Amor e Sangue Real
1.
As portas do salão ecoaram como um trovão quando se abriram.
O som atravessou meu peito como uma sentença.
Diziam que o castelo dos D’Arden jamais via o sol e, quando entrei, entendi por quê. Tudo ali parecia feito de sombra: os vitrais eram vermelhos, as colunas negras, e até o ar tinha gosto de ferro e mistério.
Do trono, ele me observava.
Ender D’Arden. O Senhor da Noite.
O vampiro com quem meu reino havia assinado a paz e o ser ao qual eu seria entregue como oferenda.
Meus joelhos ameaçaram ceder, mas eu mantive a postura. Um príncipe não deve tremer, mesmo diante de um monstro.
Mesmo que esse monstro tenha olhos tão profundos que te fazem esquecer o medo.
Ender D'Arden
Príncipe Milo Valen, *a voz dele soou baixa, grave, aveludada*
Ender D'Arden
Então é você quem o rei humano me envia em troca de cem anos de paz.
Assenti, tentando falar, mas a garganta não me obedeceu.
Ele se levantou. Tão alto que o mundo pareceu menor.
Quando deu um passo à frente, as luzes das tochas dançaram sobre seu rosto belo demais para ser real, frio demais para ser vivo.
Ender D'Arden
Você tem o cheiro… de luz *murmurou ele*
Aproximando-se, o olhar preso nos meus lábios.
Senti o ar desaparecer entre nós.
Ender D'Arden
E a coragem de um cordeiro.
A ponta dos dedos dele roçou meu queixo, num toque leve, quase curioso.
Ender D'Arden
Diga-me, príncipe… você sabe o que acontece quando a luz aceita ser devorada pela escuridão?
Não consegui responder. O coração batia tão alto que parecia o único som no salão.
Os olhos dele ardiam em um vermelho profundo, e por um instante, juro que senti não medo, mas outra coisa. Algo quente, perigoso, que subia pela minha pele.
Ender D'Arden
Então aprenderá *sussurrou Ender*
Ender D'Arden
Sob o meu teto, o sol se curva à noite.
2.
Fui levado pelos corredores longos do castelo, ladeados por tochas que queimavam com chamas azuladas. O som dos meus passos parecia o único sinal de vida naquele lugar.
Servos de olhos pálidos me observaram em silêncio. Nenhum deles falava apenas se curvavam e desapareciam nas sombras. Eu era uma presença viva demais entre mortos.
Quando cheguei aos aposentos que me haviam sido designados, uma criada depositou uma veste escura sobre a cama e murmurou:
Katherine(Criada)
Ele prefere que use isso no jantar.
“Ele.” Nenhum nome precisava ser dito.
Vesti o tecido macio e pesado, sentindo o frio do castelo atravessar até minha pele.
Os espelhos eram cobertos por panos pretos, e as janelas, lacradas. Era como se o sol não existisse mais.
E, por um momento, eu desejei vê-lo de novo.
O salão do banquete estava vazio, exceto por ele. Ender D’Arden estava sentado à cabeceira, cercado por velas altas e taças de cristal com líquido escuro.
Quando me viu entrar, ergueu o olhar e o ar pareceu se curvar ao redor dele.
Ender D'Arden
A veste lhe caiu bem *disse com calma*
Mas o olhar pousou outra vez nos meus lábios, demorando um segundo demais.
Ender D'Arden
Você parece feito para este castelo.
Milo Valen
Eu... não tenho certeza se isso é um elogio *murmurei, tentando soar firme*
Ender sorriu, e foi como ver uma fera domesticando o próprio instinto.
Ender D'Arden
É o mais próximo de um que ofereço.
Ele gesticulou para que eu me sentasse.
Eu obedeci, sentindo o olhar dele me seguir a cada movimento.
Ender D'Arden
Dizem que príncipes humanos são frágeis *começou*
Ender D'Arden
Mas há algo em você… diferente.
Ele se inclinou um pouco, os olhos brilhando à luz das velas.
Ender D'Arden
Você parece… real. E eu não estou acostumado com o que é real.
Havia algo nos olhos dele que não era fome, era curiosidade.
Uma espécie de fascínio silencioso que me deixou preso ali, sem conseguir desviar o olhar.
Ender D'Arden
Não tema, Milo Valen. Eu não tomo o que é dado à força.
Uma pausa. O rubi do anel dele refletiu a luz, como se ardesse.
Ender D'Arden
Mas se um dia você me pedir... não haverá volta.
3.
A primeira noite no castelo não foi feita de sono.
O silêncio era tão profundo que eu podia ouvir meu próprio coração bater alto, apressado, como se quisesse me lembrar de que eu ainda era humano.
As cortinas eram pesadas, bloqueando qualquer traço de luz. O ar cheirava a madeira antiga e algo doce… vinho, talvez. Ou sangue.
Virei-me na cama, tentando encontrar paz, mas a sensação de estar sendo observado nunca me deixou.
Um som quase imperceptível, como o farfalhar de asas.
Você dorme inquieto, príncipe.
Meu corpo gelou. Ender estava ali, parado na sombra do batente da porta, o olhar ardendo como brasas.
Ele não fazia barulho algum ao se mover.
apenas aparecia, como se o escuro o trouxesse.
Ender D'Arden
Perdão… não quis assustá-lo. *a voz era suave demais para quem era chamado de monstro*
Milo Valen
Você... sempre aparece assim? *perguntei, forçando um tom leve*
Ender D'Arden
Apenas quando o coração que ouço não me deixa em paz.
Meus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra saiu. Ele se aproximou, passo a passo, até que o quarto pareceu pequeno demais para conter sua presença.
Ender D'Arden
O som do seu coração é alto, Milo *Ele inclinou a cabeça, como se escutasse uma melodia*
Por instinto, levei a mão ao peito. Ender seguiu o gesto com os olhos, e por um instante, parecia dividido entre se afastar ou se aproximar ainda mais.
Ender D'Arden
Não precisa temer*Ele se ajoelhou diante de mim, os olhos na altura dos meus*
Ender D'Arden
Eu não me alimento de quem me olha assim.
Milo Valen
Assim como? *sussurrei*
Ele sorriu, um sorriso pequeno, quase triste.
Como se quisesse entender o que sou.
O tempo parou. O som das tochas pareceu desaparecer.
Havia algo nele que não era só frieza, era solidão.
E, sem perceber, a distância entre nós se desfez.
Ender D'Arden
Durma, príncipe *a voz dele baixou, quase um sussurro*
Ender D'Arden
O castelo o ouvirá se sonhar alto demais.
Quando me dei conta, ele já havia desaparecido como se nunca tivesse estado ali.
Mas o ar ainda trazia seu perfume, e o meu coração… ainda batia forte demais.
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