Avery
Às vezes eu penso que nasci dentro de um conto de fadas.
Tudo na minha vida sempre foi perfeito demais, a casa enorme, as roupas caras, as viagens com as amigas, as festas no verão. Eu cresci acreditando que o mundo era um lugar seguro, onde o amor dos meus pais e o dinheiro da família Masi bastariam para me proteger de qualquer dor.
Tenho vinte e quatro anos e, até hoje, nunca precisei lidar com nada realmente difícil. Meus pais sempre fizeram de tudo para que eu tivesse a melhor vida possível.
Quando criança, eles diziam que eu era o “presente mais precioso” deles. Quando cresci, continuaram me tratando como tal. E, de certa forma, eu gostava disso. Gostava da sensação de ser cuidada, protegida, amada.
Minhas irmãs mais velhas, Chiara, Eliza e Sofie, sempre foram exemplos pra mim. Cada uma seguiu seu caminho. Chiara mora em Paris com o marido francês, Eliza foi pra Itália, e Sofie vive em Toronto. Mesmo longe, somos unidas. Temos um grupo no celular onde falamos todos os dias, mandamos fotos, fofocamos sobre a vida.
Eu era a única que ainda morava com nossos pais, aqui, nos Estados Unidos, na cidade de Ravenshill, um lugar onde os ricos não apenas vivem, mas mandam.
Nossa mansão ficava num bairro cercado de árvores, com muros altos e portões automáticos. A vizinhança era composta por políticos, empresários e herdeiros bilionários. Era o tipo de cidade em que todo mundo sorria pra você, mas ninguém era realmente seu amigo. Ainda assim, eu me sentia feliz ali.
Meu pai, Anthony Masi, era um homem respeitado no ramo imobiliário. Minha mãe, Evelyn, era o coração da família, doce, elegante, o tipo de mulher que faz você acreditar que amor verdadeiro existe.
Desde pequena eu via o brilho nos olhos dela quando olhava para o meu pai, e acho que foi por isso que cresci tão romântica. Ela me contou, certa vez, que se casou virgem.
— Guardei o que tinha de mais precioso pro homem que eu amava. — ela disse, segurando minhas mãos — E não me arrependo. O amor só é puro quando não é apressado, minha menina.
Guardei aquelas palavras pra mim como um juramento. Enquanto as minhas amigas trocavam de namorado a cada estação, eu esperava o meu amor de verdade.
Tive dois relacionamentos sérios, ou pelo menos achei que fossem.
O primeiro, com Ethan, um rapaz encantador que dizia me amar, mas só se interessava pelas festas e pela conta bancária do meu pai.
O segundo, com Julian, foi ainda pior. Ele parecia perfeito no começo, mas bastou algumas semanas pra eu perceber que só queria o meu corpo.
Depois disso, prometi que não entregaria nada a ninguém até que fosse o homem certo. E o “homem certo”, pra mim, era aquele que me olhasse como meu pai olhava pra minha mãe, com amor, respeito e cuidado.
Enquanto esperava esse amor chegar, eu vivia uma vida que qualquer pessoa invejaria. Meu guarda-roupa parecia uma loja de luxo… bolsas Dior, sapatos Louboutin, vestidos Versace. Meus pais nunca me negaram nada.
— Aproveite enquanto pode, filha. — meu pai dizia sorrindo — Trabalhamos duro pra te ver feliz.
E eu aproveitava. Viajava com as amigas pra Nova York, Miami, Aspen. No último Natal, ganhei um carro esportivo branco, o modelo que eu sempre quis.
Além disso, eu tinha meu próprio apartamento no centro da cidade, um espaço pequeno, moderno e aconchegante que comprei com a ajuda do meu pai. Gostava de passar alguns fins de semana lá com as meninas, só pra ter um pouco de liberdade, sem incomodar meus pais.
Era uma vida perfeita. Tão perfeita que, às vezes, eu achava que nada poderia mudar. Mas o destino sempre encontra um jeito de virar o mundo de cabeça pra baixo.
Naquela noite, eu estava na sala, com meus pais, assistindo a um filme antigo. Minha mãe fazia pipoca, e meu pai bebia vinho.
De repente, ouvimos o som dos pneus no cascalho do jardim. Dois carros pretos pararam em frente à mansão. Meu pai se levantou, confuso.
— Deve ser engano. — disse, indo até a porta.
Mas o som das botas no piso fez o ar parecer mais pesado. Cinco homens entraram sem pedir licença. Ternos escuros, rostos impassíveis, todos com a mesma tatuagem no pescoço: uma rosa negra.
Meu coração disparou. Eu já tinha ouvido falar da máfia Rosa Negra. Todo mundo em Ravenshill sabia quem eram.
Aqueles homens eram fantasmas de um submundo onde o dinheiro sujo comandava tudo, lavagem de dinheiro, armas, alianças políticas. Ninguém mexia com eles e sobrevivia.
O homem à frente do grupo olhou diretamente para o meu pai.
— Senhor Masi. — disse com a voz grossa e fria — O senhor sabe por que estamos aqui.
Meu pai empalideceu.
— Eu… eu posso explicar.
— O tempo de explicações acabou. — o homem o interrompeu — O chefe quer o dinheiro que emprestou. Dois anos de atraso. A paciência dele tem limites.
O silêncio tomou conta da sala. Olhei para a minha mãe, que estava imóvel, e depois para o meu pai. Ele parecia encolher diante daqueles homens.
— Por favor… — disse meu pai, com a voz trêmula — eu só preciso de mais tempo. O investimento não deu retorno. Mas eu posso resolver…
— O chefe não negocia duas vezes. — o homem cortou, seco — Ele mandou avisar que tem uma semana. Uma semana pra pagar. Ou a dívida será cobrada… de outro jeito.
— Pelo amor de Deus… — minha mãe chorou — nós sempre fomos corretos!
O homem olhou pra ela, impassível, e depois pra mim. Senti o corpo gelar quando os olhos dele se demoraram sobre o meu rosto.
— Avise ao senhor Masi… — disse o homem, sem tirar o olhar de mim — que Apolo Darko não gosta de ser enganado. Recado do chefe, palavras dele.
Eles se viraram e foram embora, deixando um rastro de medo pra trás. Quando o som dos carros desapareceu, eu ainda estava sem conseguir respirar.
— Pai… — sussurrei — o que está acontecendo?
Meu pai passou a mão no rosto, exausto.
— Eu devia ter te contado antes… — ele se sentou, derrotado — a empresa quebrou. Eu tentei salvar o nome da família, pedi dinheiro emprestado à Rosa Negra. Achei que conseguiria devolver. Mas…
— Mas o quê, pai?! — perguntei, com a voz falhando.
— Nós gastamos demais, Avery. As viagens, os jantares, os presentes… tudo. E agora, se eu não pagar, eles vão nos matar.
A sala parecia girar.
Tudo o que eu conhecia, tudo o que eu era, começou a desmoronar em segundos. Aquela vida perfeita que eu sempre achei que duraria pra sempre… acabava ali, diante de mim.
Fiquei parada, olhando pro chão, tentando entender como um mundo tão brilhante podia esconder tanta escuridão por baixo.
E foi naquele instante que ouvi o nome dele pela primeira vez, Apolo Darko, o homem que em uma semana decidiria se a família Masi continuaria viva… ou não.
Apolo
Nasci para este trono de ferro e solidão. Não foi uma escolha. Foi o que sobrou quando o mundo terminou dentro da minha casa.
Eu e meu irmão gêmeo, Adônis, crescemos aprendendo duas coisas: honrar a família e nunca deixar uma dívida sem cobrança. Parecem regras simples, mas a vida sempre cobra com juros.
Quando tínhamos treze anos, tudo quebrou. Minha mãe foi sequestrada por uma máfia rival. Eles queriam humilhar meu pai, roubar rotas, arrancar informações. Não conseguiram.
Meu pai não quebrou. Mas ela quebrou. Quando voltou, trazia um silêncio que eu nunca vou esquecer. Passaram semanas e, numa madrugada, acordei com gritos e o cheiro de hospital.
Perdi um irmão que nunca chegou a respirar. Minha mãe sofreu um aborto e, no mesmo dia, foi embora. Deixou um bilhete curto:
— “Eu não aguento mais.”
Não culpo quem foge. Eu só aprendi a não perdoar quem trai. Para mim, fugir e trair sempre estiveram na mesma caixa.
Meu pai entrou fundo no álcool depois disso. A garrafa virou o melhor amigo dele. Um homem que já foi rei começou a sumir na frente dos próprios filhos.
Eu e Adônis paramos de ser meninos naquela época. Passamos a acompanhar reuniões, ouvir códigos, decorar nomes, aprender o mapa de interesses que move cidades inteiras sem aparecer no jornal.
Foi a educação que tivemos. Matemática de sangue, geografia de fronteiras, história contada por quem sobrevive.
Aos dezoito, o destino acabou o serviço. Meu pai morreu numa noite de inverno, de tanto beber e tão pouco querer viver. Não teve drama. O coração parou. O nosso não.
Assumimos no dia seguinte. Não houve tempo para luto. A Rosa Negra não pode cheirar medo. Se cheira, mata.
— A partir de agora, você fala, é o mais velho. — disse Adônis, no corredor, arrumando a gravata como se fosse um ritual de guerra.
— A partir de agora, você atira. — respondi, pondo o paletó.
— Eu sempre atirei, irmão.
— Então atire melhor.
Éramos dois garotos, mas ninguém precisava saber. Na mesa da organização, aprendi a calar. Adônis aprendeu a ver.
Ele virou meu subchefe, o único que pode me contrariar sem perder os dentes. Viaja muito, negocia, fuma charutos caros em terra estrangeira e volta com alianças presas por fios invisíveis. Eu fico. Assino. Ordeno. Cobro.
Somos diferentes e, por isso, perfeitos para o trabalho. Eu sou a parede. Ele é a porta. Quando alguém deve, eu fecho o cerco. Quando alguém hesita, ele abre caminho por dentro.
Aprendemos cedo que o submundo respeita só duas línguas: dinheiro e medo. Nós falamos as duas com fluência.
Traição não tem segunda chance. Dívida não tem desculpa. Somos frios no que precisa ser frio. Não há poesia em proteger o que você ama quando o que você ama está sentado num trono feito de ameaças. Você faz o que precisa e dorme quando dá.
Somos temidos porque somos simples. Não gritamos, não exibimos, não pedimos aplauso. Mantemos cada coisa no lugar com uma regra: quem julga é o tribunal da máfia, quem executa somos nós. E, se o tribunal hesita, a rua decide, e a rua geralmente concorda conosco.
Então veio a Turquia.
Fechamos um negócio grande lá. Rotas marítimas, contêineres, nomes que nenhum policial com carreira quer pronunciar em público. Adônis foi, como sempre. Parte do trabalho dele é apertar mãos que eu prefiro manter longe.
— Uma semana — disse ele, antes de embarcar — Volto com assinatura e foto de taça.
— Volte com a assinatura. A taça você pode quebrar.
Ele riu. Eu não.
Dois dias depois, a ligação: prisão. Não por algo que fizemos, mas porque um figurão local resolveu mostrar poder no lugar errado. O jogo mudou. Processos, fianças, políticos, advogados que trocam de lado como quem troca de camisa.
Adônis ficou preso. Não por muito tempo, mas o suficiente para a cidade ver fragilidade onde não havia. O suficiente para inimigos sorrirem e aliados cochicharem.
E foi aí que começaram as fofocas. Quarenta anos. Solteiro. Sem herdeiros.
— Um homem que manda, mas não tem quem o chame de pai. — ouvi num jantar.
— Uma máfia sem futuro. — sussurrou outro.
Os boatos são como facas finas. Você não morre na primeira, mas sai sangrando.
Comecei a perder alianças que sempre foram certas. Pequenas deserções. Reuniões que viram “vamos remarcar”. A cidade rica onde vivemos funciona com a mesma lógica das vielas, quem parece fraco é devorado.
Eu não sou fraco. Mas percebi que, para alguns, eu parecia. E percepção, no nosso mundo, vale mais que verdade.
Afastei pessoas. Mergulhei no trabalho. Passei meses sem uma conversa real que não fosse cálculo, rota, nome, preço, risco. O silêncio do meu escritório começou a ter o tamanho da casa inteira. E eu estava bem com isso.
Até o dia em que uma garota pequena, com fogo nos olhos, rompeu esse silêncio como se fosse uma janela.
A porta abriu mais forte do que deveria. Dois dos meus homens se prepararam para agir, mas eu levantei um dedo.
— Deixem. — Eu queria ver até onde ia a coragem dela.
Ela caminhou até a mesa. Os saltos soaram como tiros certos. O rosto… bonita, sim, mas nem era isso. Era a raiva. Era a coragem errada enfiada num terno de luxo que nunca viu o lado feio da cidade.
— O senhor é Apolo Darko? — perguntou, prendendo a respiração para não tremer.
— Sou. E você?
— Avery Masi.
Reconheci o sobrenome. O pai devia. O pai mentiu tempos demais. O pai brincou com o tipo de fogo que não perdoa.
— Você não tinha horário marcado. — falei.
— Eu não preciso de horário pra pedir o que vim pedir.
— E o que você veio pedir?
— Tempo.
Sorri de canto. Não de deboche. De reconhecimento. “Tempo” é a palavra mais cara que existe.
— Seu pai teve dois anos.
— Eu sei. — Ela fechou as mãos — Eu não sabia de nada até ontem. Não estou aqui para defender o erro dele. Estou aqui para pedir uma chance. Mais de uma semana… duas. O suficiente para…
— Avery, não sou um banco.
— Eu sei que não é um banco. — Ela mordeu a própria pressa, como quem segura a língua para não perder a cabeça — Por isso vim pessoalmente. O senhor não precisa de promessas. Precisa de garantias. Eu posso dar uma.
Fiquei calado. A forma como ela me olha suplicando pelos pais me faz querer abrir um sorriso.
Apolo
Gosto de ver como as pessoas preenchem o vazio entre uma pergunta e outra. É ali que a verdade costuma aparecer.
— E qual garantia você acha que tem? — perguntei, por fim.
— Tudo o que sou. Tudo o que tenho. Posso vender tudo.
— Não é muito.
— É honesto.
Eu não rio fácil. Mas um músculo do meu rosto ameaçou.
Avery Masi, vinte e quatro anos, perfume caro, mão fina, brinco que compra um carro, oferecendo “tudo o que é e tem” como se o mundo ainda fosse a sala da casa dela.
E, mesmo assim, havia algo nela que não era ingênuo. Era coragem. Coragem não se compra. Coragem se treina no fogo ou nasce com o sangue.
— Por que se meter? — perguntei — Seu pai fez escolhas. O problema não é seu.
— Porque ele é meu pai. E porque eu não vou deixar que a minha mãe morra de medo. Se o problema é meu ou não isso só cabe a mim.
— Morrer de medo ainda é morrer.
— Então me diga como impedir.
A honestidade dela me interessou. Não a beleza. Não o sobrenome. A honestidade.
— Sente-se. — apontei para a cadeira.
Ela não sentou. Ficou de pé, que nem um animal pronto pra lutar até cansar.
— Prefere ficar em pé, então fique. — inclinei a cabeça — O que você sabe sobre mim?
— Que o senhor é o chefe da Rosa Negra.
— Isso qualquer jornal sussurra.
— Que o senhor não perdoa traições. Nem dívidas.
— Correto, garotinha.
— Que o senhor é frio.
— Só quando é necessário.
— E que… — ela hesitou, e aí eu vi o rumor na ponta da língua — e que alguns dizem que o senhor é…
— Diga. — me inclinei para frente.
— Fraco.
Podia ter mandado tirarem ela do meu escritório pela janela. Mas eu prefiro palavras que doem mais devagar.
— Quem disse isso não me conhece. — respondi — E, se conhece, não fala duas vezes.
Ela respirou fundo. Nos olhos, orgulho e medo lado a lado.
— Então me diga o que fazer para que o senhor não mate a minha família.
— Você acha que eu disse isso?
— Os homens que vieram à minha casa tinham a rosa negra tatuada no pescoço. Disseram que o chefe deu uma semana. Depois disso… — a voz falhou — depois disso, a cobrança seria de outro jeito.
Eu conheço meus homens. Não falam o que não podem cumprir. Também conheço o pai dela. Gastou o que não tinha para sustentar o teatro de quem não aceita o fim. A cidade é cheia de pais assim.
— Uma semana. — confirmei.
— Eu estou pedindo duas.
— E o que você dá em troca?
— Minha palavra.
— Palavras são baratas, Avery.
— Então me cobre com algo mais caro.
Ela me provocou e, por um segundo, gostei da ousadia. A sala ficou quieta. O relógio marcou um minuto comprido. Eu ouvi minha própria cabeça trabalhar.
Quarenta anos. Solteiro. Sem herdeiro.
Um irmão preso fora do país, alianças se desfazendo, inimigos sorrindo para os lados. O submundo entende símbolos. Não importa o que você é, importa o que você mostra.
Um chefe da máfia sozinho cheira a fim de linha. Um chefe da máfia casado cheira a continuidade. A mesa de negociações presta mais atenção quando vê uma família atrás do nome. Alguns vão sorrir com nojo, outros com respeito, mas todos vão olhar diferente.
E eu preciso que olhem diferente. Preciso fechar portas que a fofoca abriu.
Olhei para Avery. Vi a vida limpa de alguém que acredita que a verdade pode resolver qualquer coisa. Vi também um caminho. Não era justo com ela. Mas nada no meu mundo é justo. É o meu mundo, não o dela. Eu só estava oferecendo uma ponte por cima do abismo que o pai dela cavou.
— Você sabe o que as pessoas andam dizendo sobre mim? — perguntei, cortando o ar.
— Eu não ligo para fofocas.
— Eu ligo quando elas custam dinheiro. Falam que sou fraco. Falam que, aos quarenta, não tenho esposa, não tenho herdeiro, e que a Rosa Negra vai morrer quando eu e meu irmão morrermos.
— O senhor não precisa provar nada para ninguém.
— No meu trabalho, tudo é prova. Todo dia. Aqui não é um leão por dia, é a porra da Savanna inteira.
Ela calou. O olhar pendeu uma fração, como quem entende que está pisando em gelo fino.
— Eu posso resolver sua dor e você resolve a minha. — falei, enfim.
Ela ergueu o rosto. Não entendeu de primeira. Ninguém entende de primeira uma proposta que muda a própria vida.
— Como… assim?
— Sua família me deve. Eu não confio em promessas. Não confio no seu pai. Mas vi você entrar aqui e queimar. A coragem me interessa. E preciso de uma esposa.
— Uma… — ela engoliu — esposa?
— De fachada, se preferir esse consolo.
— Por quê?
— Porque o mundo olha diferente para um homem casado. Porque alianças se arrumam. Porque herdeiros deixam inimigos inquietos. Porque a fofoca cala.
— E eu… seria o quê? Um remédio para boatos?
Eu a encarei. Ela não desviou. Isso é raro.
— Você seria a ponte que impede a queda da sua família. — respondi — E, em troca, lhe dou algo que você nunca conseguiria em dois anos de lágrimas. Segurança.
— E o que isso envolve?
— Um contrato. Termos claros. Regras claras. Você não pergunta do lado de fora da mansão. Você não questiona minhas decisões. Eu mantenho sua família como vivia. Esqueço a dívida.
— O senhor está falando sério?
— Eu não perco tempo brincando.
Avery respirou como se o ar tivesse ficado mais pesado. Olhou ao redor, como se estivesse procurando a antiga vida dentro do meu escritório. Ela não estava ali. Nunca esteve.
— Eu não… — ela parou — eu não conheço o senhor.
— Vai conhecer.
— E se eu disser não?
— Você não tem tempo para dizer não.
Na minha cabeça, o quadro já estava pronto, um casamento calculado, um anel na mão certa, fotos que valem alianças, convites que valem contratos. Um escudo. Eu preciso de um. Ela precisa de um milagre.
Isto aqui é o mais perto que duas necessidades chegam de se chamar destino.
Ela abriu a boca, fechou. Os olhos marejaram, mas não caíram. Orgulho. Respeito. Medo. Tudo ao mesmo tempo. Eu conheço esse misto. É assim que a vida verdadeira se apresenta.
Inclinei o corpo para frente mais uma vez, deixei que a frase caísse inteira, sem pressa, como se fosse um veredito:
— Eu perdoo a dívida dos seus pais, se… você aceitar se casar comigo.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!