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Minha Querida Presa

Capítulo 1 — O Coração da Noite

O vento frio da madrugada soprava pelos campos de Verdan, trazendo o cheiro úmido da terra recém-regada pela chuva. As colinas ainda brilhavam sob o luar, e eu podia ouvir o som distante dos sinos do castelo — suaves, solenes, como se anunciassem o fim de algo que eu ainda não compreendia.

Me chamo Lilith.

Um nome que sempre pareceu maior do que eu, pesado demais para uma moça simples, filha de camponeses que vivem do trigo e do leite das vacas. Desde pequena, mamãe dizia que ele significava “mulher da noite”, e ria, dizendo que talvez um dia eu entendesse o porquê. Eu nunca entendi. Sempre preferi a luz do sol, os campos dourados e o riso de meu pai quando eu voltava para casa com o avental sujo de barro e flores.

Naquela noite, no entanto, algo me chamava para fora da segurança da fazenda.

Eu havia acordado com um sussurro — um som tão doce que parecia vir de dentro dos meus sonhos. “Lilith…” dizia a voz, arrastada, quase um canto. “Venha…”

Levantei-me devagar, tentando não acordar meus pais. O vento fazia dançar as cortinas rasgadas, e a lua, curiosa, espiava pela janela. Peguei meu xale e saí.

O bosque atrás de casa sempre fora um lugar proibido. Diziam que à noite as sombras tinham vontade própria. Mas havia algo diferente naquela hora. Um silêncio denso, vivo, como se as árvores respirassem comigo.

— Quem está aí? — perguntei, tentando esconder o tremor na voz.

Nenhuma resposta.

Apenas o farfalhar das folhas… e então, olhos. Dois olhos vermelhos, brilhando entre as sombras, como brasas.

Meu corpo inteiro se arrepiou. Dei um passo para trás, mas algo em mim não queria fugir. Era medo — sim —, mas também uma curiosidade amarga, uma força que me prendia àquele olhar.

— Você não deveria estar aqui, doce Lilith. — A voz era grave, suave como seda molhada em vinho. — A noite é um banquete perigoso para quem ainda tem sangue quente.

Senti o coração disparar. O homem saiu das sombras, alto, com a pele pálida como a neve sob o luar. O casaco negro que usava parecia se misturar à escuridão, e o rosto dele… havia algo de triste, antigo, como se tivesse visto mil vidas passarem diante dos próprios olhos.

— Quem é você? — sussurrei.

Ele sorriu, e o sorriso revelou presas — longas, reluzentes, impossíveis de confundir.

— Alguém que deveria te temer — respondeu ele, com uma ironia melancólica. — E, no entanto… não consigo.

O mundo pareceu se calar.

O som dos grilos, o vento, até o bater do meu coração — tudo ficou suspenso naquele instante. Eu sabia o que ele era. Desde criança ouvia histórias sobre criaturas da noite que caçavam em silêncio, seduzindo suas presas antes de beber-lhes a vida.

E mesmo assim…

Mesmo assim, quando ele se aproximou, eu não dei um passo para trás.

— Lilith — ele disse novamente, saboreando cada sílaba do meu nome. — O destino tem um gosto amargo quando brinca conosco.

Ele estendeu a mão, como quem oferece algo proibido.

E eu, uma simples moça do campo, fiz o que jamais deveria ter feito.

Segurei.

O toque dele era frio, mas havia uma chama ali — algo que queimava diferente, um calor que vinha de dentro, misturado a tristeza e fome.

Foi naquele instante que percebi: eu era a caça… e ele, o caçador.

Mas algo me dizia que o jogo acabara de mudar.

E talvez, só talvez…

fosse ele o verdadeiro prisioneiro naquela noite.

Capítulo 2 — O Sabor do Pecado

Narrado por Ele (Esse é o ponto de vista do personagem)

Ela surgiu diante de mim como uma promessa que o tempo havia esquecido de cumprir.

Lilith.

O nome que o vento sussurrava em meus sonhos havia séculos.

A primeira vez que a vi, caminhar entre as névoas do bosque, pensei que fosse um engano. Nenhum ser de luz deveria adentrar o território da noite. Mas então ela olhou para mim — e todo o meu controle, toda a minha eternidade construída sobre o sangue e a solidão, tremeu.

Havia algo naquela moça.

Algo que não era apenas doçura, nem apenas vida.

Era luz — e para mim, que vivi milênios na escuridão, a luz é o maior dos tormentos.

Quando ela pronunciou a pergunta, “Quem é você?”, quase ri.

Quem sou eu? Um fantasma preso à carne, um monstro condenado a desejar o que não pode possuir.

Mas ela me olhava sem medo.

E isso... foi o que mais me destruiu.

Aproximei-me.

Senti o cheiro de sua pele — o calor que subia do pescoço, o pulsar da artéria tão próximo de meus lábios.

O sangue dela chamava o meu nome.

Mas o que queimei por dentro não foi fome, foi vontade.

— Você não deveria estar aqui, doce Lilith — eu disse, tentando afastá-la com palavras que mentiam o que o corpo gritava.

Ela ficou.

E quando sua mão tocou a minha, percebi que a ruína havia começado.

Por um instante, o mundo inteiro silenciou.

A lua parecia observá-la como se também a desejasse.

O vento prendeu a respiração.

E eu… eu me lembrei do que era sentir.

Mas o amor, para criaturas como eu, é uma sentença.

E ela… ela ainda não estava pronta para o peso que o destino já lhe impusera.

Segurei-a firme, o suficiente para gravar o calor dela em minhas mãos frias. Vi o medo e a entrega se misturando em seus olhos — um reflexo perfeito da dualidade que me destrói desde o primeiro nascer do sol.

Ela seria minha.

De um modo ou de outro.

Mas não agora. Ainda não.

Toquei sua têmpora com a ponta dos dedos, deixando um fio de minha essência percorrer sua mente.

Ela piscou, confusa, e murmurou algo que soou como meu nome — um nome que ela jamais deveria conhecer.

— Esqueça-me, pequena luz — sussurrei. — Sonhe apenas com o vento e o luar.

O feitiço desceu suave como um beijo.

Vi seus olhos se apagarem, o corpo relaxar, e a alma se recolher de volta à inocência.

Quando a deixei deitada entre as flores, o mundo pareceu zombar de mim.

O gosto do sangue dela ainda ardia em meus lábios — não porque eu o bebi, mas porque desejei fazê-lo mais do que qualquer coisa.

Ela voltaria para o campo, para os dias dourados e simples.

E eu voltaria para o castelo, para minhas sombras e maldições.

Mas no fundo, eu sabia.

O laço já estava feito.

Lilith podia esquecer o que viu…

Mas eu jamais esqueceria o som do coração dela chamando por mim.

Capítulo 3 — A Fome e a Flor

Narrado por Ele

Cinco noites.

Cinco noites desde que deixei Lilith entre as flores, com o luar repousando sobre a pele dela como um véu sagrado.

Cinco noites desde que jurei a mim mesmo que não voltaria.

E ainda assim, aqui estou… preso à lembrança do toque dela.

Tentei me distrair com o que um monstro pode chamar de rotina:

as caçadas silenciosas nas aldeias distantes, o gosto metálico do sangue sem alma, o frio das paredes de pedra que guardam meu castelo como uma tumba viva.

Mas nada — absolutamente nada — tinha o mesmo sabor.

Toda vez que fecho os olhos, vejo o reflexo dela diante de mim.

Os lábios entreabertos, a respiração trêmula, o coração pulsando como música viva sob a pele.

O som desse coração me persegue, ecoa nos corredores vazios, chama por mim como um feitiço que eu mesmo lancei e não sei desfazer.

Acreditei que era forte o bastante para esquecê-la.

Mas os fortes não lembram o perfume da vítima.

E eu lembrava.

O cheiro dela… doce e quente, misturado à terra úmida e flores silvestres.

Eu o sentia em tudo: na brisa que atravessava as janelas, nas vestes que vestia, no sangue que bebia de outros corpos — e que me enjoava, porque nenhum era dela.

Meu castelo se tornara uma prisão de ecos.

As sombras cochichavam seu nome.

Até o piano, empoeirado pelo tempo, parecia chorar cada vez que meus dedos tocavam as teclas.

No quinto dia, desisti da tortura.

Dei de mim o que restava de resistência e orgulho.

Saí antes que o sol nascesse — a névoa ainda rastejava pelos campos, e a terra respirava aquele aroma úmido que sempre antecede o amanhecer.

Segui o mesmo caminho que a trouxera a mim.

Cada passo parecia mais leve e mais condenado.

Quando o vilarejo apareceu ao longe, o instinto tentou gritar:

Volte.

Mas o coração — o que sobrou dele — sussurrou outra coisa:

Veja-a.

E foi o que fiz.

A observei de longe, escondido entre as árvores.

Lilith estava no campo, com o cabelo preso e um cesto de flores nas mãos. O sol nascia, e os raios douravam tudo ao redor. Ela ria, e o som era tão puro que quase doeu.

Não se lembrava de mim — o feitiço havia funcionado.

Mas ainda assim, quando o vento soprou em sua direção, ela parou.

Ergueu o rosto, como se procurasse algo… ou alguém.

Meu corpo inteiro congelou.

Por um instante, jurei que nossos olhares se cruzaram, mesmo com a distância entre nós.

E então compreendi que o que eu sentia não era apenas fome.

Era destino.

E o destino, uma vez selado, não se desfaz nem com a eternidade.

Eu a deixei ali, sorrindo, viva, intocada.

Mas, ao virar as costas, jurei em silêncio:

— Logo, doce Lilith… logo o tempo deixará de ser obstáculo.

O vento carregou minha promessa.

E a noite, invejosa, sorriu.

A noite caiu pesada, espessa, quase viva.

Os céus se curvaram em nuvens negras, e a lua, tímida, se escondeu como se temesse testemunhar o que eu estava prestes a fazer.

Cinco noites resistindo à lembrança dela.

Cinco noites observando-a de longe, alimentando-me da visão de sua inocência, tentando convencer-me de que o destino podia ser dobrado pela vontade.

Mentira.

Nenhum monstro vence o próprio coração.

Aquela madrugada, o vento carregava o perfume de flores e terra úmida — o mesmo perfume que sempre denunciava onde Lilith estava.

Eu o segui como um louco segue uma voz em sonho.

Quando a encontrei, ela caminhava sozinha entre os campos, uma lamparina nas mãos, o cabelo solto caindo pelos ombros como fios de ouro escuro.

O mundo dormia, mas ela parecia feita para acordar os demônios adormecidos.

Meu corpo reagiu antes da razão.

Aproximei-me em silêncio, o som de meus passos abafado pela grama molhada. Ela parou, virando-se lentamente, e por um instante achei que me veria — que o feitiço finalmente havia se quebrado.

Os olhos dela vasculharam a escuridão.

E, mesmo sem me enxergar, sussurrou:

— Há alguém aí?

A voz dela me partiu.

Doce, curiosa, exatamente como da primeira vez.

— Lilith… — deixei o nome escapar, baixo, quase um gemido.

Ela estremeceu, e a chama da lamparina vacilou.

— Quem… quem está aí?

Não pude mais conter-me.

Surgi à luz da lamparina, e ela ofegou — o medo e algo que ela não compreendia dançando em seus olhos.

— Você… — murmurou, dando um passo para trás. — Eu o conheço?

Ah, se soubesse.

A dor daquele esquecimento me perfurou mais do que qualquer estaca poderia.

— Ainda não — respondi, me aproximando, devagar, como quem teme assustar uma flor selvagem. — Mas deveria.

Ela piscou, confusa, como se o coração lembrasse o que a mente havia esquecido.

E então, hesitante, deu um passo em minha direção.

— Eu… sinto que já ouvi sua voz antes. — A confissão saiu como um sussurro envergonhado. — Em sonhos, talvez.

Sorri, e o gesto me pareceu uma ferida aberta.

— Talvez em sonhos, sim.

Ela ergueu a mão, como se quisesse tocar meu rosto, e foi nesse instante que o controle se rompeu.

Segurei sua mão — com delicadeza, mas com a força de quem lutou contra séculos de vazio.

O calor dela atravessou minha pele fria, incendiando cada parte do que restava de humano em mim.

— Não devia estar aqui — murmurei. — Eu sou tudo o que te disseram para temer.

— E por que não consigo ter medo? — ela perguntou, a voz trêmula, sincera.

A resposta morreu na garganta.

Em vez disso, toquei o rosto dela.

O coração de Lilith acelerou tanto que pude ouvi-lo, um tambor vivo chamando o meu nome.

Senti as presas se projetarem, o instinto rugindo por sangue.

Mas não… não era isso que eu queria.

O que eu queria era ela.

Inteira.

Abaixei o rosto até sentir sua respiração roçar a minha.

A noite segurou o fôlego.

E então, num sussurro rouco, confessei:

— Você me pertence, mesmo sem lembrar. Mesmo sem querer.

Ela não entendeu o que aquelas palavras significavam — e talvez fosse melhor assim.

Porque naquele momento, o destino que eu havia tentado adiar se reergueu, exigindo o que era dele.

Toquei seus lábios com os meus, e o mundo pareceu se dissolver.

O feitiço, a distância, o tempo — tudo se desfez como fumaça ao redor de nós.

Quando me afastei, ela ainda tinha os olhos fechados, o corpo trêmulo, o coração em frenesi.

E então, algo mudou no ar.

Lilith me olhou de novo — e nos olhos dela, brilhou uma centelha.

Reconhecimento.

Ela se lembrava.

Meu nome escapou de seus lábios como um segredo redescoberto.

— Lucien…

Senti o peso de séculos ruir sobre mim.

O destino, enfim, se cumprira.

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