Agatha uma garota de 21 anos e vivia com a avó Rose e a tia Helena desde que seus pais morreram, sete anos atrás em um acidente de carro.
A casa delas era pequena, mas cheia de vida e, para Agatha, o lugar mais seguro do mundo, mesmo que a tia tivesse mania de dar nomes dramáticos às plantas que teimavam em morrer. “Essa é a Morte Sorridente”, dizia Helena, olhando para uma samambaia que mais parecia um monte de fios secos.
Agatha apenas rolava os olhos, mas no fundo adorava essas pequenas esquisitices familiares.
Seu poder havia despertado cedo, aos 12 anos, e desde então sua vida nunca mais fora “normal”.
Ela foi transferida para uma escola de Elemantors, pessoas capazes de manipular elementos e energias de maneiras que a maioria do mundo jamais compreenderia.
Foi lá que conheceu Louise, ambas com 16 anos na época.
O que começou como amizade virou namoro no ano seguinte, e agora, cinco anos depois, elas continuavam juntas, enfrentando o cotidiano com aquela mistura de cumplicidade e pequenas discussões sobre quem esqueceu de lavar a louça pela milésima vez.
Agatha adorava trabalhar na Valthor's Vintage, uma loja de antiguidades no centro da cidade.
A rotina começava cedo: abrir as portas, ligar as luzes que davam um brilho dourado às prateleiras e organizar as pequenas relíquias que insistiam em se acumular de forma caótica. Cada objeto parecia ter personalidade própria: a pequena estátua de bronze no canto quase parecia se inclinar quando alguém entrava; os livros antigos, cheios de páginas amareladas, rangiam como se resmungassem por terem sido esquecidos por tanto tempo.
O primeiro cliente do dia foi um senhor de cabelos brancos que parecia ter saído de um livro de contos antigos. Ele examinava cada objeto com cuidado, tocando-os com reverência e murmurando comentários que Agatha mal conseguia ouvir.
Um leve toque de telepatia revelou fragmentos de seus pensamentos: ele estava solitário, buscando algo que lembrasse a esposa falecida. Quando chegou à seção dos relógios, apontou para um modelo antigo e disse:
— Este aqui marca a hora de outro planeta.
Agatha sorriu discretamente.
— Pois então é o relógio mais pontual que eu já vi.
O homem não riu, mas pareceu satisfeito com a resposta. Agatha sempre soube lidar com pessoas excêntricas, e ali, entre objetos antigos e histórias inventadas, sentia-se no lugar certo.
Logo depois, uma mulher entrou, carregando um gato enorme e peludo, que se enroscou nos tornozelos de Agatha.
— Ele sente a energia das coisas — Explicou a mulher, apontando para uma caixa de joias antigas — e diz que esta caixa é especial.
Agatha apenas acenou com a cabeça.
— Esse gato é esperto.
Enquanto registrava a compra, sentiu um leve formigamento em suas mãos, lembrança de seu poder de telecinese. A caixa tremeluziu discretamente, como se reagisse à sua energia. Algumas peças na loja pareciam quase “vivas” para ela, mas era apenas mais um segredo que guardava para si.
Entre clientes, Agatha aproveitava para reorganizar prateleiras, limpar um pouco de poeira e, quando ninguém olhava, brincar com os objetos. Um pequeno globo de bronze girava sozinho em sua mão, nada perceptível para outros, apenas um leve movimento que ela controlava com cuidado. Ela se perguntava de onde vinha aquela sensação estranha de conexão com coisas que ninguém mais notava. Era seu mundo dentro do mundo curioso, seguro e cheio de pequenas magias.
No meio da tarde, Louise passou pela loja. Não estava de folga, mas tinha alguns minutos antes do expediente terminar. Entrou com aquele sorriso que Agatha adorava: prático, caloroso e cheio de significados que só ela entendia. Antes que Louise falasse uma palavra, Agatha captou uma sensação de leve preocupação misturada com cansaço, um fragmento de precognição, avisando que a noite traria algo inesperado para a namorada.
— E então, alguma relíquia me esperando para contar sua história hoje? Perguntou Louise, aproximando-se do balcão.
— Apenas o globo de bronze, tentando me hipnotizar de novo — respondeu Agatha, rindo levemente. — E alguns clientes que acham que eu posso falar com as coisas.
Louise riu:
— Acho que você pode, sim. Só não me conta nada para não me deixar com ciúmes.
Agatha sacudiu a cabeça, sorrindo. Pequenos momentos como aquele faziam os dias longos parecerem leves.
O resto da tarde passou entre chegadas e partidas de clientes, alguns curiosos, outros sérios demais, e Agatha se movimentava pela loja com naturalidade, organizando livros, exibindo objetos, explicando pequenas histórias, algumas verdadeiras, outras inventadas na hora, apenas para manter o charme da loja. Um jovem entrou, olhando fixamente para um pequeno baú antigo. Telepatia ou intuição, não sabia ao certo, mas Agatha sentiu uma mistura de curiosidade e ansiedade no pensamento dele.
— Ele guarda algum tesouro? — perguntou.
Agatha levantou uma sobrancelha:
— Só se você acreditar de verdade.
O rapaz riu e decidiu levar a pequena caixa de madeira, satisfeito com a ideia de possuir um “tesouro imaginário”.
Quando o relógio da loja marcou o fim do expediente, Agatha começou a fechar o local, arrumando os últimos detalhes e verificando se nada havia sido esquecido. O dia tinha sido longo, mas satisfatório. Cada cliente deixava uma história para trás, e cada objeto parecia ter cumprido seu papel. E, enquanto trancava a porta, sentiu aquela pontada de inquietação familiar: algo estava prestes a mudar, e ela sentia isso em cada fibra do corpo. Uma pequena visão, quase imperceptível, passou diante de seus olhos, uma sombra de eventos que ainda estavam por vir, e Agatha não pôde evitar um arrepio.
No caminho de volta para casa, Agatha passou por ruas familiares, respirando o ar da cidade que conhecia tão bem. Sabia que o conforto de casa, a presença da avó Rose, da tia Helena e, claro, de Louise, ainda a esperava, mas algo dentro dela avisava que aquela rotina, apesar de agradável, estava prestes a ser interrompida. E, apesar da ansiedade, uma pequena parte de Agatha mal podia esperar para descobrir o que vinha a seguir.
A manhã começou tranquila na Valthor’s Vintage. Agatha organizava caixas de joias antigas e ajustava livros empoeirados nas prateleiras quando um toque de familiaridade surgiu na porta: Valentim.
Um garoto negro, dois metros de altura, cabelo afro curto, entrou com aquele sorriso confiante que parecia ocupar todo o espaço da loja. Apesar da idade, apenas 15 anos, sua presença era marcante, e o calor do dia combinava com a energia que ele sempre trazia.
— Bom dia, gigante — disse Agatha, sem conseguir esconder a risada. — Veio procurar desculpas para me deixar sobrecarregada, ou é só para bisbilhotar minhas relíquias?
— Um pouco dos dois — respondeu ele, ajeitando a mochila e abanando as mãos. — Além disso, você sabe que eu adoro mexer com fogo.
Valentim era um Elemantor conhecido na cidade, sua afinidade principal com fogo o destacava, embora também pudesse manipular outros elementos graças à sua ligação com a entidade regente Elemantis. Ele adorava testar pequenas chamas em segurança, fazendo com que velas se acendessem ou pequenos brasas flutuassem, sempre mantendo o cuidado de não assustar os clientes.
Enquanto Agatha atendia alguns visitantes, Valentim circulava pela loja, ajeitando prateleiras e ajustando objetos que pareciam vibrar com pequenas energias residuais. Era normal ver um livro flutuar alguns centímetros para cima ou uma caixa de madeira girar levemente, movimentos sutis que demonstravam o controle que ambos tinham sobre suas habilidades. Nenhum segredo, claro: a humanidade conhecia os Elemantors e sabia conviver com eles, como se fosse natural ver alguém manipular objetos ou elementos no dia a dia.
O primeiro cliente da manhã era uma senhora idosa, interessada em velas aromáticas que evocassem memórias. Agatha captou fragmentos de telepatia e percebeu a nostalgia profunda que carregava. Com um gesto discreto de telecinese, ajustou a vela para que ficasse perfeitamente alinhada à mão da senhora, tornando o momento quase mágico, mas totalmente natural.
— Essa é perfeita. Disse a senhora, sem notar nada de extraordinário, apenas sentindo a energia agradável do objeto.
Valentim sorriu, sentindo o calor da chama de uma vela que acendeu sobre o balcão, e comentou:
— Acho que está ficando bom nisso, não acha?
— Melhor do que você quer admitir. Respondeu Agatha, sorrindo.
No início da tarde, Louise fez uma rápida visita à loja, trazendo consigo aquele brilho de atenção que a hipermnésia sempre lhe dava. Ela não passava o dia ali, apenas aproveitava alguns minutos para conversar e observar Agatha.
— Algum cliente deixou alguma história interessante hoje? Perguntou, inclinando a cabeça.
— Alguns pensamentos, algumas lembranças, nada que você não consiga guardar com sua memória infinita. Brincou Agatha.
Louise ria, recordando detalhes de conversas que Agatha já tinha esquecido: a risada do senhor no mês passado, a expressão de uma mulher ao mexer em livros empoeirados, e até o pequeno gesto de Valentim, manipulando discretamente o fogo em uma vela meses atras.
Para Agatha, era reconfortante ter alguém que se lembrasse de cada detalhe com tanta precisão.
Entre os clientes que chegavam e saíam, Agatha continuava a usar sua telepatia e precognição de maneira sutil: sentia pensamentos confusos de curiosidade ou hesitação, e antecipava pequenos problemas, como quando um livro quase caía da prateleira ou um cliente se aproximava de objetos frágeis. Sua telecinese ajudava a ajustar tudo discretamente, sem que ninguém percebesse.
Valentim, por sua vez, aproveitava para mostrar seu domínio do fogo em pequenas demonstrações seguras: uma chama que se acendia em um castiçal sozinho, um leve calor subindo para sinalizar atenção.
Era prático e natural para ele, e os clientes acostumados à presença dos Elemantors nem sequer se surpreendiam.
No fim da tarde, Agatha começou a fechar a loja. O dia tinha sido cheio, mas satisfatório. Cada objeto parecia ter cumprido seu papel, cada cliente levava consigo uma história e, ao mesmo tempo, um fragmento de magia do cotidiano. Louise saiu com um último sorriso, segurando a mão de Agatha por um instante, transmitindo segurança. Valentim se despediu com aquela brincadeira costumeira sobre encontrar alguma relíquia mal-assombrada no caminho de volta.
Enquanto caminhava para casa, Agatha sentiu os poderes ainda ativos de maneira sutil: flashes de precognição, pensamentos fragmentados de pessoas na cidade, pequenas vibrações nos objetos que passava. Tudo indicava que a rotina conhecida poderia ser abalada em breve, mas por enquanto, ela caminhava em paz, sentindo que, mesmo com o mundo sabendo da existência dos Elemantors, algumas surpresas ainda estavam por vir.
O sino da Valthor’s Vintage tilintou quando a porta se abriu, mas o ar que entrou não tinha o cheiro habitual de livros antigos ou madeira polida. Um jovem alto, cabelos escuros impecáveis e sorriso confiante entrou na loja. Havia algo no ar, um magnetismo perigoso que fez Agatha erguer os olhos imediatamente.
— Boa tarde — disse ele, com voz calma e controlada, mas carregada de arrogância. — Estou procurando um livro chamado Nefari.
Agatha franziu a testa. Nefari? Nunca tinha ouvido falar.
— Não conheço esse título. Respondeu, mantendo a calma.
O jovem arqueou as sobrancelhas, sorriso carregado de charme e autoconfiança.
— Ah, claro, você não conhece. Que pena.
O ar da loja ficou tenso. Agatha sentiu sua telepatia captar fragmentos de pensamentos de Orion: confiança extrema, intenção de manipular e obter vantagem. Mas ela sabia que o livro estava realmente lá, escondido no sótão, fora de alcance, mesmo que não soubesse o verdadeiro valor do livro, ele sentia que devia protegê-lo.
Valentim entrou nesse momento, atravessando a loja com o habitual sorriso confiante. O garoto negro de dois metros de altura colocou-se discretamente perto de Agatha.
Pequenos reflexos de fogo dançaram nas pontas de seus dedos, protegendo sutilmente a área ao redor da loja.
— Parece que temos um visitante interessante. Disse Valentim, mantendo o tom leve, mas pronto para intervir.
Orion notou a presença de Valentim, mas não se intimidou. Sua habilidade com metais era evidente: uma pequena caixa de cobre na prateleira tremeu levemente, como se obedecesse a um comando invisível. Agatha respondeu rapidamente com telecinese, estabilizando os objetos sem que ele percebesse.
— Vocês Elemantors sempre têm algo escondido, não é? — disse Orion, com um sorriso predatório. — Sempre há algo que querem manter para si.
Nesse instante, Alex entrou na loja. Irmão de Louise, Elemantor com a habilidade de manipular memórias alheias, aproximou-se com calma, observando Orion de cima a baixo como se mandasse um recado.
Orion sorriu, indiferente à advertência no olhar de Alex, e começou a circular pela loja, avaliando cada objeto e tocando levemente algumas peças metálicas. Agatha sentiu a tensão subir: precognição avisava que Orion poderia causar problemas se algo saísse do controle. Ela usou telecinese para ajustar discretamente prateleiras e objetos de metal próximos de Orion, mantendo-os firmes.
O resto da visita transcorreu sem incidentes diretos. Orion perguntou por outros livros antigos e artefatos raros, tentando sondar Agatha e os outros, mas nunca soube que Nefari estava no sótão, completamente escondido de todos. Depois de alguns minutos, provavelmente frustrado por não encontrar o que procurava, ele sorriu novamente, deixando um rastro de arrogância antes de sair da loja:
— Eu voltarei. Disse em tom de promessa.
Quando a porta se fechou, o silêncio voltou à Valthor’s Vintage. Agatha apoiou-se no balcão, sentindo o peso da tensão. Valentim soltou um pequeno suspiro, apagando com um gesto minúsculo as chamas das velas que tinham dançado com sua energia. Alex permaneceu alerta, observando cada canto da loja, pronto para qualquer movimento.
— Ele não sabe — murmurou Agatha, baixinho para si mesma. — Ele não faz ideia de que o livro está aqui.
Ela ainda não sabia, mas a verdade aguardava no sótão. Ao final do expediente, com a loja finalmente vazia, Agatha, Valentim e Alex subiriam para investigar a antiga área de armazenamento. E lá, escondido entre caixas e volumes esquecidos, Nefari aguardava para revelar a história completa das entidades, um segredo que mudaria tudo.
O encontro com Orion tinha terminado, mas a sensação de alerta permaneceu: ele voltaria, e a busca pelo livro acabaria por colocar todos em uma rota de colisão que ninguém poderia prever.
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