Elena Duarte (23 anos)
Espanhola, natural de Madrid.
Filha única de uma família humilde e amorosa.
Estudante de Medicina, bolsista.
Trabalha para custear despesas pessoais e ajudar os pais.
Tem um coração bondoso, é empática e gentil, mas determinada.
A sua inocência e força interior atraem Dante de uma forma que o desconcerta...
O sol de Madrid entrava tímido pelas persianas do quarto, pintando o rosto de Elena Duarte com tons dourados. Ela despertou antes do despertador, como fazia sempre, acostumada à rotina que não perdoava atrasos. O quarto era pequeno, mas cada canto carregava a doçura da sua história livros empilhados ao lado da cama, cadernos coloridos com anotações da faculdade, e uma fotografia dos pais sorrindo, tirada num parque há muitos anos.
Elena espreguiçou-se lentamente, respirando o ar fresco da manhã. Havia algo de leve em seu olhar, uma esperança silenciosa que nunca a abandonava, mesmo nos dias mais difíceis. A vida nunca lhe oferecera facilidades, mas ela tinha aprendido a fazer do pouco, o bastante.
Na cozinha, o cheiro de café fresco e pão aquecido enchia o ar. Maria, sua mãe, já estava de avental, mexendo distraidamente na frigideira. O pai, Joaquim, lia o jornal, com os óculos escorregando pelo nariz.
Bom dia, minha menina "disse a mãe, abrindo um sorriso que parecia iluminar o pequeno espaço". Dormiste bem?
Dormi, sim, mamá. "Elena beijou-lhe o rosto e sentou-se à mesa". Hoje tenho estágio no hospital depois das aulas.
O pai olhou por cima do jornal, observando-a com o mesmo orgulho de sempre.Não te esqueces de comer direito, Elena. Trabalhas demais.
Ela sorriu, tocando a mão dele com carinho.
Prometo que como, papá. Só mais um pouco de paciência, está bem? Quando terminar o curso, tudo vai melhorar.
Os dois trocaram um olhar cúmplice. Desde pequena, Elena fora o centro do pequeno universo daquela família, a filha única, a menina sonhadora que queria ser médica para ajudar os outros. E, mesmo com o orçamento apertado, os pais nunca deixaram faltar o essencial: amor, segurança e fé no futuro.
Depois do café, Elena vestiu o uniforme simples da cafetaria onde trabalhava pela manhã. Antes de sair, o pai beijou-lhe a testa.
Deus te acompanhe, mi niña.
Ela sorriu, e o coração apertou. Aquela benção diária era o amuleto que a sustentava em meio à correria da vida.
Enquanto Elena enfrentava as ruas movimentadas de Madrid, em outro ponto da cidade, o som dos sapatos ecoava sobre o mármore frio do edifício Moreau Enterprises.
O dono daquele império, Dante Moreau, caminhava com passos firmes e expressão impenetrável. Aos trinta e cinco anos, ele era o retrato da perfeição que o mundo corporativo venerava: elegante, calculista, imune às distrações.
Dante Moreau (35 anos)
CEO de uma grande empresa internacional.
Vive em Madrid, mas tem origem francesa.
Pai solteiro de Theo, abandonado pela mãe do menino quando ele tinha apenas 3 meses.
Frio, reservado e controlador, especialmente com quem entra na sua casa.
Não acredita em amor, mas sente-se inexplicavelmente atraído por Elena.
No entanto, por trás do terno impecável e dos olhos cor de tempestade, havia um vazio que o sucesso não conseguia preencher.
O mundo o via como um homem completo, mas poucos sabiam que as madrugadas de Dante eram longas e silenciosas demais.
Desde que a mãe do seu filho o deixara — desaparecendo sem aviso, sem uma palavra sequer ,ele passara a acreditar que o amor era um luxo frágil, uma armadilha disfarçada de promessa.
O único ser capaz de arrancar-lhe um sorriso era Theo, o filho de dois anos que herdara o mesmo olhar cinzento, mas doce e curioso. Ainda assim, até aquele laço lhe parecia às vezes um lembrete doloroso do que perdera.
Theo Moreau (2 anos)
Filho de Dante.
Doce, curioso e carente.
Cria uma ligação imediata com Elena.
Naquele dia, Dante observava o mundo pela janela panorâmica do seu escritório. Lá embaixo, a cidade fervilhava de vida, mas ele permanecia imóvel, distante, como se algo o separasse do resto.
Senhor Moreau, os relatórios estão prontos informou a secretária, entrando discretamente.
Ele assentiu, sem desviar o olhar da paisagem.
Deixe-os sobre a mesa. E peça à agência doméstica que envie alguém confiável. Theo precisa de atenção constante.
A mulher hesitou.
O senhor quer... outra babá?
Quero alguém eficiente "respondeu ele, frio". Que saiba o que está a fazer e que não fale demais.
A porta se fechou, e o silêncio voltou a preencher o espaço. Dante respirou fundo, como quem tenta conter um cansaço que não se explica.
Talvez fosse a solidão. Ou talvez o peso de tentar ser tudo, pai, empresário, guardião de um império ,e ainda assim sentir-se incompleto.
Enquanto isso, Elena corria entre mesas, equilibrando bandejas e sorrisos. O trabalho no café era exaustivo, mas ela nunca reclamava.
Os clientes habituais gostavam dela pela doçura, pela gentileza no olhar.
Quando o relógio marcava o fim do turno, ela trocava o avental pelo casaco, apanhava o autocarro e seguia direto para a faculdade.
As aulas eram longas, e muitas vezes ela chegava em casa tarde, com o corpo cansado, mas o coração cheio. Cada dia era uma vitória silenciosa um passo mais perto do diploma, um sonho que parecia, aos poucos, tornar-se real.
Numa noite de sexta-feira, ao chegar à sala de aula, encontrou Clara, uma colega de curso, distribuindo folhetos coloridos.
Elena! "chamou a amiga, animada". Olha isto! Estão a contratar pessoal para serviços domésticos num bairro nobre. Pagam bem e é por tempo indeterminado.
Elena pegou o panfleto e leu com atenção.
“Procura-se funcionária responsável e discreta para serviços de limpeza e apoio doméstico. Mansão Moreau, zona norte de Madrid.”
Mansão Moreau… "murmurou". Já ouvi falar desse nome.
Claro, é o do empresário Dante Moreau. Dizem que é exigente, mas paga uma fortuna respondeu Clara, rindo. Só não sei se tem paciência para um patrão assim.
Elena riu também, embora o olhar dela ficasse preso nas letras do papel.
Um emprego fixo. Um salário melhor. Talvez fosse o que precisava para aliviar o peso nos ombros dos pais.
Naquela noite, ao chegar a casa, contou a novidade durante o jantar.
Mamá, papá… apareceu uma oportunidade de trabalho. A voz dela tinha um tom esperançoso. É numa casa grande, em Madrid mesmo. Acho que posso tentar.
Os pais trocaram um olhar preocupado.
Filha, não é perigoso? perguntou a mãe, com o semblante tenso. Esses lugares de ricos… às vezes as pessoas não tratam bem os empregados.
Elena segurou a mão dela.
Eu sei, mamá. Mas é só limpeza. E posso continuar a estudar. Vai ajudar muito aqui em casa.
O pai respirou fundo, pensativo.
Se é o que queres, estamos contigo. Só promete que terás cuidado.
Ela sorriu, abraçando os dois.
Prometo.
E naquela noite, deitada no seu pequeno quarto, Elena olhou para o teto com o coração acelerado.
Havia uma sensação estranha no ar como se algo novo estivesse prestes a acontecer.
Ela não sabia explicar, mas sentia.
O destino, às vezes, começava nas decisões mais simples.
E, naquele momento, sem imaginar o quanto sua vida estava prestes a mudar, Elena Duarte adormeceu sonhando com o futuro enquanto, do outro lado da cidade, Dante Moreau pensava em quem seria a nova mulher que cruzaria o portão da sua mansão.
Dois mundos diferentes.
Duas almas prestes a se encontrar.
Dante...
Há dias em que o silêncio da minha casa é tão alto que chega a doer.
A mansão é grande demais, fria demais, e cada passo ecoa como um lembrete de que aqui só restam eu, o meu filho e as sombras do passado que insistem em ficar.
Trocar de babás tornou-se uma rotina desgastante, um ciclo que repete a mesma decepção com rostos diferentes. Elas chegam com promessas de dedicação, de cuidado, mas bastam poucos dias para mostrarem o que realmente procuram conforto, status, uma forma de se aproximar de mim.
Não passam de turistas em um palácio que não lhes pertence.
Lembro-me de uma em particular, Lucía, jovem, bonita, olhar cheio de intenções disfarçadas. Passava as tardes sentada à beira da piscina, com o celular na mão, tirando fotos como se o cenário fosse dela. Theo, por vezes, ficava brincando sozinho com os brinquedos espalhados pelo jardim, enquanto ela postava sorrisos falsos nas redes sociais.
E quando eu chegava em casa, o teatro começava.
De repente, tornava-se a mulher perfeita: braços abertos, voz suave, e aquele sorriso ensaiado de quem tenta encantar.
Chamava o meu filho de “meu amorzinho” e olhava para mim como se eu fosse o próximo troféu a conquistar.
Despedida.
Foi o que aconteceu na manhã seguinte.
Desde então, perdi a paciência com aparências. Eu não quero mulheres que confundem responsabilidade com oportunidade.
Não quero ninguém que entre aqui a fingir que entende o que é ser mãe, ou que veja no meu nome um passaporte para uma vida confortável.
Theo não precisa disso.
Eu também não.
Mas a verdade é que não consigo estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Sou o chefe de uma empresa que exige tudo de mim, e ainda assim sou pai de uma criança que exige mais, não com palavras, mas com o olhar inocente de quem sente falta de algo que eu não posso dar.
Carinho. Tempo. Doçura.
E é por isso que Dona Esmeralda continua ao nosso lado.
Ela foi a mulher que me criou, a que me ensinou o que é amor, mesmo quando eu não queria ouvir.
Hoje, o tempo já pesa sobre ela. Os cabelos, antes negros, estão prateados; as mãos tremem um pouco, e ainda assim, ela insiste em cuidar de Theo como se fosse seu próprio neto.
O menino precisa de companhia, Dante disse-me ela há alguns dias, com a voz suave, porém firme. Eu já não tenho o mesmo fôlego de antes.
Ela tem razão.
Mas contratar outra babá tornou-se quase um pesadelo.
Hoje, pela manhã, pedi à agência que enviasse uma nova candidata.
Sem pressa "avisei". Quero alguém discreta, responsável e... diferente.
A secretária hesitou antes de responder:
Diferente em que sentido, senhor Moreau?
“Diferente de todas as outras”, pensei.
Mas não disse isso. Apenas assenti e encerrei a conversa.
Agora, enquanto olho pela janela do meu escritório, observo o jardim onde Theo brinca com Esmeralda. Ele ri alto, correndo atrás de uma bola que quase é maior do que ele. Aquele som é o único que realmente dá vida a esta casa.
Ele precisa de mais do que eu posso oferecer "murmuro para mim mesmo".
Às vezes, penso que falhei. Não como empresário, mas como homem.
A mãe dele foi um erro que eu jurei não repetir. Linda, encantadora, mas vazia por dentro.
Ela me deixou com uma ferida e um filho nos braços.
Desde então, fechei as portas. Todas.
Mais tarde, durante o jantar, Esmeralda insistiu no assunto. Ouvi dizer que uma jovem nova vai vir trabalhar cá.
Ainda não decidi "respondi". Primeiro quero conhecê-la.
Conhecê-la? "ela arqueou a sobrancelha, sorrindo com malícia". Ou testá-la, como sempre fazes?
Dei um meio sorriso.
Testar é uma palavra justa.
Ela abanou a cabeça.
Um dia ainda vais encontrar alguém que te faça esquecer essa mania de controlar tudo.
Não é mania, Esmeralda. É autopreservação.
Ela suspirou, servindo mais sopa para Theo.
Às vezes, proteger demais é uma forma de te afastar daquilo que mais precisas, Dante.
Olhei para o meu filho, sentado na cadeira alta, rindo com a colher na mão, e senti algo apertar-me o peito.
Talvez ela tivesse razão.
Depois que o pequeno dormiu, subi ao meu escritório.
O relógio marcava quase meia-noite, e ainda havia pilhas de documentos por ler, contratos para revisar, e e-mails que exigiam respostas.
Mas nada disso me distraiu do vazio que pairava no ar.
A casa parecia respirar sozinha.
O silêncio era denso, quase físico.
Peguei num copo de whisky e sentei-me no sofá, deixando o olhar perder-se nas chamas da lareira.
Quantas mulheres haviam passado por aqui? Dez? Talvez mais.
Todas diferentes, e todas iguais.
Algumas tentaram usar o filho como ponte, outras o charme, o perfume caro, os risos forçados.
E eu vi tudo, cada gesto, cada olhar, e deixei-as ir.
Não quero mais fingimentos.
Não quero mulheres que confundem cuidado com conquista.
Talvez eu esteja a pedir demais alguém simples, discreta, que apenas cumpra o trabalho e trate o meu filho com o carinho que ele merece.
Mas se existe alguém assim, ainda não a encontrei.
Dona Esmeralda...
Vi Dante crescer, e vi também a muralha que ele ergueu em volta de si.
Por fora, parece aço.
Por dentro, é apenas um homem cansado, a lutar contra os próprios fantasmas.
Quando ele fala da mãe do menino, o olhar muda. Endurece, como se o passado ainda o queimasse.
Mas o que ele não percebe é que o pequeno Theo sente essa ausência. A criança sente sempre, mesmo que o adulto finja que está tudo bem.
Eu já não tenho forças como antes, e por isso rezo todas as noites para que Deus traga alguém de coração limpo para esta casa.
Alguém que devolva um pouco de luz àquele menino… e talvez também ao pai.
Talvez essa nova rapariga, quem quer que seja, seja essa resposta.
Dante...
Fecho os olhos por um momento, e ouço o eco distante das gargalhadas do meu filho no andar de cima.
Ele dorme tranquilo, protegido.
Mas eu sei… um homem não protege apenas com muros, mas com a verdade que constrói à volta dos que ama.
O problema é que eu já não sei o que é amor, nem como ele começa.
Talvez venha disfarçado.
Talvez já esteja a caminho.
A agência ligou há pouco. Disseram que encontraram alguém.
Uma jovem, estudante, trabalhadora, perfil exemplar.
Aceitei a entrevista.
Mas desta vez, não direi que é para cuidar do meu filho.
Quero vê-la primeiro, observar. Quero saber se é autêntica antes de colocá-la perto daquilo que mais prezo neste mundo.
Não confio facilmente e, sinceramente, já nem sei se quero confiar.
Mas algo dentro de mim, uma voz quase esquecida, sussurra que talvez…
Desta vez…
Seja diferente.
Dante Moreau...
Não sei o que me fez aceitar essa entrevista pessoalmente.
Normalmente, deixo que a agência resolva tudo: eles enviam os currículos, fazem as seleções, filtram as candidatas. Eu apenas aprovo ou recuso.
Mas desta vez… não sei explicar. Algo no tom da voz da secretária quando descreveu a nova candidata “jovem, estudante, esforçada” despertou uma curiosidade que eu não queria admitir.
Passei a manhã no escritório, revisando relatórios, mas o pensamento insistia em voltar à entrevista.
Talvez fosse apenas o cansaço, ou o hábito de esperar o pior.
Mulheres simples, humildes, muitas vinham com o mesmo discurso: “preciso do trabalho, senhor Moreau”, e logo depois, vinham as fotos na piscina, o perfume exagerado, o olhar insinuante.
Não queria mais isso.
Não queria mais ninguém a fingir.
A campainha tocou exatamente às dez horas.
Pontual.
Levantei-me, ajeitando o casaco do terno, e desci as escadas em silêncio. O som dos meus passos ecoava no mármore do corredor.
Esmeralda já estava na entrada, recebendo a visitante.
Senhor Moreau, esta é Elena Duarte, disse ela, com aquele tom maternal que usava quando queria que eu fosse “mais humano”.
A jovem virou-se para mim, e por um instante, o tempo pareceu abrandar.
Ela era diferente.
Não no sentido banal da palavra, não tinha o charme ensaiado, nem o brilho artificial que eu via em tantas outras.
Tinha algo genuíno. Os olhos castanhos esverdeados, grandes e curiosos, refletiam nervosismo e, ao mesmo tempo, determinação.
Os cabelos castanhos caíam sobre os ombros num desleixo bonito, e as mãos, mesmo trémulas, mantinham-se firmes sobre a bolsa.
Bom dia, senhor Moreau. "disse ela, com a voz suave, mas segura". É um prazer conhecê-lo.
Havia uma melodia na forma como pronunciou o meu nome.
Olhei-a por alguns segundos sem responder. Era um hábito, observar antes de falar. A maioria das pessoas revelava muito mais no silêncio do que nas palavras.
Sente-se, senhorita Duarte. Apontei para o sofá da sala.
Ela obedeceu, pousando a bolsa no colo. Mantinha a postura ereta, o olhar atento, e o leve rubor nas faces denunciava o nervosismo.
Sentei-me à frente dela, cruzando as pernas, estudando-a com o mesmo cuidado que eu analisaria um contrato.
Mas, por alguma razão, era diferente.
Não se tratava de um documento, e sim de uma presença que me desarmava aos poucos, sem que eu percebesse como.
A agência informou que tem experiência em trabalhos domésticos.
Sim, senhor. Trabalhei em cafés, restaurantes e algumas casas particulares. "respondeu, mantendo o olhar firme". Nunca tive problemas com os patrões. Gosto de trabalhar, de manter as coisas organizadas.
E por que quer este emprego?
Ela respirou fundo. Porque preciso. Estou a estudar medicina, e a bolsa cobre apenas parte das despesas. Quero ajudar os meus pais e continuar a estudar sem lhes pesar.
A sinceridade dela caiu sobre mim como um golpe suave.
Nenhuma dramatização, nenhuma tentativa de me comover. Apenas verdade.
Medicina. "Repito devagar, tentando esconder o interesse". É um curso exigente.
É o meu sonho "disse, com um pequeno sorriso". Sei que é difícil, mas nada na minha vida foi fácil, senhor Moreau. E não pretendo desistir agora.
As palavras dela tocaram algo em mim, uma lembrança talvez, de quando eu também acreditava que esforço era suficiente para vencer o mundo.
Mas o mundo é cruel. E bonito demais, às vezes, para ser justo.
Cruzei as mãos sobre o joelho, observando-a.
A mansão é grande. O trabalho exige discrição, pontualidade e disciplina.
Entendo.
E exige também respeito pelos limites. O tom da minha voz saiu mais frio do que eu pretendia. Não tolero curiosidade, nem intimidade desnecessária.
Ela pareceu surpreender-se, mas não recuou. Está claro, senhor Moreau. Eu sei o meu lugar.
Houve um instante de silêncio.
E nesse instante, vi a forma como ela respirava fundo antes de responder, o olhar sereno que não desafiava, mas também não se submetia.
Era... raro.
Está disposta a começar de imediato? perguntei, quebrando o silêncio.
Sim, senhor.
O trabalho inicial será simples: manutenção e organização das áreas principais. Quero ver como se adapta, como se comporta.
Ela assentiu, sem fazer perguntas.
Não sabia e eu não pretendia dizer, que era apenas uma fase de teste, antes de decidir se poderia confiar nela para cuidar de Theo.
Levantei-me. Ela imitou o gesto, um pouco tensa. Pode apresentar-se amanhã às oito. Fale com Dona Esmeralda, ela mostrará o que precisa de fazer.
Obrigada, senhor Moreau. O sorriso que me deu foi breve, discreto, mas por alguma razão, ficou preso em mim.
Acompanhei-a até à porta.
Quando ela passou por mim, senti um perfume leve, algo entre flores e sabão simples, mas genuíno. Nada de notas caras ou exageradas.
Era o tipo de aroma que lembrava coisas que eu tinha esquecido sentir.
Ela despediu-se com um “até amanhã”, e eu apenas assenti.
Fechei a porta, mas fiquei por alguns segundos parado ali, em silêncio, olhando o chão de mármore.
Algo em mim estava diferente.
Mais tarde, Esmeralda entrou na sala, com aquele sorriso que sempre significava “eu sei o que estás a pensar”.
Então?
Está contratada "respondi", seco.
Achaste-a competente?
Achei-a... "hesitei". Diferente.
Esmeralda riu baixinho.
“Diferente”, o teu elogio preferido.
Não respondi.
Caminhei até a janela e olhei para o jardim. O vento agitava as folhas, e o som suave fazia a casa parecer menos vazia.
Por que aquela jovem me deixara inquieto?
Não era beleza já tinha visto o suficiente para não me impressionar com isso.
Era algo mais. Uma calma, uma leveza que contrastava com o peso constante da minha vida.
Era como se ela não precisasse provar nada.
E talvez fosse exatamente isso o que me desconcertava.
Porque, pela primeira vez em muito tempo, senti vontade de acreditar em alguém.
Quando subi para ver Theo, ele dormia com o urso de pelúcia nos braços. Sentei-me na beira da cama e fiquei a observá-lo por alguns minutos.
Talvez esta seja a certa, meu pequeno murmurei. Ou talvez eu esteja apenas a enganar-me outra vez.
Apaguei a luz e saí do quarto, mas a imagem de Elena Duarte, o olhar calmo, a voz firme, o perfume leve não me abandonou.
E, sem perceber, dei por mim a esperar pelo amanhã.
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