NovelToon NovelToon

Black

⃕⃟᎒⃟̀Sinopse •

Mikael, é um adolescente de estatura baixa, cabelos negros como a noite, olhos castanhos e possuidor de um corpo tanto quanto delicado para alguém do seu sexo.

Sempre tão dócil e sorridente não demonstra aos de fora o quão tortuoso é seu passado e as tribulações que enfrenta em seu presente.

Ainda bebê, perdeu sua mãe, seu pai mesmo tendo tanto dinheiro e poder em mãos, se entregou as bebidas tornando um dependente delas.

E o pouco de tempo em que se encontrava sóbrio, estava a serviço mantendo Mikael aos cuidados de uma empregada e uma babá, essas que também não fugiam das garras de seu progenitor.

Assim que ganhou uma certa idade, podendo tomar conta de si mesmo, Mikael passou a sofrer abusos de seu pai e preconceitos na escola.

Seus únicos leias amigos são Anna e Paulo; os quais o ajudam seja no que for e que sempre estiveram ao seu lado.

Tudo vai de mal a pior quando ele descobre seus verdadeiros sentimentos.

⃕⃟᎒⃟̀001 •

O despertador toca, e já são 7:30 de uma manhã de sexta-feira. Estou exausto, mas, mesmo que meu corpo esteja no limite não posso me dar ao luxo de faltar no colégio. Caso contrário meu pai me puniria severamente por conta disso.

Digamos que eu e ele temos uma relação um pouco diferente, e que de fato não gosto muito disso, mas não é como se fosse eu a escolher meu próprio destino, né? As vezes penso que sou apenas um experimento fracassado, jogado em um beco escuro onde somente me resta a "sorte" e depender dela não é lá algo muito bom.

Como o de costume; me levanto, tomo um banho rápido, como uma fruta qualquer, tendo em vista que muito das vezes nada tenho para o desjejum, e logo depois de comer algo sigo para o colégio. Hoje teria aula de física no primeiro horário e a professora Simone não vai muito com a minha cara, então seria melhor que não me atrasasse.

Assim que saí de casa, duas quadras a frente pra ser mais exato, me deparei com dois valentões da escola que, assim que notaram minha presença  ali começaram com as implicâncias.

"Olha lá se não é o queridinho do professor Allex." Dizia em tom alto um dos garotos, de porte físico atleta e cabelos ruivos, Marcos era o nome dele. Um belo garoto do time de futebol da escola. Mas também um completo idiota. Alex nada mais é que o professor de Educação Física do colégio, e um bom amigo que me ajudava e aconselhava sempre que fosse necessário. Muitos alunos não gostam nem um pouco dessa aproximação que tenho com ele, e vários acabavam reagindo como aqueles dois idiotas bem a frente, de maneira bem agressiva. Um ciúme besta por assim dizer, pois eu particularmente não vejo Allex como nada além do que ele já é (meu professor).

─ O que fazem por aqui? Estão atrasados para aula...─ Tentei mudar o foco do assunto enquanto recuava alguns passos para trás na tentativa de fugir deles. Meu porte físico magricela definitivamente não me daria uma luta justa contra dois brutamontes, mas era bom o suficiente para correr como se não houvesse amanhã.

─ Ei! Ei! Calma, porquê tanta pressa? só queremos nos divertir. ─ O outro garoto indagou com malícia em sua face, este eu não fazia ideia de quem poderia ser, mas aquele maldito olhar me fez sentir o coração acelerar e um maldito frio atingir minha espinha. Não era a primeira vez que via aquele tipo de olhar sendo lançado contra mim, mas não queria saber como seriam as consequências daquilo vindo de outra pessoa, já me bastava um demônio em minha vida, dois seria de mais.

Sem coragem alguma pra esperar o que estaria por vir da parte deles, corri o mais rápido possível  em direção a escola, pegando alguns atalhos por ruas bem estreitas. Nunca havia corrido tanto em minha vida como naquela manhã e com muita sorte cheguei no colégio a tempo, a minha única certeza e alívio era que, a partir dos limites daqueles muros para dentro aqueles idiotas não poderiam me tocar sem ter uma punição justa contra eles. Mas eu ainda estava distraído tentando ficar o mais longe possível que sem querer acabei esbarrando justo na bendita professora de fisíca.

─ Ai! Menino! ─ Exclamou um tanto irritada agora podendo notar em quem havia lhe esbarrado. E como um belo sentimento recíproco, eu também não ia muito com a cara dela, mas, antes ela do que os garotos que me perseguiam naquela manhã. ─ Mikael? Então foi você!

A minha vontade era de simplesmente dizer: "não! Imagine, Papa a seu dispor my lady..." contudo, não era hora pra brincadeiras ou zombaria.

─ M-me desculpa professora eu, quero dizer...─ E também, não seria como se meu lado covarde fosse permitir tamanha audácia então foi isso o que realmente respondi, meio embolado nas palavras devido a maratona que enfrentei pouco antes e ainda com a respiração arquejante.

─ Não quero saber das suas desculpas mocinho, vá direto pra sala olhe a hora. Vamos! vá agora.─ gesticulou com a destra como se estivesse afastando algum bichinho, certo, talvez eu seja um veado, mas não é assim que se trata um ser indefeso como eu.

Mas estava certa em uma coisa, já estava atrasado então não rendi assunto, apenas concordei com um singelo aceno de cabeça e me pus a sair da frente dela tão rápido quanto ainda podia, seguindo para minha turma. Eu realmente achei que ela poderia me dar uma bronca naquele momento, mas estava aliviado por somente ter sido enxotado do seu campo de visão a ter que começar o dia com um dos olhos roxos ou uma advertência.

[•••]

Chegando na sala, Pude contemplar os mesmos alunos de sempre, cujos os quais acompanho desde o jardim de infância. Todos estavam organizados em grupinhos separados cada qual com seu colega de classe, ou como preferem dizer no dito popular a famosa "panelinha", alguns até mesmo conversando aleatoriamente, outros fazendo idiotices do fundamental (mesmo estando no terceiro ano do ensino médio) e por aí vai.

Sem muito enrolar, segui diretamente para o meu lugar ─ costumeiramente mais ao fundo da sala e próximo à janela ─ e lá estavam meus amigos fiéis: Anna (uma garota tagarela sempre sorridente, cujos olhos verdes não se igualavam a beleza de sua pele morena e seus enormes cachos tão escuros quanto a noite) e Paulo (um menino com corpo bem definido pra sua idade, de pele alva, lábios finos e bem detalhados, olhoz azuiz acinzentados e cabelos loiros, sempre sério de poucas palavras e emoções que deixavam qualquer um sem ar ou com as pernas bambas), eles sempre estiveram comigo nos bons e maus momentos e sou muito grato a eles por isso.

Finalmente sentado em minha carteira, pude desviar o olhar para o enorme quadro à frente onde a professora já se dispunha a anotar tarefas e trabalhos. Um tédio por assim dizer, vez ou outra notando Anna a fazer caretas e imitações da própria tirando algumas risadas dos alunos, e claro, minhas também. Mas ali estava Paulo, sempre sério e atento a tudo.

Um frio na barriga sempre me intrigava com esse ar de mistério dele, por mais que nos conheçamos há anos, as vezes não conseguia tirar os olhos dele e consequentemente sempre me via envergonhado logo em seguida quando Paulo desviava o olhar da professora em direção a minha mesa e seus olhos se encontravam com os meus.

E lá estava eu feito um tomate, na tentativa de disfarçar a timidez, olhava rapidamente para a professora novamente. Já Paulo sempre que se deparava com essa cena, não conseguia conter um pequeno sorriso que se formava em seus lábios, achando bem fofo a minha situação de puro constrangimento.

[•••]

Depois de longos três e tediosos horários de aula, deu o sinal do intervalo, e como sempre sou um dos últimos a descer, tendo Anna e Paulo que sempre o esperavam por mim.

─ Vamos Mikael! ─ Disse Anna ao lado da mesa já impaciente, com os seus braços cruzados e seu pequeno pé nervoso a batucar no chão.

─ Ah! Sim, vamos. ─ Me pronunciei de forma a não contradizê-la, afinal o que falta de altura nas baixinhas, lhes sobra em estresse. E Anna tem um pavio muito curto.

─ Hoje você está meio distraído, não acha Mikael? ─ Questionou Paulo um tanto preocupado, ao que se achegava do lado de Anna, com as mãos no bolso e olhos atentos.

─ Hunf! Você é bobo... booooobo... Mikael bobão! Mikael bobão! ─ Começou a provocar. Anna as vezes mais se parecia uma criança, do que uma adolescente de dezessete anos, mas os meninos não a julgavam, Eu principalmente, pois assim éramos, dois idiotas quando estavam juntos. Então apenas soltei uma breve risada entrando em suas provocações, sabendo exatamente por onde começar.

─ Anna fu..mi..ga! ─ Somos ambos da mesma altura (1,50), e cá entre nós que essa não deveria ser bem lá uma ofensa entre a gente já que somos praticamente da mesma "raça", dois gnomos de jardim.

─ Ah! Paulo olha ele! ─ Murmurou toda manhosa ao que um beicinho se formava em seus lábios, assim segurando na barra do uniforme de Paulo o puxando, como uma criança mimada faria.

─ Parem os dois, comportem-se. ─ Já Paulo é de estatura bem alta (um avatar de 1,80) e mesmo com toda sua seriedade e sendo completos opostos, juntos eles me faziam sorrir a maior parte do tempo, com certeza são meus melhores amigos, simplesmente não saberia o que fazer sem eles.

Quando finalmente descemos para o pátio, vi Allex mais a frente. Não sabia o porquê, mas sua aparência sempre chamava a atenção (com seu corpo bem definido, talvez pelo simples fato da sua profissão, pele bronzeada e olhos negros, seus cabelos apesar de possuir uma aparência bem jovial, se mantiam grisalhos) também tinha muita facilidade com as meninas. Mas eu sempre ignorava este lado, achando ser somente uma imensa admiração pelo mais velho que era muito educado e gentiu com todos. O professor passando por nós, nos cumprimentou seguindo assim para a sala dos professores.

Já eu e os meninos, seguimos até o refeitório onde havia como comprar os lanches e tinham mesas, muitas mesas para podermos nos alimentar mais confortavelmente embora Paulo preferisse ficar no gramado embaixo de alguma árvore com sombra fresca.

[•••]

Logo após o intervalo, tivemos mais dois horários de aula.  Foi um sufôco ter de aguentar todos eles, mas assim que o sinal para término das aulas ecoou por todo lugar,  já se podia ouvir o som de carteiras se arrastando e alunos correndo pela escola empolgados para irem embora. Paulo e Anna precisavam sair naquela tarde, para um trabalho de recuperação que precisavam fazer juntos e então se despediram.

Já eu, bom, não estava tão animado assim, mesmo que as aulas fossem chatas queria que elas durassem o dia todo nas sextas e se não fosse pedir de mais, que durassem até a próxima segunda-feira.

E porquê todo este desespero em permanecer no pior lugar para um adolescente? Meu pai é um grande empresário e vive viajando a negócios, hoje é o dia dele aparecer em casa, um final de semana inteiro tendo de aguentá-lo. E o que tem de mal em passar o final de semana com seu pai? Vocês devem se perguntar, afinal grande parte dos filhos anseiam pela chegada de seus genitores, mas não eu, que tinha meus próprios motivos.

Perdido em pensamentos nem havia notado que Allex passava em frente a sala vendo que eu ainda estava lá. Assim retrocedeu alguns passos.

─ Já deu o sinal Mikael, não vai para casa? ─ Questionou o homem que colocava metade de seu corpo pra dentro da sala com um sorriso meigo nos lábios me fazendo sair do breve transe, olhando-o ainda meio avoado.

─ Vou sim professor. ─ O respondi de forma rápida e impulsiva enquanto me levantava rapidamente colocando a mochila nas costas murmurando baixinho, sem saber que o mesmo ainda prestava atenção em mim.

─ O que foi, tem algo te encomodando? Quer que eu o leve para casa? ─ disse agora com ar de preocupação seguindo até a minha direção.

─ Não precisa! ─ Exclamei em apreensão, logo me dando conta do quão rude  havia sido com ele, suspirei profundamente revirando os olhos ─ Bom, desculpe, já estou indo, até segunda professor... ─ Me despedi e por fim saí dali o mais rápido que pude ouvindo um "Até" meio sem jeito vindo do mais velho. Talvez eu pudesse pedir desculpas por aquilo futuramente já que eu estaria me apunhalando internamente devido aquela atitude idiota com alguém que só queria ser legal, mas tive que sair correndo, não queria problemas, se meu pai me visse com outro homem ele me mataria. Ao menos esperava que ele não tivesse bebido  hoje. Ah! como odiava finais de semana.

Meu trajeto até em casa, teria sido bem mais calmo. Diferente do que havia passado naquela manhã. Eu andava tranquilamente e até a passos lerdos para que não chegasse em casa tão cedo. Mas infelizmente estaria a frente da mesma cedo ou tarde.

[•••]

Assim que o cheguei em casa o cheiro de álcool invadiu minhas narinas, fazendo um arrepio gélido invadir todo o meu corpo. Olhando ao redor me deparei  com meu pai deitado no sofá, camisa semi-aberta e com a gravata frouxa em volta do pescoço junto a uma lata de cerveja em mãos.

"Droga! Droga! Droga!!!" Pensei desejando jamais ter entrado por aquela porta.

Engolindo a seco, tentei subir as escadas sem que ele percebesse, mas por azar do destino acabei pisando em um degrau que rangia, o barulho ecoou pelo cômodo e pude ver seu semblante franzir, em seguida sua canhota foi direto ao rosto podendo murmurar alguns palavrões.

─ Onde pensa que está indo? ─ Questionou o mais velho com a voz totalmente alterada devido ao nível alto de embriaguez. Podia sentir na pele o quanto aquilo me custaria.

Respirando fundo, fechei os olhos e me virei com medo, ainda trêmulo abri  novamente já vendo o homem a minha frente tacando a latinha de cerveja para o lado.

─ P-pro meu quarto senhor, tenho prova na semana qu- ─ Falhamente havia tentado pronunciar algo na esperança de que ao menos uma vez a sorte estaria do meu lado. Mas o vi desabotoar o cinto e logo ele me interrompeu, autoritário e direto como sempre.

─ Tire sua roupa! ─ Meus olhos já se encontravam marejados e o suor frio escorria pelo rosto enquanto ele começava a desabotoar a calça.

─ M-mas pai eu... e-eu...

─ Eu mandei tirar suas roupas Mikael, não me faça perder a paciência e tirar eu mesmo. ─ Eu estava com medo e acima de tudo, não desejava nada daquilo, mas não podia desobedecê-lo ou seria pior. Então comecei a tirar a roupa, minhas mãos estavam tremendo mal podia desabotoar o uniforme, sentia meu corpo pesado e a respiração estava acelerada, era uma sensação horrível e angustiante.

Depois de ter finalmente tirado a roupa, o mais velho  então começou a passar as mãos em meu corpo, também pegou minha destra forçando a apalpar seu membro e a masturba-lo, era nojento e repugnante reconhecer o corpo do meu pai daquela forma. As lágrimas queriam saltar para fora dos meus olhos mas eu não podia fazer isso, não na sua frente.

Para piorar ainda mais minha situação, o cheiro do álcool me dava ânsia de vômito. Talvez não fosse pelo álcool, e sim mim mesmo e minha "fraqueza" no momento, se sujeitando a tudo aquilo. Podia ver em seu rosto o prazer que sentia me vendo daquela forma, o que fazia me sentir ainda pior.

Meu pai gemia enquanto ele mesmo pegava a minha mão para passar em seu corpo, pensei que naquele dia lhe tocar seria o suficiente. Mas logo ele me agarrou pelo braço e me arrastou até o sofá. Tacando-me sobre ele  me forçando a ficar de quatro. Senti abrir minhas pernas para ter uma visão total da coisa toda, e então consumar o ato desprezível sem preparo algum. Era sempre assim, sem dó ou piedade e quanto mais dor eu demonstrava sentir, mais prazer parecia causar nele.

Eu não podia gritar, ou gemer de dor, era forçado a aguentar tudo com apenas lágrimas silenciosas, já teria perdido a conta de quantas vezes senti o gosto metálico do sangue em minha boca, ao morder minha bochecha inferior para abafar os sons, ou os dentes sensíveis por ranger de mais. E caso eu tentasse denunciá-lo de qualquer forma, era ameaçado de morte. Algo que jamais duvidaria que seria capaz de fazê-lo contra mim e já tendo mostrado ser capaz disso inúmeras vezes, mesmo sem nunca realmente o fazer.

O pior de tudo não era suportar em silêncio ou ser ameaçado todas as vezes, era simplesmente o fato de que eu era obrigado a chegar ao ponto de gozar para ele, caso contrário aquelas ações não cessariam tão cedo e já teriam me ocorrido de não conseguir e aquilo durar imensas horas tortuosas que mais se pareciam dias.

[•••]

Depois do sexo, o mais velho acabou dormindo, um porco imundo jogado ao chão da sala. Então peguei as minhas coisas e fui para o banheiro tomar banho, so lá conseguia chorar o quanto quisesse sem ninguém por perto para ver. Sentia nojo de mim mesmo e queria que minha mãe estivesse ali comigo, talvez isso não acontecesse, e mesmo que acontecesse alguém estaria ali pra me ajudar.

Depois do banho fui tentar descançar um pouco, mas meu corpo doía muito como se alguém estivesse me rasgando por dentro e os meus remédios para dor já haviam acabado, acabei tendo uma péssima noite mal dormida. Pois quando finalmente tinha conseguido cochilar, ele invadiu meu quarto.

Foi assim o final de semana inteiro, ele parecia não se cansar de fazer aquilo, quanto mais fazia mais queria, no domingo a tarde ele já se arrumava para partir novamente. Bem que ele poderia sumir de vez, me dou melhor sozinho. Sempre me dei bem em sua ausência, não me importaria se algum dia ele partisse de vez.

Ao menos estava aliviado ao vê-lo — Pela janela do quarto — finalmente entrando no carro e partindo dali, teria mais cinco dias de descanso, e céu! Como queria que durassem uma eternidade.

No outro dia tinha aula que por azar teria horário de educação fisíca, e tínhamos avaliação física/corporal do professor ou seja: tirar a blusa de frio e usar a camiseta para esportes, muito azar, já que meu corpo estava cheio de ematomas  e a única saída era chamar Anna pois ela sabia disfarçar muito bem os machucados com maquiagem, mas naquela noite tudo o que eu queria era descansar, então acabei dormindo.

[•••]

⃕⃟᎒⃟̀002 •

Já se firmava no relógio 07:30 da manhã seguinte, tendo em vista que eu teria que me forçar a levantar para ir ao colégio. Mas quem disse que eu conseguia? Meu corpo estava pesado, e como uma pedra jogada em meio ao mar, sentia-me como se estivesse apenas a afundar e isso me angustiava. As dores eram inexplicáveis, mas tinha que tomar meu banho e seguir normalmente, aliás era dia de avaliação.

─ Mas que merda! ─ resmunguei baixo pegando o celular e ligando para Anna, tinha me esquecido completamente sobre aquilo, com um pouco de custo ela atendeu, e em sua voz era nítido que também havia acabado de acordar, podia ouvir mais a fundo um leve bocejar vindo da mesma que tentava disfarçar o cansaço ao afastar o celular e depois o retornar mais próximo do ouvido, assim tirando dos meus lábios um sorriso fraco e nada duradouro. ─ Preciso de sua ajuda, por favor... e, de suas maquiagens.

[•••]

Anna não questionou muito à respeito durante a ligação, e dentro de dez minutos lá estava ela, bem na minha frente com seus belos olhos esverdeados cheios de lágrimas, e suas delicadas mãos a tapar a boca devido ao breve espanto que teve se deparando com o estado deplorável do meu corpo. Não a julgo, eu faria o mesmo em qualquer outra situação. Mas logo vieram os questionamentos.

─ E-ele tocou em você novamente, não foi?! ─ Anna tinha consciência do que me ocorria praticamente todos os finais de semana. Mas não a julguem por não sair implorando socorro a um adulto, eu tinha escolhido assim, também optamos juntos a não mais tocar neste assunto perto do Paulo, ele literalmente não é o tipo de ser humano que você desejaria estar perto em momentos de fúria ou algo parecido. E não foi nem um pouco fácil de segura-lo quando ele descobriu.

─ Está tudo bem Anna... não fique assim por minha causa, trouxe a maquiagem?

─ S-sim... ─ Anuiu com um leve balançar de cabeça concordando, então a puxei até meu quarto ao que se sentava ao meu lado e assim, começou com sua "mágica".

Anna havia conseguido disfarçar muito bem os hematomas espalhados pelas partes mais visíveis do meu corpo, tendo em vista sua vasta experiência em atender as inúmeras chamadas para que pudesse me acudir neste tipo de situação. Poderia se dizer que ela faria muito bem em  abrir uma empresa e se firmar no ramo da maquiagem. Depois de me ajudar a levantar seguimos para a escola. Uma caminhada bem longa e dolorosa por assim dizer.

[•••]

Chegando na escola tratei de ir logo para a minha carteira, não queria fazer muitos movimentos e o que mais queria naquele momento era descansar o máximo possível e um remédio para aliviar as dores.

Aos poucos os alunos iam chegando, e logo Paulo havia adentrado na sala, podia notar em seu rosto o olhar que ele lançava sobre mim, parecia analisar cada canto do meu ser. Mesmo estando rodeado por meninas que imploravam por sua atenção, ─ muito das vezes levando mimos ou cartinhas a ele antes das aulas ─ as quais ele sempre rejeitava, ele não desviava o olhar que seguia rumo a minha direção e aquilo gerava um certo calafrio pelo meu corpo.

Geralmente ele parecia notar que algo não estava certo em mim, mas costumeiramente nada dizia. Nem ao menos sequer ele tocava em algum assunto semelhante para que talvez Anna e sua bendita boca grande lhe dissessem algo, mas naquele dia foi diferente, ele se sentou em uma carteira vazia atrás de mim e sussurrou próximo ao meu ouvido:

─ O que aquele desgraçado fez com você agora? ─ Juro que queria poder dizer cada detalhe repugnante das noites em que passei praticamente em claro para meu melhor amigo, desabafar seria um alívio, mas da minha boca não saía voz alguma, apenas sentia em meu peito o ritmo acelerado do coração ao ter tão perto o respirar e o sussurrar de Paulo. E como um mero "covarde" abaixei a cabeça e não o respondi, não queria confusões pois ele já queria ir atrás do meu pai para matá-lo (literalmente) e isso só iria causar problemas á ele mesmo, uma vez que meu pai pudesse estar a sete palmos da terra — quisesse deus, no inferno onde realmente merecia — e ele com um futuro completamente ferrado por conta disso.

Como não o respondi, Paulo se afastou ajeitando a postura na cadeira e ficou "quieto", mas podia ouvir o tamborilar de seus dedos nervosos sobre a mesa incessantemente, eu nunca o viu tão inquieto assim, e logo meus pensamentos a respeito daquilo foram desviados com a chegada da professora em sala.

[•••]

Três horários de aula já teriam se passado e finalmente era o tempo de intervalo. Eu não saí da sala de aula naquele dia, Paulo e Anna acharam melhor não incomodar e me deixaram descansando quieto ali.

No final do intervalo, Paulo teria levado para q sala o lanche que eu não desci para pegar. Bom, ao menos o que deu pra ele levar e o que geralmente eu sempre comia (uma barra de cereal e uma maçã) e depois de deixar em cima da mesa sem nada a dizer, voltou para seu lugar na sala se sentando e permanecendo quieto.

Com a chegada do professor Allex todos se assentaram nas carteiras e se notava um silêncio na sala, também era o único professor á qual todos respeitavam e deixavam a aula fluir em paz.

─ Bom dia!!! ─ Disse ele sorrindo como sempre, todos logo o responderam em tom alto e uníssono, somente eu que não consegui, mal podia respirar e estava poupando esforços. ─ Como todos sabem hoje é dia de avaliação, as meninas por favor dirijam-se até a sala da professora Alice para serem examinadas. ─ Alice é outra professora de Educação física, uma ajudante pra ser mais exato. E digamos que o que aquela mulher tem de beleza, tem em dobro de vagabundagem, era impossível saber com quem ela ainda não havia feito nada naquele colégio, bem... Eu obviamente era um dos não "privilegiados" ainda sim, uma minoria.

─ Ah! não! ─ Exclamou o público feminino descontente com a notícia. E eu nem preciso especificar o porquê né? Ah! meninas... enfim, Allex havia dado uma leve risada e elas o obedeceram com certa frustração.

─ Bom! os meninos venham comigo. ─ O mais velho se pronunciou seguindo pra fora da sala e mais carteiras se arrastando, enquanto a sala ia se esvaziando eu ia lamentando mentalmente. "Droga!!! mil vezes droga!"

─ Vamos, Mikael? ─ Paulo chamou pacientemente enquanto eu me encontrava relutante em sair da carteira. Ao que se pronunciava, levou uma das mãos até meu ombro para chamar mais minha atenção já que estava no mundo da lua.

─ Uh! sim, vamos... ─ O respondi se forçando a levantar. O loiro até teria me oferecido ajuda para prosseguirmos, contudo, neguei sua ajuda seguindo caminho a fora até o ginásio onde seriam feitas as avaliações.

[•••]

Não muito tempo depois, todos passaram pela avaliação, e quando chegou minha vez, senti meu corpo trêmulo com medo de que o professor percebesse algo em mim. Respirando fundo me levantei e segui até a sala reservada que tinha no final do ginásio.

Chegando lá, o mais velho estava a anotar algumas coisas em uma folha, e tão logo notando minha presença ali o deixou de lado ajeitando a cadeira para o me sentar.

─ Mikael, nome de anjo não? ─ Ele sempre fazia esse tipo de coisa, e mesmo com um comentário tão bobo como aquele, conseguia arrancar um sorriso dos meus lábios e consequentemente sentia minhas bochechas queimarem ao que ficavam levemente ruborizadas. Talvez eu fosse apenas um menino bobo que ria de tudo e todos, mas aqueles pequenos gestos faziam a diferença no meu dia "nublado". ─ Está pronto?

─ S-sim... ─ Estava uma ova! Internamente não desejava estar ali naquele momento, não no estado em que me encontrava e tudo o que poderia acontecer caso o professor notasse algo de errado.

─ Então, por favor sente-se na cadeira ok? ─ Anui positivamente com um aceno de cabeça e segui até a cadeira. Enquanto que minha sua cabecinha de vento se perdia em meio a um turbilhão de perguntas: ─ Será que dá para ele perceber algo em meu corpo? E se perceber, o que faria? talvez como um adulto responsável ele chamaria o diretor e algumas enfermeiras para me analisar e assim tomar providencias cabíveis ao meu caso... ─ Eram algumas de várias questões que levantava em minha mente, e era isso o que eu mais temia. O dinheiro compra tudo, e quando eu digo "tudo" me refiro até ao ar que respiramos, e meu pai com certeza era um homem cheio de dinheiro. "Tomara que dê certo" assim pensava com o coração na mão.

─ Não está nervoso como da última vez né? ─ O mais velho perguntou com um sorriso no rosto fazendo com que eu ficasse mais corado ainda, mesmo ele tentando me acalmar, meu coração estava tão agitado como nunca, e a tremedeira também não ajudava muito. ─ Eu preciso que fique calmo Mikael, ou pode dar alteração na avaliação. Olhe nos meus olhos e tente respirar o mais fundo que conseguir e prender a respiração, depois de três segundos solte o ar bem... devagar, certo? ─ Olhei em seus olhos como ele mesmo havia pedido, logo em seguida senti a mão do mais velho sobre a minha.

Me espantei de certo modo, meu corpo não tinha uma das melhores respostas ao ser tocado daquele jeito, ainda mais sem nenhum aviso. Mas suas mãos eram quentes e macias, e não parecia ter maldade alguma vinda dele. Então tentei me desviar daqueles pensamentos e fiz o que ele pediu umas três vezes, não sabia bem o porquê, sempre que ele falava pra fazer aquilo, funcionava. Talvez pelo tom de voz suave e gentil que ele possuía e a sensação boa que transpassava pra todos a sua volta.

─ Agora sim está mais calmo, perfeito... ─ Disse o adulto, puxando pra mais perto uma mesa auxiliar de rodinhas, assim pegando um medidor de pressão e o colocando em torno do meu braço ao que bombeava a ponta do objeto, e um estetoscópio onde colocou as olivas nos canais auditivos e segurou com uma das mãos o auscultador enquanto que a mão livre seguia até a borda da minha camiseta. ─ Vou erguer um pouco pra poder ouvir seus batimentos cardíacos, está bem? ─ Ele avisou, mas engoli a seco pois não teriam se dado ao luxo de maquiar aquela região. Por sorte ou azar, o professor somente teria erguido o suficiente para que sua mão passasse por debaixo do tecido e finalmente posicionar o auscultador ao lado esquerdo. Não foi um processo demorado, Alex só teria analisado minha pressão e batimentos, anotando mais coisas no papel enquanto olhava um relógio de pulso. E tão logo aquele momento de tensão havia acabado para meu alívio. ─ Prontinho Mikael. Está liberado.

Disse o mais velho. Obviamente não esperei um segundo aviso e tão logo saí da sala.

[•••]

─ Mikael! ─ Ouvi alguém a me chamar, nunca tinha visto alguém tão animado com a minha presença quanto Anna, que logo veio correndo em minha direção saltando em cima de mim e me abraçando. ─ Bobo! porquê demorou? ─ Sem conseguir conter, acabei por soltar um gemido de dor, fazendo com que ela imediatamente me soltasse fazendo carinho em meus ombros de leve. ─ D-desculpa Mikael eu tinha me esquecido disso.

─ Ela esqueceu mas eu não... ─ Completou Paulo com as sobrancelhas franzidas e com os braços cruzados ainda a encarar com aqueles olhos acinzentados que mais pareciam enxergar o fundo da alma.

─ Não precisa se preocupar comigo. ─ Revidei também cruzando os braços e desviando o olhar com um leve bico nos lábios.

─ Como não?! Aquele porco imundo abusa de você e eu não preciso me preocupar, Mikael? ─ Não compreendia o porquê, mas Paulo sempre se preocupou de forma diferente comigo, desde sempre. Chegando a parecer mais um irmão mais velho do que meu melhor amigo.

─ Shhh! Paulo... ─ Anna fazia um pequeno bico levando o indicador aos lábios em sinal de silêncio olhando para o loiro, depois que ela percebeu a proximidade que estava dele, ela brevemente corou saindo de perto, e enquanto ajeitava o uniforme prosseguia. ─ Fale baixo, ninguém por aqui além de nós dois sabe a respeito do que se passa com Mikael.

─ Desculpe. ─ Murmurou Paulo engolindo a seco. Eu podia jurar ter notado em suas bochechas uma leve ruborização se formando ali devido a repreensão levada de Anna. Algo extremamente raro vindo dele. Aproveitando a oportunidade, rapidamente mudei o foco daquele assunto.

─ Está tudo bem, bom já já vamos embora certo?! Fiquei sabendo que hoje vão nos soltar mais cedo.

─ Sim! Bom não é? ─ Respondeu Anna alegre com a notícia enquanto batia palminhas de felicidade.

─ Uh! Agora que vocês tocaram no assunto, tenho que ir atrás da professora de biologia entregar um trabalho pra ela, mais tarde passo na sua casa como combinado, ok Mikael? ─ Concordei procurando na mente sobre o que se tratava aquilo e logo o vi sair andando.

─ Ah! sim... sim, combinado... ─ Naquele momento senti um arrepio gélido correr por toda a extensão da minha espinha, pois literalmente havia me esquecido que naquele dia teriam combinado de passar a tarde juntos jogando ou assistindo algo. Anna brevemente notando o meu estado de confusão não se conteve e se dispôs a rir da situação.  ─ O que foi, hm?

─ Você esqueceu, não foi? ─ Anna me lançou um olhar maldoso, enquanto dava uma leve cutucado na minha bochecha.

─ Calada! Eu me lembrei... agora, mas lembrei.

[•••]

Enquanto Paulo seguia pela escola atrás da professora de biologia pra resolver os problemas da sua vida escolar, eu e Anna voltamos para sala de aula para pegar nossos materiais. Ficamos conversando no pátio até finalmente sermos liberados, tendo um sinal ecoando por todo lugar como aviso.

Depois disso e da longa caminhada que tive até chegar em casa, finalmente lá estava eu, parado olhando toda aquela bagunça que meu pai tinha deixado para trás. Como se já não bastasse ser um completo covarde era literalmente um porco imundo.

Cerca de uma hora e meia depois, finalmente havia conseguido terminar de ajeitar toda casa. Um esforço e tanto que somente teria feito devido a visita de Paulo naquele dia. Caso contrário não teria me forçado a tanto e certeza de que teria dormido a tarde toda, senão até o dia seguinte.

Sentado no sofá com uma postura completamente relaxada, senti meu estômago roncar fazendo com que minha mão repousasse sobre a barriga ao que meu rosto se tinha uma leve careta de fome. Não me lembrava a última vez que teria comido algo descente e definitivamente não tinha comido nada na escola além do que Paulo tinha levado pra mim naquele dia.

Me pus então a ir até a cozinha pensar em algo que pudesse ser feito com o pouco que tinha no armário. Ao menos naquela semana, aquele miserável tinha deixado dinheiro  comprar o que necessitava. Ainda sim não queria sair naquele momento. Então apenas improvisei com o que tinha mesmo. Fiz uma massa simples com molho branco, a meu modo já que não sou um grande cozinheiro, mas era o suficiente pra matar a fome.

Depois que finalmente me alimentou, deixou a louça na pia e decidi tomar um banho rápido antes que Paulo pudesse chegar.

[•••]

Completamente despido no banheiro, voltava a minha realidade e o estado em que meu corpo se encontrava. Tudo aquilo fazia com que sentisse nojo e repulsa de mim mesmo, sempre achando que a culpa era totalmente minha, por minha mãe ter falecido logo depois do meu nascimento e talvez aquilo pudesse ser o motivo do meu pai me odiar tanto ao ponto de fazer o que faz.

Já em baixo d'água e novamente perdido em meio a tantos pensamentos não havia me dado conta de que já estava em prantos, chorando que nem um bebê. Minhas lágrimas rolavam pelo rosto se misturando junto as gotas de água que escorriam sobre minha cabeça até eu ouvir alguém bater na porta e a campainha tocar meio impacientemente.

[•••]

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!