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Um Destino... O Amor! "Amor e Orgulho"

01

Meu ônibus já estava atrasado. Ele parava em todos os faróis vermelhos da cidade, para nervosismo dos passageiros que olhavam pelas janelas embaçadas e seguravam com cuidado seus guarda-chuvas molhados. Era uma manhã de segunda-feira e eu tinha a sensação de que algo diferente estava para acontecer. Talvez fosse mau pressentimento por ter perdido o horário do meu turno na Ortopedia Masculina. Naturalmente, precisava ter acordado antes e tomado um ônibus mais cedo, numa manhã chuvosa como aquela.

Pareceu passar uma eternidade, antes que descesse diante dos portões do hospital. Abracei a bolsa com uma mão, segurei o guarda-chuva com a outra e corri pela alameda. Cheguei na entrada do hospital sem fôlego. Atirei-me dentro do primeiro elevador disponível, justamente quando um dos médicos estava quase apertando o botão. Fiquei ali, de pé, com os sapatos ensopados e o cabelo escorrendo. Vi o olhar espantado de Doutor Gray ao me ver toda molhada.

— Hoje não é um bom dia, enfermeira Page… não é o que você diria? — Ele falou, sorrindo para mim.

— E ainda pode ficar pior… Estou atrasada, doutor.

— Sim. Acho que sim. É melhor se apressar.

Naquele momento o elevador parou. Entrei correndo no vestiário, enquanto o doutor Gray se virava para o bloco C; andava tão rápido que o avental flutuava atrás de si.

Por que ele tinha de estar naquele elevador, naquele momento, e ter me visto daquele jeito? — Pensei desolada.

Há sempre um jovem médico que se salienta entre os outros e faz os corações das enfermeiras bater mais depressa. Richard Gray era um destes. Ele não estava no hospital há muito tempo e, desde o começo, se mantivera reservado e distante da equipe feminina. Mas era muito popular entre os outros médicos e bastante gentil com os pacientes. Mesmo com eles, contudo, parecia um pouco distante. Eu achava que ele devia ser uma pessoa tímida, de modo que sua reserva seria apenas um disfarce dessa timidez.

O doutor Gray desapareceu subitamente de meus pensamentos, enquanto eu trocava de roupa. Arrumando o uniforme e o chapéu, dentro de quatro minutos eu estaria correndo para o bloco C, para enfrentar a desaprovação da Irmã Batsun, se é que seria só isso. Normalmente, ela era muito rigorosa, mas era também simpática. Só que não nas segundas-feiras. Aquele era o dia de o doutor McReith fazer sua ronda e ela sempre entrava em pânico com qualquer problema de horário.

Chris Denham passou pela porta, trazendo uma pilha de vasilhas, e parou quando me viu.

— Graças a Deus você chegou! — Exclamou ela. — Batty está de folga, com dor de cabeça, e esta manhã a Irmã George é a encarregada

— Oh, não! Logo ela, com seus olhos penetrantes!

— Claro. É melhor você não abusar de sua sorte. Ela ainda não notou sua falta. Eu lhe disse que você foi ao Raio X, buscar algumas chapas. Bem, Page, comece a correr… estamos todos atrasados. Molhou-se muito?

— Fiquei encharcada.

Enquanto arrumava tigelas e outras coisas no carrinho, eu ouvia as notícias do fim de semana, contadas por Chris.

— Há novos pacientes no setor do senhor Green e alguns problemas que surgiram de madrugada.

Saí, em direção à enfermaria, usando o meu melhor sorriso, pois todos esperavam isso, e respondendo "bom-dia" para todos os lados. Procurava parecer séria e gentil ao mesmo tempo, naquela enfermaria de homens, onde poucos pacientes eram jovens e viris, mas todos queriam atrair minha atenção para a sua inatividade forçada.

— Vamos, Senhor Painter — disse eu, começando a cuidar de um paciente. — É melhor ficar bem elegante, se quer entrar em seus calções de banho e ir para a praia, encantar as garotas. Vamos…

— Calções de banho… — murmurou ele. — Os meus dias de praia já acabaram, enfermeira. Eu terei muita sorte se ainda voltar a andar. Acha que terei alta na Páscoa?

— Tenha esperanças, senhor Painter — nós dissemos juntas, enquanto nos dirigíamos à outra cama, percebendo que a Irmã Batsun, a encarregada, verificava a troca das bandagens do paciente admitido recentemente.

Chris foi chamada pela Irmã Batsun e uma nova enfermeira veio me ajudar a fazer as camas. Enquanto isso, li as anotações ao pé do leito seguinte. Era o novo paciente.

Robert Larkham. 33 anos. Já sabia, só de ver seu leito levantado, que havia gesso em suas pernas, que ele teria ferimentos nas costas e estava em tração, com pesos nos dois pés. Era um tratamento muito doloroso.

2

Então, olhei seu rosto, e vi dois olhos muito azuis, lembrando as flores de um jardim de verão. Ele me olhou sério. Eu cheguei mais perto da cama e observei seu rosto bronzeado. Ele, obviamente, era um homem que vivia ao ar livre e, naquele momento, parecia muito infeliz obrigado a permanecer deitado.

— Olá, senhor Larkham. Sou a enfermeira Page. O que lhe aconteceu?

— Inicialmente… fui tirar um pônei de um pântano.

— Compreendo. E depois?

— Ficou pior. Não consegui ficar em pé. Ainda não consigo. Mesmo depois de várias semanas deitado de costas. E será que a tração vai provocar algum tipo de milagre? Duvido. — Seu maxilar ficou tenso e eu não respondi. A nova garota aproximou-se.

— Então, trabalha com cavalos, senhor Larkham? — Tentava distraí-lo, pois percebi que sua tensão aumentara. Ele se sentia inválido por não conseguir se mover. Não estava acostumado com os cuidados de uma enfermeira e nunca conseguira aceitar este fato.

-— Relaxe. Eu farei o resto — disse firmemente, mas com gentileza, virando-o de lado. Enquanto o segurava, a outra moça virou o travesseiro. Ele gemeu e eu o deitei de costas. Ele fechou os olhos, de modo que não pude ver sua angústia.

— Esse tratamento vai ajudar em alguma coisa? — perguntou ele desesperado, olhando para mim, enquanto eu esticava as cobertas.

— Pensamento positivo, senhor Larkham. É o melhor que podemos fazer para colocar suas costas no lugar. É vagaroso, eu sei… mas, sim, funciona na maior parte dos casos.

— Eu… não tenho tempo para esperar, enfermeira.

— Por quê? É artista de circo ou alguma coisa assim? — Pela primeira vez eu o vi sorrir, mostrando dentes branquíssimos e bonitos.

— Oh, Deus… não! Eu trabalho para a Comissão Florestal… com cavalos e manadas. Mas tenho meus próprios cavalos, naturalmente, e agora preciso deixá-los aos cuidados de estranhos. As vacas precisam ser ordenhadas; as galinhas alimentadas... isto é um inferno. É como estar em um outro mundo. Ninguém me diz nada… se vou conseguir andar ou não… Claro que este é o problema. Não sei se vou poder andar novamente! Me diga! Vou poder andar?

Senti o profundo desespero da sua voz e percebi que não devia dizer nada, apesar de sentir uma vontade enorme de ajudá-lo. Ele era o tipo de homem que geralmente não se entrega ao medo, nem admite a sua existência. Seus olhos azuis estudaram ansiosamente meu rosto, esperando resposta à sua pergunta.

Falei gentilmente:

— O cirurgião logo aparecerá por aqui. Pergunte a ele. Não se importará em responder. Agora… estou um pouquinho atrasada. Eu lhe sorri, mas ele não respondeu ao sorriso. Apressei-me em terminar e fui falar com a outra enfermeira.

— Ótimo, menina. Qual é o seu nome?

— Branda Jackson.

— Eu sou Nicole Page. Agora acho melhor nos apressarmos. Dali em diante trabalhamos sem parar. Chris tinha as suas tarefas e eu, as minhas. Ao preparar o carrinho para a ronda do doutor McReith, lembrei-me do jeito especial com que ele apreciava tudo, observando os arquivos de chapas dos pacientes e vendo se estavam em ordem. A Irmã George deu-me uma olhada quando peguei o arquivo e entrei na enfermaria. Perguntou por que eu me atrasei naquela manhã.

— Qualquer que seja o motivo, sei que só será uma desculpa. E não há desculpas convincentes para atrasar no serviço — disse ela, sem esperar minha resposta.

— Sim, Irmã.

— Vá e arrume tudo. Já são quase dez horas. 

Poucos minutos mais tarde, Chris esgueirou-se pela porta e disse:

— Eles estão a caminho.

— Certo. Estou pronta.

Afastei o cabelo da testa, ainda sentindo que ele estava molhado da chuva da manhã, e fui me juntar ao grupo. Fiquei em pé atrás do doutor Gray, que como eu, ouvia atentamente tudo que aquele grande homem dizia. Observava tudo o que ele fazia. Como sempre, um pensamento me passou pela mente: Quanto mais os homens subiam no campo da medicina, mais humanos eles pareciam. Talvez ele tivesse treinado um grande auto-controle sobre seus pensamentos, sua expressão facial, sua calma. Acho que era isso. Porque havia uma espécie de aura ao redor do doutor McReith. Um paciente dera uma boa definição dele, quando falou baixinho:

— Ele é um gentleman, enfermeira. Um grande gentleman.

Era verdade e eu o admirava, juntamente com todos os membros da equipe. Sentia-me, às vezes, recompensada com um dos seus sorrisos, e então o dia se tornava muito especial para mim. Quando ele se aproximou do leito de Robert Larkham, prestei mais atenção. Enquanto ele passava os dedos pelas vértebras deslocadas, ouvia todas as perguntas de Robert. E, depois de examinar as chapas, pediu que fossem tiradas outras. Saiu, então, sem nenhuma promessa de uma recuperação rápida, mas dando esperanças e um sorriso animador.

No fim do dia percebi que estava profundamente interessada naquele paciente, cujos olhos azuis seguiam-me sempre. Havia, entretanto, uma regra sutil e não escrita, de que nunca devíamos nos envolver com os pacientes. Algumas vezes, alguém se deixava envolver, mas isso nunca era admitido, nem revelado. Essa era uma das coisas que as Irmãs não gostavam e sempre havia uma prestando especial atenção ao fato. Além do mais, isso era parte de meu treinamento. De modo que precisava manter esse novo interesse completamente sob controle. Falei a meus  sobre ele, certa noite, depois de sua permanência no hospital há duas semanas.

— E isso pode parecer um tempo terrivelmente longo, numa cama de hospital, para quem nunca esteve imobilizado antes — disse.

Minha mãe é francesa e muito direta. Olhando-a, é difícil acreditar que já esteja nos quarenta anos. Seu cabelo é escuro como o meu, curto. O meu é crespo e o dela é liso e suave, caindo ao redor do rosto. Meu pai a adora, é doido por ela.

— Robert Larkham é casado? — Perguntou meu pai.

— Eu… não sei. Sim, talvez. Chris disse que ele recebe uma visita à tarde, de vez em quando. Pode ser sua esposa. Ele lê muito, principalmente livros sobre a vida rural. Já percebi isso. É surpreendente como se pode saber coisas sobre as pessoas, analisando o que elas lêem.

— Então é um homem do meu tipo — interrompeu papai, mostrando suas imensas pilhas de livros rurais e revistas especializadas.

Minha mãe sorriu para mim e levantou as sobrancelhas. Nós duas sabíamos do sonho dele de se mudar para o campo, cuidar de abelhas e de galinhas, cultivar um jardim. Esta era a sua idéia do paraíso.

— Vamos morar em algum lugar, perto de um vilarejo, Anne Marie… — ele murmurou, segurando seu cachimbo, com os olhos cheios de sonhos. — Estou economizando…

Enquanto isso, vivíamos num sobrado que um dia seria vendido. Mas, mesmo ali, o nosso jardim já existia. Era pequeno e no verão ficava muito colorido. Papai cultivava alfaces e tomates.

— Oh, papai merece o seu bangalô — disse eu, olhando as flores que já brotavam na jardineira da janela.

— Espero que ele tenha uma boa chácara quando chegar a hora — disse mamãe alegremente. — Agora, conte-me mais sobre o senhor Larkham. Ele é louro ou moreno? Alto ou baixo? Você está querendo saber também, não querido?

— Você está caçoando de mim.

— Não — disse mamãe inocentemente. — Continue. Estou interessada. Ele mora na floresta, Nicole? Que lugar lindo para morar. E trabalha lá, e não em alguma cidade?

— Sim. Os olhos dele brilham ao falar sobre sua casa. Acho que está com muitas saudades, apesar de ele não admitir isso, naturalmente. Cavalos e ar livre… isso é que é vida. Seria trágico se Robert Larkham não pudesse cavalgar nunca mais. Se puder ao menos andar…

— Há esta possibilidade?

— Eu não sei. Sim… acho que sim. O doutor McReith não afirmou nada. O senhor Larkham ainda continua deitado de costas. Oh. Você sabe, não devo discutir o estado dos pacientes.

— Bem, geralmente você não discute. Este deve ser um caso especial, penso eu.

— Oh! — Levantei-me — quero lavar o cabelo e preciso passar um vestido. Vou a um show no Bournemouth amanhã à noite, com o doutor Gray. Não lhe contei?

— Não… não contou. E quem é este doutor Gray?

— Ele é novo lá. É muito gentil. Honestamente, acho que este é o seu primeiro encontro. O que acha disso? Convidou-me esta manhã. Ele quase me pegou num dia errado, mas não consegui pensar em nenhum bom motivo para recusar. E, já lhe disse, ele é muito gentil. Estou bem animada.

3

— Você parece cansada, querida. Por que não lava o cabelo e descansa, esta noite? Eu passo o seu vestido amanhã. Estará pronto, quando você chegar.

— Oh, mamãe que bom! Muito obrigada.

Fui até o banheiro, sentindo-me feliz por ter pais tão maravilhosos. Eu tinha sorte. Agora podia ter um fim de tarde agradável e uma boa noite de sono. Entretanto, um dos comentários de minha mãe continuou em minha cabeça, causando uma certa curiosidade… ou melhor, uma certa apreensão.

Sim, por que deveria ser importante para mim saber se Robert Larkham era casado ou não? Eu estava me tornando possessiva com o paciente, simplesmente porque seus olhos me observavam constantemente e porque sabia que sempre o olhava primeiro.

Achei que era melhor pensar no meu encontro com o doutor Gray, no dia seguinte. Estava certa de que eu era a primeira garota que ele convidava para sair. A maioria teria ficado encantada. Eu também. Ou, pelo menos, devia estar.

Mas ainda continuava me sentindo desanimada, quando mais tarde fui até a sala, onde mamãe tricotava um casaco para mim e papai estava mergulhado em seu livro.

Na manhã seguinte, quando o doutor Gray entrou na enfermaria para uma rápida olhada em um de seus casos, ele me deu um sorriso, ao passar pelo leito onde eu lavava um paciente. Olhei-o, observando o brilho castanho de seu cabelo sob o reflexo de alguns raios de sol. Era muito atraente! Meu orgulho cresceu e um arrepio de antecipação percorreu-me a espinha. Eu estava realmente esperando ansiosa por aquela noite. Fiquei contente em não ter dito a ninguém sobre o nosso encontro. E imaginei novamente por que ele teria me escolhido, entre tantas enfermeiras?

A Irmã veio me perguntar alguma coisa e eu sabia que ela tinha percebido o olhar do doutor Gray. Não consegui deixar de enrubescer, mas ela não fez nenhum comentário. Quando Chris veio me ajudar a erguer um doente, cochichou.

— Nicole, a Irmã não lhe dará um minuto de paz, se achar que ele está interessado em você. Já saíram juntos?

— Não! — Eu respondi, dizendo a verdade. — E você, já saiu com ele?

— Oh, seria adorável! Eu não hesitaria! Ele é muito gentil. Espero que apareça no baile de Páscoa, quando eu estiver de folga!

A Irmã estava voltando.

— Espero que vocês duas saibam que horas são e que o doutor Reith chegará aqui em cinco minutos. — Ela me deu um olhar penetrante e disse: — Enfermeira Page, seu chapéu está amassado e seu cabelo precisa de mais atenção. Cuide disso.

Chris desapareceu rapidamente. Eu peguei o jornal que tinha caído da cama de Robert e fiquei imaginando por que aquela Irmã era tão mal-humorada. Ele falou comigo fingindo uma enorme severidade:

— O que fez de errado, enfermeira? E que importância tem se o seu chapéu está amassado? Parece-me muito atraente, desse jeito — disse Robert Larkham.

Dei-lhe uma olhada:

— Não devia ficar ouvindo os comentários, senhor Larkham.

— Ontem, você me chamou de Robert.

— Oh, bem…

— Acha que pode me ajudar a mudar de posição? Estou todo dolorido, neste inferno.

— Eu provavelmente serei despedida. — Mas passei o braço por baixo dele e arrumei os lençóis. Vi o alívio surgir em seu rosto.

— Obrigado. Você está mesmo com um perfume muito gostoso. Sabe, você me lembra o outono e as rosas do meu bangalô… a chuva caindo na floresta. Eu daria tudo para ver isso outra vez. Parece que estou preso nesta cama faz uma vida inteira.

— Paciência — disse eu alegremente, apesar de suas palavras terem me tocado muito fundo. Queria lhe dizer algo que ajudasse. O sinal da Irmã, parada na porta, olhando o relógio, fez-me voar para a direção oposta a da enfermaria. Depois, lembrei-me de meu chapéu. Arrumei-o e passei uma escova no cabelo. Enquanto fazia isso, pensava em Robert. Pensava nele, que lembrava da sua floresta… por causa do meu perfume, ou do xampu, quem sabe?

Cinco minutos mais tarde eu estava em pé, ao lado de sua cama, observando-o mais de perto do que o habitual. Ou talvez, de um modo diferente. Ele prestava atenção ao doutor McReith. Seu queixo estava tenso, enquanto esperava o diagnóstico do diretor. Observei os olhos dele, enquanto o doutor Gray conversava com o doutor McReith.

De repente, Robert não pôde mais esperar. Falou com firmeza:

— Gostaria de saber a verdade, doutor McReith. Vou ficar curado? E se vou, quanto tempo ainda tenho de ficar aqui? Se não vou, o que vai acontecer?

Ele cruzou os braços. Eu também.

O grande homem sorriu confiante. Senti o coração leve porque estava dividindo aquela notícia com Robert.

— Pode sair do gesso hoje, senhor Larkham. Mas preciso avisá-lo de que ainda vai levar algum tempo antes que possa montar ou exercer muitas atividades. É um processo lento.

— Obrigado, doutor. — O sorriso agradecido de Robert fez surgir outro no rosto do cirurgião. Foi só.

— O doutor Gray vai ajudá-lo de agora em diante. Mas terá de ficar em pé e andar, antes que possamos lhe dar alta.

Fomos até o leito do paciente seguinte, mas para mim era como se meu coração, de repente, se enchesse de rosas, margaridas, tulipas, como se toda a enfermaria ficasse florida. Era sempre assim, naturalmente. Os pacientes vinham ao hospital para ser consertados. Depois voltavam às suas vidas. Mas deixavam atrás de si aquele brilho que nos enchia de contentamento e nos dava forças para começar tudo outra vez, com o novo ocupante do leito. A Irmã me chamou depois que eles saíram. 

— Enfermeira, abaixe a cama do senhor Larkham, tire-o do gesso e da tração — falou depressa. — Pode fazer isso sozinha? Quero que a enfermeira Denham me ajude no balcão de remédios.

— Naturalmente que posso, Irmã.

Se eu queria ajuda? Claro que não. Estava gostando daquilo. Estava adorando ter de voltar ao leito de Robert.

— Boas notícias, hein? — Falei, tirando seu cobertor e começando as minhas tarefas. Estava tão contente quanto ele.

— As melhores! — Ele sorriu, enquanto olhava para suas próprias pernas. — O que aconteceu com elas? Elas não vão conseguir me sustentar. Como vou puxar os cavalos? Até mesmo meu filho tem tornozelos melhores do que estes.

— Você… tem um filho? — Por que eu sentira um golpe diante das palavras dele? Eu não tinha pensado em Robert como pai, acho. Para disfarçar meu choque, continuei, em tom de brincadeira.

— Oh, céus... Nós não sabíamos que você era casado. E ficamos todas pensando no simpático novo solteiro da enfermaria. Isto é, o segundo mais simpático, depois do motoqueiro que está ali.

Eu estava falando só por falar. Sabia disso. Ele me pareceu solitário, sem nunca falar da família. Assim, concluímos que não tinha nenhuma.

— Jamie tem sete anos. — Ele sorriu, feliz. — Vai ser bom ver aquele sujeitinho outra vez. Ele deve estar com saudades.

— Naturalmente que está. E hoje é dia de visitas, portanto vai poder dar as boas notícias a sua esposa, também.

— Não — disse baixinho. — Lamento que não. Ela morreu logo depois que Jamie nasceu.

— Oh! Sinto muito… — a consternação deve ter aparecido em meu rosto — não tinha a menor idéia…

— E como poderia ter? Foi há sete anos.

— Você mora sozinho? Quem cuida de Jamie? E quem cuidará de você, quando voltar para casa? — Eu tinha terminado de abaixar sua cama e estava com os braços cheios de aparelhos que tirara dele.

— Minha irmã veio morar no bangalô. Foi uma sorte para nós que ela tivesse acabado de sair da escola e estivesse esperando um emprego. Leciona na escola do vilarejo. Assim, tudo deu certo para Jamie e para mim. E não posso mais ter problemas. O tempo é precioso, e preciso ganhar a vida. Além disso, o campo é minha vida. Não posso viver em nenhum outro lugar. Você vê porque estou preocupado, enfermeira? Ei, o que vai fazer com isso?

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