coração apertado no peito, olhei ao redor, vendo várias pessoas presentes, não só alguns dos seus familiares, como também os amigos e alguns conhecidos da cidade de Monte Oeste, que não era grande e nem muito pequena. Foi ali, em seu escritório, que aprendi muito do que sabia com o senhor Márcio Castro após passar no exame da OAB e a conclusão do meu curso de direito. Finalizei a faculdade em Val Verde e, por saber que ele era um excelente advogado na área e tão bem requisitado por muitos, não perdi tempo ao comunicar aos meus pais que viria para cá à sua procura.

Meus pais sempre apoiaram minhas vontades e, quando finalmente tentei uma vaga para estagiário para trabalhar com ele e consegui, foi uma grande conquista para mim. Fiz minha pós-graduação na cidade mesmo e permaneci um pouco mais de seis anos em seu escritório, pois foi quando decidi que retornaria para Val Verde e tentaria abrir meu próprio negócio, algo que apostei muito e me saí muito bem. Abri meu escritório, adquiri muitos clientes, o que, de certo modo, ele teve participação, pois sempre me indicava para outras pessoas, além do meu pai também.

Enfim, era difícil de acreditar que o estava vendo em um caixão agora. Márcio morreu em decorrência de um infarto fulminante e, como era bem conhecido, rapidamente a notícia se espalhou e soube através do meu pai sobre o seu falecimento. Fiquei em choque ao ser noticiado, mesmo assim, não pude deixar de vir e me despedir.

Pouco tempo depois, o sepultamento foi dado por encerrado e todos foram saindo, com exceção da jovem que acreditava ser sua filha. Não me lembrava muito bem dela, até porque, quando deixei o escritório do seu pai, ela era apenas uma criança e, agora, uma mulher, e não pude deixar de observar, mesmo em uma distância considerável, ser muito bonita. Caminhei cautelosamente até parar ao lado dela, que permaneceu de frente para o túmulo e chorava baixinho, cabisbaixa.

— Pedi para ficar sozinha. — Foi ríspida e, quando ponderei sair, só então ela olhou para mim.

— Desculpa, eu… — tentei me pronunciar, mas foi rápida ao me interromper.

— Eu que peço desculpas — forçou um riso ameno enquanto limpava a umidade do seu rosto e fungou, prosseguindo —, pensei que fosse a minha tia — justificou.

— Tudo bem, mas acho melhor… — Fique, por favor — pediu com um olhar brilhando pelas lágrimas e mais algumas escorreram pelo seu rosto. — Imagino que meu pai foi muito importante para você estar aqui — mencionou, de repente.

— Sim, ele foi — proferi, entristecido, e soltei um longo suspiro, observando seu nome na cruz, além das datas de nascimento e falecimento, algo que fez meu coração se apertar no peito.

— É o Frederico Motta, certo? — indagou.

— Sim. Pensei que… — A encarei, surpreso por se lembrar.

Ela comprimiu seus lábios em um sorriso ameno.

— Sou Diane Castro — frisou.

— Você ficou diferente, mas ainda carrega os traços dele — observei.

— Verdade — anuiu. — Meu pai ainda falava de você. Ele não se esquecia fácil de boas pessoas ou de quem considerasse muito — expressou.

— Também não me esqueci dele — revelei. — Sinto muito por sua perda — externei, e ela começou a chorar um pouco mais.

Sem saber o que fazer, perguntei: — Posso te abraçar? Acredito que possa ajudar a confortá-la — ofereci, vendo-a fungar e balançou a cabeça em negativo.

— Não se preocupe. Ficarei bem, obrigada — disse e limpou seu rosto com as costas de uma de suas mãos.

Peguei um lenço no bolso do meu paletó e a entreguei, olhando seu rosto. Mesmo receosa, agradeceu e aceitou. Continuei por ali por mais algum tempo e o silêncio reinou entre nós, salvo pelo seu choro baixinho que lentamente foi cessando.

Ao vê-la mais tranquila, tratei de me despedir, e ela esboçou um meio-sorriso com um pequeno aceno, agradecendo mais uma vez por minha presença. Saí dali ainda sentindo meu coração apertado, acreditando que nunca mais a veria.

— Diane — repeti seu nome em tom baixo ao parar diante do meu carro.

Olhei para dentro do cemitério, avistando-a no mesmo lugar, e uma certa euforia me abateu.

Soltei um riso descrente e balancei a cabeça em negação, até para me distrair de alguns pensamentos tolos que invadiram a minha mente. Entrei no veículo pronto para voltar para Val Verde.

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2

DIANE CASTRO

UM MÊS DEPOIS…

Na minha vida, sempre fomos eu e meu pai. Nunca me vi sem ele, mas, desde a sua partida, tive que enfiar em minha cabeça que, daquele momento em diante, seria somente eu. Infelizmente, não conheci minha mãe, a não ser por fotos, pois faleceu em decorrência de uma hemorragia após o meu nascimento.

Não vivi o luto por parte dela, mas obviamente sentia sua falta, principalmente durante o colegial que via meus colegas junto com suas mães além de seus pais e, também, a cada vez que meu pai falava com tanto amor dela, algo que fazia seus olhos brilharem. Como jamais havia experimentado essa dor, não poderia imaginar o quanto doeria ao perdê-lo, ainda mais agora, enquanto terminava de arrumar suas coisas para doar pra igreja. Saber que não o verei mais com seus ternos de grife e sempre tão bem alinhados ao seu corpo, deixando-o um verdadeiro gato para exercer a função que tanto amava, trouxe lágrimas aos meus olhos, seguidas de um aperto no peito.

Limpei a umidade no meu rosto com as costas das mãos e fechei a última mala. Olhei ao redor, vendo as caixas espalhadas pelo quarto, e comprimi meus lábios, tentando conter minha emoção. Apesar de a grande tristeza de não o ter mais comigo, sabia que esse era o seu desejo, que doasse todos os seus pertences pra igreja que costumávamos frequentar.

Além de sempre nos sentirmos acolhidos, também foi onde se casou com a mamãe, e ele não escondia o quanto ficava pensativo quando íamos até lá.

— Está tudo pronto! — mencionei, satisfeita por concluir.

Peguei o celular sobre a mesinha de cabeceira pra ligar pro motorista da van que fretei para levar todas as coisas pra igreja, querendo saber se estava chegando, porém, fui interrompida pela entrada inesperada da minha tia no quarto. Respirei fundo em meio a minha tristeza e a encarei.

Era incrível como ela não conseguia me deixar em paz, mesmo em um momento como aquele.

— Diane, não acredito que doará todos os ternos caríssimos do seu pai. — Soltei um riso abafado, tendo a certeza de que a última coisa que gostaria nesse instante era vê-la e muito menos ouvir seus comentários que nada me ajudariam, pelo contrário.

— Nem tudo na nossa vida se resume a dinheiro, tia Tânia. Meu pai desejava que fizesse isso e cumprirei — enfatizei, vendo-a tentar abrir uma das caixas. — Não mexa em nada, por favor. Está tudo pronto pra ser levado pra igreja — pontuei.

— Igreja — repetiu com desdém ao se afastar da caixa. — Deveria ter doado para mim, isso sim! — completou, analisando o quarto até me fitar.

— E o que faria com tudo isso? — indaguei por curiosidade.

— Venderia. Tenho certeza de que daria uma boa grana. — Revirei os olhos ao perceber o quanto era gananciosa.

— Jamais permitiria que fizesse isso — esclareci.

— Você é uma sobrinha muito ingrata, isso sim! — cuspiu suas palavras com certo rancor.

— Não sou ingrata, apenas sensata. Tenho valor sentimental pelas coisas do meu pai, algo que não compensa discutir com a senhora, pois não entenderia — comentei.

Ela riu ironicamente.

— Ajudei o seu pai a te criar depois que minha irmã faleceu e olha só! — Olhou-me de cima a baixo. — Nem parece que é grata verdadeiramente por todo cuidado que tive com você — dramatizou.

— Sou grata pelo que fez por mim, mas lembre-se que sua ajuda ao meu pai não foi de graça. Ele sempre te pagou e não se esqueça que já tenho vinte anos, portanto, sei muito bem tomar minhas próprias decisões — evidenciei.

— Insolente como o pai — externou.

— Não tente me ofender, tia, e respeite a memória do meu pai — exigi, olhando em seus olhos, ainda emocionada por tê-lo perdido abruptamente. — Se era tudo que queria, pode sair, por favor — pedi, apontando em direção à porta.

— Não precisa ficar me expulsando, enfim… vou indo. Marquei de ir à manicure. — Riu cinicamente enquanto analisava suas unhas. — Tenha um bom dia, querida sobrinha. — Forcei um riso ao ouvir sua provocação e partiu.

Suspirei ao finalmente me ver livre dela. Sentei-me na cama e meu celular tocou. Atendi ao ver ser o motorista da van, avisando que já estavam em frente aos portões.

— Que bom que veio, filha — padre Agenor me cumprimentou.

— Sua benção, padre.

— Que Deus a abençoe. — Comprimiu seus lábios em um sorriso ameno.

— Amém — pronunciei.

— Como vai a vida? — Soou cauteloso.

Sentamo-nos em um dos bancos da igreja e começamos a conversar.

Era bom desabafar com ele. Meu pai fazia isso quando vinha aqui para encontrá-lo sempre que podia.

— Ainda meio desnorteada. — Fui sincera.

Meus olhos umedeceram. Respirei fundo, contendo minhas emoções.

— A perda nunca será confortável pra nós, seres humanos, mesmo que soubemos que, em algum momento, teremos de passar por isso, mas deve se agarrar aos bem-feitos do seu pai. Senhor Márcio foi um grande exemplo de força e determinação por aqui, quanto mais por ter se dedicado a você após ficar viúvo, se encarregando de te dar todo amor e amparo que precisasse, não é à toa que é essa jovem tão bela e inteligente. — Seu comentário me arrancou um meio-sorriso.

— Obrigada, padre. É bom conversar com o senhor — proferi, e ele juntou minhas mãos nas suas.

— Que bom, filha. Fico contente que te ajude a te distrair. — Olhou em meus olhos. — Disse que se sente desnorteada, por quê? — questionou, de repente.

Puxei o ar para os meus pulmões.

— Não sei direito o que fazer sem o meu pai. O escritório já foi fechado, porque não posso dar continuidade, já que não tenho formação ainda e… — Pausei, não conseguindo prosseguir, e uma lágrima escapou dos meus olhos.

— Calma, acredito que esteja na hora de te dar algo. — O encarei, vendo-o retirar um papel do bolso, que estendeu em minha direção.

Limpei meu rosto e funguei, aceitando o que notei ser um envelope nomeado a mim. Reconheci a letra no papel.

— Seu pai me deu isso um dia antes de partir. Não sei do que se trata, só disse ter tido um sonho estranho naquela noite que o deixou com um pressentimento ruim e que precisava que guardasse isso e a entregasse, caso lhe acontecesse algo — relatou.

— Que estranho. Ele não me disse nada disso — frisei.

— Conhecia bem o seu pai, então deve imaginar que não te contou por saber que ficaria extremamente preocupada com ele — salientou, demonstrando que o conhecia muito bem.

Meu pai e o padre eram muito próximos, como bons amigos, há anos.

— Tem razão — concordei, analisando o envelope.

— Quem sabe aí dentro não esteja a resposta que está procurando para clarear sua mente e finalmente ter um norte? — indagou, sugestivo.

— Espero que sim — externei, esperançosa. — Acho melhor ir. — Me coloquei de pé, e ele me acompanhou. — Estarei torcendo para que consigam vender todos os pertences do meu pai no bazar — desejei enquanto fomos andando até a saída.

— Obrigado, filha. Que Deus a abençoe por sua doação, nos ajudará muito a arrecadar dinheiro para a igreja — pontuou.

— Que bom, padre. Sua benção. — Ele me deu a benção e me despedi, partindo em seguida.

Ao chegar em casa, sentei-me no sofá na sala e abri o envelope.

Com as mãos meio trêmulas, desdobrei o papel, sentindo meu coração disparar no peito e meus olhos umedeceram ao começar a ler o que meu pai escreveu.

“Filha, sinto muito por ter falhado como seu pai. Não a apoiei em seus sonhos e me senti na necessidade de lhe deixar essa carta, mesmo não sabendo se algo me ocorrerá ou não. Enfim, peço que me perdoe.

Fui egoísta em querer mantê-la debaixo da minha asa a todo custo, não permitindo que fosse para Val Verde, cidade onde sempre quis ir para morar e estudar, tanto que tentou me convencer a ir também, o que nunca concordei. Agora, pensando melhor, notei o quanto errei ao fazer isso e meu conselho é que siga os seus sonhos. Não perca mais tempo e vá vivê-los.

Pode ser que não me tenha mais ao seu lado, mas não deixe que isso a impeça de fazer o que há anos vem sonhando realizar. Se desejar ir mesmo para Val Verde, procure por Frederico Motta, um amigo sobre quem sempre falei com você sobre ele. Tenho seu endereço anotado em alguma agenda no meu escritório.

Tenho certeza de que lhe ajudará com tudo, até por não ter terminado a faculdade ainda e, também, poderá lhe dar abrigo por algum tempo, visto não conhecer ninguém na cidade, enquanto se organiza.

Espero que me perdoe.

Se cuida. Te amo, filha.

Do seu pai, Márcio”.

Lágrimas banhavam o meu rosto quando finalizei a leitura. Juntei o papel contra o meu peito e chorei, emocionada demais para colocar em palavras. Meu pai foi um homem maravilhoso em todas as suas instâncias, o único problema sempre foi o de não me deixar ir em busca dos meus sonhos, e eu não o condenava por isso.

Óbvio que ficava chateada por ser cabeça dura e não me apoiar, porém, o compreendia. Ele havia perdido a mamãe de forma inesperada e isso o abalou profundamente a ponto de me querer por perto pelo resto de sua vida, o que de fato aconteceu. Agora poderia ir atrás dos meus objetivos, no entanto, não do modo que imaginei um dia, que seria com a sua companhia.

Limpei meu rosto e funguei, colocando-me de pé. Eu não me considerava uma pessoa chorona, pelo contrário, sempre tentava ser o mais alto astral possível, mas, em se tratando do meu pai e pela enorme falta que me fazia, visto que éramos apenas nós dois, isso explicava o motivo de estar assim ultimamente. Dobrei a carta e trilhei até o escritório que meu pai mantinha em casa, para onde trazia trabalhos inacabados para analisar em algumas ocasiões; abri a porta e entrei, chegando até sua mesa, e um filme de quando o via sentado atrás dela enquanto fazia anotações veio nitidamente em minha mente.

Sorri em meio às lágrimas, me sentando na sua cadeira, e permaneci por ali, chorando um pouco mais. Logo respirei fundo, engoli o nó que ainda era presente em minha garganta e me limitei a continuar chorosa.

Mais uma vez li sua carta e concluí que aquilo era tudo que estava faltando para clarear meus pensamentos e finalmente ter um norte, bem como o padre Agenor mencionou na igreja.

Faria o que meu pai me aconselhou, mesmo não o tendo comigo.

Seria triste ir sozinha para Val Verde e começar uma nova etapa da minha vida sem ele, mas não devia continuar abatida como vinha sendo há um pouco mais de um mês, desde sua partida. Era hora de tomar um rumo, por mais solitário que pudesse ser.

Certa sobre isso, inspirei o ar profundamente e deixei a carta sobre a mesa, me ocupando em procurar o tal endereço do Frederico. Não podia mais perder tempo. Tinha muita coisa para resolver antes de finalmente me mudar para Val Verde.

UM MÊS E DUAS SEMANAS DEPOIS… Em posse da minha mala de rodinhas, a arrastei pelo caminho de pedras em meio ao jardim muito bem ornamentado em frente à casa, depois de ser liberada para entrar por um dos seguranças ao me identificar nos portões. Mal cheguei até a porta e uma mulher me recepcionou.

— Bom dia, querida! Sou Mônica, digamos que a governanta dessa casa — me saudou, apresentando-se em seguida.

— Bom dia! Prazer em conhecê-la. — Sorri em resposta.

— O prazer é meu. Diane, certo? — se certificou.

— Sim — afirmei.

— Entre. O Frederico descerá em breve — informou.

— Obrigada! — agradeci e a acompanhei para dentro.

Olhei ao redor, observando o interior da casa, e não pude deixar de pensar no modo como a Mônica se referiu ao Frederico. Não o chamou de senhor, então imaginei que tivessem uma afinidade maior que simplesmente patrão e funcionária. Lembrei-me da Bel, uma senhora que trabalhou por muitos anos na nossa casa, e a tinha como uma avó, já que não havia mais uma.

Antes de vir para Val Verde, tive que despedi-la, pois vendi a casa.

Mesmo que não fosse meu desejo, tive que fazer isso, mas, além dos seus direitos, lhe dei uma quantia a mais para ajudá-la e, também, por todo tempo e dedicação que teve conosco, algo que agradeceu muito, o que me deixou bastante feliz.

Pisquei ao ouvir a voz de Mônica, deixando minhas divagações de lado.

— Sente-se, querida. Acredito que o Frederico não demorará — ofereceu.

Agradeci e me sentei, deixando minha mala ao meu lado no sofá.

Ela então saiu, me deixando a sós após dizer que iria pra cozinha.

Sentia-me um pouco nervosa por não saber o que o Frederico acharia de me abrigar em sua residência por um tempo. Se ele preferisse, poderia pagar minhas despesas também. Enfim, nem sabia mais o que pensar, só queria que surgisse logo para conversarmos a respeito.

Bufei depois de se passar mais algum tempo e me coloquei de pé.

Virei-me no exato instante em que o vi descer as escadas e seus olhos fixarem em mim, expressando certa surpresa, e tratou de se preocupar em vestir a camisa que tinha em mãos. Antes de se cobrir completamente, fui incapaz de conter meu olhar que desceu pelo seu peitoral másculo perfeitamente definido, chegando até o seu abdômen cheio de gominhos, além de dar tempo de ver suas tatuagens: duas no pescoço e outra que pegava do seu ombro esquerdo até o pulso.

Apesar de tê-lo visto no enterro do meu pai, não notei nenhum daqueles detalhes, afinal, o momento não foi nem um pouco propício a isso.

Agora era diferente. Será mesmo que tinha sido uma boa ideia vir procurar abrigo em sua casa?

Antes de chegar a qualquer resposta, fui obrigada a sair do meu torpor quando ele parou em minha frente, fazendo com que seu cheiro de banho recém-tomado misturado ao aroma do seu perfume almiscarado e marcante adentrasse minhas narinas, ele abriu um sorriso lindo, estendendo sua mão pra mim: — Bom dia, Diane. Desculpe pela demora. Tudo bem?

— inquiriu, olhando-me com seus olhos azuis, continuando a sorrir.

Não! Definitivamente, eu não estava nada bem.

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3

FREDERICO MOTTA

Havia acabado de sair da academia que era montada em um dos cômodos em minha própria casa quando Mônica me informou que tinha alguém nos portões que se identificou como Diane Castro, filha do advogado Márcio Castro. Na hora, franzi o cenho, estranhando sua aparição repentina depois do falecimento do pai, no entanto, pedi que a deixasse entrar e a recepcionasse enquanto subiria para tomar um banho. Segui para o meu quarto e acreditava ter demorado mais do que o normal, porém, assim que desci as escadas, fui vestindo a minha camisa e tive tempo de pegar seus olhos vagueando pelo meu corpo.

Eu sabia o que a minha beleza e físico eram capazes de causar nas mulheres, então sua reação não foi nenhuma novidade pra mim. O problema ali eram dois: ela ser filha do homem que, mesmo após ter falecido, continuaria sendo bem mais que um amigo, além de seguir nutrindo muito respeito por ele, e o fator principal, ser tão jovem. Me lembrava dela quando ainda era apenas uma criança e…, bom, nem sei ao certo o motivo de estar pensando sobre isso.

Enfim, levei minhas divagações para longe e me concentrei nela.

Precisava saber o que havia vindo fazer aqui. Confesso que estava surpreso pela sua visita a minha casa.

— Bom dia, Diane. Desculpe pela demora. Tudo bem? — a saudei, ainda sorrindo enquanto a encarava.

Diane era negra, tinha os cabelos cacheados, mas com pouca definição e de tamanho mediano, que pegava abaixo do seu ombro, olhos castanhos, lábios grossos e perfeitamente desenhados, além de um corpo exuberante, com curvas bem avantajadas, digna de uma modelo plus size.

— Bom dia, Frederico. — Sorriu suavemente e uniu sua mão à minha, dando um aperto de mão.

Seu toque foi firme e macio. Encarei nossas mãos juntas quando uma certa eletricidade trespassou pelo meu corpo. Acreditava que ela sentiu o mesmo, pois recolheu sua mão em seguida, continuando: — Não se preocupe com a demora, sei que vim sem avisar e, quanto a estar tudo bem, ainda não, mas vou levando e agradeço por perguntar — completou.

— Entendo e, mais uma vez, sinto muito por sua perda — reiterei.

— Obrigada — agradeceu.

— Se veio até aqui, quer dizer que tem algo importante pra me falar, certo? — indaguei, curioso.

— Sim — afirmou.

— Então sente-se, por favor — pedi, e ela assentiu, acomodando-se em um dos assentos.

Me juntei a ela no mesmo sofá, tendo um assento vago entre nós, e não pude deixar de observar que parecia nervosa, pois desviava sua atenção de mim com frequência. Tirei meus olhos dela após aquela constatação e eles recaíram sobre a mala que tinha próximo a ela. Será que estava apenas de passagem pela cidade?

Fui obrigado a parar meus questionamentos quando a ouvi dizendo:

— Primeiro, gostaria de pedir desculpas por ter vindo dessa forma, sem ao menos te ligar antes, mas eu não sabia como tratar esse assunto por telefone e resolvi arriscar vir de uma vez e conversar com você pessoalmente, mesmo sabendo que pode não concordar. — Riu meio sem graça.

Minha testa enrugou-se e endireitei minha postura. Antes de conseguir questioná-la, Mônica entrou na sala de estar, nos interrompendo.

— Desculpe interrompê-los, mas trouxe um lanche para vocês. — Depositou a bandeja sobre a mesinha de centro e direcionou-se a Diane. — Como não perguntei se queria suco ou café, tem os dois na bandeja, além de biscoitos e uns minipães — disse cordialmente.

Mônica era como uma tia muito querida por mim. Trabalhava aqui há anos, desde que comecei a ter bons rendimentos nos negócios, comprei essa casa e me mudei. Ela quem designava todas as tarefas aos demais funcionários da casa.

Em minha ausência durante a semana, era quem sempre estava por aqui. É uma senhora de cinquenta anos e não tem parentes na cidade, a não ser as amigas que fez pelo bairro. No início, ela ficava em um dos quartos no andar debaixo da casa, mas, conforme o tempo foi passando, decidi construir uma casa nos fundos para ter sua própria liberdade; era pequena, porém, fiz de coração e Mônica se emocionou muito quando se deparou com a surpresa, o que me deixou muito satisfeito.

Rompi meus pensamentos quando Diane a respondeu: — Obrigada, Mônica. — Sorriu, agradecida.

Mônica fez menção de servi-la.

— Pode deixar que faço isso, obrigado! — Tomei à frente, e ela assentiu ao pedir licença, saindo, nos deixando a sós. — Café ou chá? — inquiri, olhando em seus olhos.

— Chá, por favor — respondeu.

Servi uma xícara e a entreguei, sendo agraciado por seu sorriso contido. Ela parecia não sorrir muito ou talvez fosse impressão minha.

— Aceita? — Ofereci os pãezinhos, que pegou apenas um.

A assisti comer, notando estar incomodada, talvez por conta do meu olhar nela.

— Estava delicioso e o chá também — elogiou, terminando de bebericar o líquido.

— Mônica tem mãos de fada — gracejei e, daquela vez, a vi dar um sorriso espontâneo, o primeiro desde que chegou.

— Não tenho dúvidas. Bem… não sei como isso te soará, mas… — engoliu a saliva com dificuldade e me mantive em silêncio, aguardando que prosseguisse — preciso de um lugar para ficar por pouco tempo. — Foi direta.

De imediato, não havia processado muito bem o que quis dizer com aquela declaração, até que finalmente entendi.

— Quer dizer que… — Será que poderia me abrigar em sua casa por algum tempo?

Posso pagar minhas despesas e tudo mais, não precisa… Antes que desse seguimento, gesticulei para que se acalmasse.

— Diane, respira, tudo bem? Se acalme antes de me explicar direito sobre isso. Imagino que esteja nervosa e, por conta disso, disparou a falar sem ser muito clara — pedi.

— Tem razão, me desculpe — disse ao abandonar a xícara sobre a mesinha de centro, inspirando o ar profundamente.

— Quando sentir-se mais calma, pode começar — salientei.

— Eu sempre quis vir para Val Verde, por ser uma cidade com maiores chances de crescimento tanto profissional, quanto pessoal. Meu pai nunca foi a favor do meu sonho de mudar para cá e, depois que o perdi, me senti desnorteada, sem um rumo certo a seguir. — Deu um sorriso tímido, mirando suas mãos em seu colo. — Então descobri que ele havia me deixado uma carta, onde fez questão de pedir perdão por não ter me apoiado, além de falar para não desistir e correr atrás dos meus objetivos.

— Trouxe seu olhar ao meu quando finalizou e pude ver sua emoção refletida em cada um deles.

— Senhor Márcio sempre surpreendendo — mencionei, lembrando-me do homem magnífico que era.

— Muito — confirmou.

— Espera aí… como ele sabia que lhe aconteceria algo? — interroguei, de repente.

— Na verdade, ele não tinha certeza, mas teve um sonho que o deixou em alerta, então decidiu escrever a carta, deixando-a em posse do padre Agenor, responsável pela igreja que frequentávamos. Isso foi um dia antes da sua partida — explicou.

— Hum, que estranho…— murmurei, encabulado. — E se minha noiva não concordar? — perguntei a fim de testá-la e a encarei, vendo-a arregalar os olhos, verificando ao redor.

— Ó céus! Como assim, noiva? As pesquisas que fiz sobre você na internet não falavam que tinha uma noiva, pelo contrário — confessou. — Será que pulei essa parte? — falou baixinho, e segurei a vontade de rir. — Enfim, posso conversar com sua noiva e tentar fazê-la entender ou… — Soltou o ar pesarosa, desistindo de falar. — Já sei que isso não dará certo.

— Fez menção de se levantar, e me apressei ao acabar com a nossa distância no sofá, segurando uma de suas mãos.

— Então andou pesquisando sobre mim? — especulei, impedindo-a de se pôr de pé.

— Sim. Não podia vir aqui sem saber o mínimo sobre a sua vida, mas agora me diz que tem uma noiva? — Mordeu o canto interno da boca e soltou o ar, preocupada.

Era engraçado vê-la tão pensativa.

Novamente tentou se levantar e não permiti.

— Não tenho nenhuma noiva ou namorada — admiti de uma vez.

Diane me fitou com seus olhos estreitos, e rompi numa gargalhada.

— Seu palhaço! — proferiu, descontente, e desferiu um tapa de leve no meu braço.

— Não sou palhaço, só quis descontrair e te fazer rir. — Ri um pouco mais, e ela recolheu sua mão do meu agarre.

— Quase me matou do coração, isso sim! — exclamou, ajustando sua postura enquanto mantinha uma expressão séria.

— Desculpa, mas foi engraçada a sua reação. — Tentei conter minha risada, e ela revirou os olhos, impaciente.

— Engraçado que, antes de vir, pensei que, por ser um velhote, não tivesse esse ar descontraído. Geralmente encontramos essas características em homens mais novos, se é que me entende — pontuou.

Quem ela estava chamando de velhote? Ninfeta atrevida!

— Como minha brincadeira não a agradou, peço desculpas e, também, fingirei que não ouvi a parte que me chama de “velhote” — concluí, e ela sorriu disfarçadamente.

— Ok. Olha, não quero ser um problema, então, se não puder me ajudar… — Me pus de pé ao escutá-la, não deixando que finalizasse sua fala.

— Não será um problema — ressaltei.

— E isso quer dizer… — incitou.

— A casa tem muitos quartos. Enfim, depende de quanto tempo pretende ficar. — Diane também se ergueu e nos fitamos.

— Não sei exatamente — contou.

— Como não? — interroguei.

Puxou o ar para os seus pulmões e o soltou gradualmente, respondendo posteriormente: — Preciso resolver uma série de coisas, desde concluir a transferência da faculdade a ver um imóvel, pois pretendo comprar um pra futuramente abrir meu próprio escritório de advocacia.

Meu pai sugeriu na carta que te procurasse, pois poderia me dar abrigo por um tempo e me ajudar com sua opinião como advogado, afinal, é experiente na área e sabe melhor como tudo funciona. — Umedeceu os lábios e continuou: — Ainda me falta um pouco mais de um ano e meio para terminar o curso de direito e precisarei de algumas instruções, mas não se preocupe que posso arcar com minhas despesas e prometo que tentarei solucionar tudo em pouco tempo. Não conheço a cidade, muito menos as pessoas por aqui, então pensei que pudesse ficar enquanto me familiarizo com tudo e, quando menos esperar, estarei finalmente indo embora — esclareceu, tentando me convencer a aceitar ficar.

Fiquei calado por algum tempo, pensativo, e Diane não parou de me olhar, aflita por uma resposta. Aproveitei para analisar seus olhos e não identifiquei que estava mentindo. Parecia verdadeira.

— Não vou negar que realmente fiquei surpreso com isso. — Fui sincero.

— Sei disso — anuiu, sem jeito.

— Eu jamais negaria ajuda a você, principalmente pelo seu pai ter sido alguém tão importante para mim e para a minha carreira, no entanto, sabe que perderei minha privacidade ao concordar em dividirmos o mesmo teto — expus.

— Sim, é verdade — compreendeu.

— Como sabe, sou sócio de uma casa noturna e temos dois estabelecimentos. Sou responsável pela matriz, situada em Val Verde, mas ultimamente não ando ficando muito aqui, porque estamos resolvendo algumas questões sobre a filial que está passando por melhorias, enfim, geralmente venho no finalzinho da tarde na sexta-feira e retorno na segunda-feira pela manhã para Porto Primavera— expliquei.

— Entendi — assentiu.

— Acredito que não será tão ruim assim tê-la por aqui. — Seu semblante anuviou ao ouvir minha resposta e sorriu contidamente.

— Então… — Deixarei que fique aqui — afirmei.

— Obrigada, eu… A impedi de concluir.

— Com uma condição — avisei.

— Certo e qual é? — quis se certificar, apreensiva.

— Três meses — determinei.

— Três meses? — questionou, incerta.

— Sim. Não quero que me entenda mal, entretanto, esse é o tempo máximo que te dou para resolver seus assuntos e procurar outro lugar para ficar, de acordo? — detalhei e estendi minha mão.

Diane voltou a sorrir, aliviada.

— De acordo — confirmou e mais uma vez uniu sua mão à minha, fazendo com que outra corrente elétrica percorresse pelo meu corpo.

Novamente, ela se livrou do meu toque, recolhendo-a com agilidade.

— Agora que estamos entendidos, vou pedir a Mônica que arrume um quarto no andar de cima pra você — informei.

— Ah, mais uma vez, muito obrigada e não precisa se incomodar.

Posso ficar num dos quartinhos no andar de baixo. Não terei problema algum com isso, afinal, já está sendo mais que gentil em me aceitar na sua casa, mesmo eu sendo completa uma estranha — externou.

— É certo que não nos conhecemos, mas não é uma completa estranha. Só por ser filha do Márcio, tenho certeza de que é uma boa pessoa, assim como ele era. — Comprimiu seus lábios em um sorriso ameno.

— Mesmo assim, agradeço a confiança — disse.

— Não foi nada. — Dei de ombros e chamei a Mônica.

Solicitei que organizasse um dos quartos no andar de cima e ela pediu licença antes de sair. Diane quis acompanhá-la, então saiu, deixando-me sozinho. Voltei a me sentar no sofá e passei as mãos entre os fios do meu cabelo.

Não sabia se tinha feito o certo em abrigar uma mulher em minha casa. Puta que pariu! Também não podia negá-la isso, visto ter um grande respeito pelo seu pai.

O que me confortava era saber que sua estadia não ultrapassaria três meses. O que poderia acontecer em míseros três meses, né? Obviamente, nada!

Agora era torcer para que passassem logo e finalmente retornar a minha privacidade. Contaria os dias para isso.

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