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O Sol da Minha Vida

Capítulo 1: O Olhar

Aos trinta e nove anos, Mariana Almeida era uma mulher que havia aprendido a confiar mais no suor do seu rosto do que em promessas alheias. O abandono do Carlos, quando Cecília tinha apenas três anos, forjou nela uma casca de resiliência prática. O Café "O Sol", com seu logo sorridente desenhado por uma Júlia ainda pequena, não era apenas um negócio; era o monumento da sua sobrevivência, erguido com a ajuda crucial do Fundo Sementes. Cada bolo perfeitamente decorado, cada xícara de café servida com um sorriso, era um troféu.

Pedro Moraes, aos quarenta e sete, carregava uma serenidade que escondia cicatrizes profundas. A perda da esposa, Carmem e do filho, Luan, de apenas dez anos, num acidente de carro há cinco anos, havia deixado um vazio que parecia intransponível. Camila e Elias, seus vizinhos de sempre que o consideravam um filho, foram sua âncora. Ele construíra seu próprio negócio de consultoria em administração, mas seu mundo era silencioso, habitado por memórias e pela rotina metódica.

Os preparativos para o casamento de Benício e Cecília os jogaram na mesma órbita. Pedro, pela sua amizade fraternal com a família, foi encarregado de ajudar com a logística. Mariana, como mãe da noiva e fornecedora oficial dos doces, estava sempre presente. Ele a via, um turbilhão de eficiência e preocupação maternal, coordenando detalhes com uma força que ele admirava secretamente.

Num desses dias, no jardim da casa de praia, ele a encontrou sozinha, olhando para o mar. Seus ombros, normalmente eretos, estavam um pouco curvados.

— Tudo bem, Mariana? — sua voz, grave e calma, quebrou o silêncio.

Ela se virou, surpresa, forçando um sorriso. — Tudo, Pedro. Só… são muitas emoções. Ver sua filha se casar é uma alegria imensa, mas também é como virar uma página muito grande.

— Eu imagino — ele disse, e não era apenas uma formalidade. Havia uma compreensão genuína em seu olhar. Ele se apoiou na varanda ao lado dela. — É um novo ciclo. Para ela e para você.

Mariana olhou para ele, realmente olhou. Viu as marcas do tempo em seu rosto, a sombra de uma dor que ela conseguia reconhecer porque também carregava a sua. Havia uma quietude em Pedro que era diferente da solidão que ela às vezes sentia. Era uma paz conquistada.

— E para você, Pedro? — ela se arriscou a perguntar. — Como estão os seus ciclos?

A pergunta o pegou desprevenido. As pessoas geralmente evitavam o assunto, com medo de reabrir feridas. Mas o olhar de Mariana não era de pena; era de interesse.

— Um dia de cada vez — ele respondeu, honestamente. — A dor… ela não some. Mas aprende-se a viver com ela. E às vezes, novos ciclos começam quando a gente menos espera.

Naquela tarde, enquanto o sol se punha, pintando o céu de laranja e roxo, eles não falaram mais nada. Mas algo mudou. Um fio de cumplicidade invisível foi tecido entre eles. Pedro começou a notar coisas sobre Mariana: a maneira como ela mordia o lábio inferior quando concentrada, a sua risada contida mas verdadeira, a força serena que emanava de seu corpo. E Mariana começou a ver em Pedro não apenas o amigo da família, mas um homem. Um homem que, como ela, sabia o que era reconstruir a vida a partir dos escombros.

O casamento chegou. Sob a pérgula florida, quando Benício e Cecília trocaram seus votos, as lágrimas de Mariana rolaram livremente. E então, na festa, Pedro se aproximou dela. A música era suave, uma balada romântica.

— Mariana — ele disse, estendendo a mão. — Me concede esta dança?

Ela hesitou por um segundo, seu coração acelerando de uma forma que não acelerava há anos. Colocou a mão na dele, e ele a conduziu para o pequeno espaço de dança. Seu toque era firme, mas gentil. Ele não a puxou para perto demais, respeitando seu espaço, mas a proximidade foi suficiente para que ela sentisse o calor do seu corpo.

— Obrigada, Pedro — ela sussurrou, evitando seu olhar.

— O prazer é todo meu — ele respondeu, sua voz um baixo calmante perto de seu ouvido.

Eles dançaram em silêncio, o mundo ao redor desaparecendo. Para Mariana, era estranho e maravilhoso. Sentir-se segura nos braços de um homem, sem medo, sem a sombra do abandono. Para Pedro, era a primeira vez em anos que segurava uma mulher assim. O fantasma de Carmem não o assombrou; em vez disso, sentiu uma paz, como se ela aprovasse aquele pequeno passo em direção à vida.

Quando a música terminou, ele a soltou com um pequeno sorriso.

— Até logo, Mariana.

— Até logo, Pedro.

Ela voltou para a mesa, seu rosto corado, o coração batendo forte. E ele, ao se afastar, soube que aquele não era apenas o fim de uma dança. Era o começo de algo que ele pensava ser impossível. O círculo da sua vida, que havia se fechado há cinco anos, estava se expandindo novamente, e no centro dele estava a figura resiliente e luminosa de Mariana Almeida.

Mariana

Pedro

Capítulo 2: O Convite do Café

A semana seguinte ao casamento foi um redemoinho de emoções para Mariana. A felicidade pela filha era vasta e real, mas a casa parecia estranhamente silenciosa. Cecília e Benício estavam em sua lua de mel, e o apartamento que outrora ecoava com a presença da filha agora só tinha o tilintar das xícaras e o zumbido da geladeira. Ela se jogou no trabalho no "O Sol" com uma dedicação ainda maior, mas as pausas eram mais longas, seus olhos perdidos na movimentada rua de São Paulo.

Foi numa dessas pausas, numa quarta-feira à tarde, que a campainha da porta do café tocou. Era um som comum, mas algo a fez olhar. Lá estava Pedro, parado na entrada, vestindo um jeans e uma camisa social casual, as mãos enfiadas nos bolsos. Ele parecia um pouco hesitante, mas seu sorriso era tranquilo.

— Pedro! — ela cumprimentou, surpresa. — O que te traz por aqui?

— A verdade? — ele disse, aproximando-se do balcão. — O café da minha máquina de cápsula não está à altura. E eu me lembrei que a dona do melhor café da cidade ficava por perto.

Mariana sentiu um calor subir por seu pescoço. — Bem, você veio ao lugar certo. O que vai ser?

— Me surpreenda — ele respondeu, seus olhos escuros fixos nela com uma curiosidade que fez seu estômago dar um volta.

Ela preparou um capuccino especial, com um toque de canela e uma roseta perfeita na espuma. Enquanto a máquina de espresso sibilava, um silêncio confortável se instalou entre eles.

— E aí, como estão as coisas por aqui? Sem a Cecília em casa — ele perguntou, quebrando o gelo.

Mariana entregou-lhe a xícara. — Estranho. Mais quieto do que eu imaginava. É… um ajuste.

— Eu entendo — ele disse, tomando um gole. — Mesmo quando achamos que estamos preparados, a mudança sempre nos pega desprevenidos. — Ele fechou os olhos por um segundo, saboreando o café. — Isso é divino. Melhor do que eu lembrava.

— O segredo está no grão. Eu mesma faço a torra — ela explicou, orgulhosa.

— E nos bolos? — ele perguntou, apontando para a vitrine. — Ainda tem aquele de limão siciliano que a Letícia não para de falar?

Ela riu. — Tenho sim. Quer uma fatia?

— Só se você se sentar comigo para tomar um café — ele propôs, seu tom era casual, mas seus olhos eram sérios. — A não ser que esteja muito ocupada.

Mariana sentiu um frio na barriga. Era um convite inocente, mas carregado de intenção. Ela olhou para o café vazio, para as mesas limpas. A última vez que tinha aceitado um convite desses tinha sido… bem, não conseguia se lembrar.

— Eu… acho que posso dar uma pausa — ela disse, sua voz um pouco trêmula.

Ela serviu duas fatias de bolo e se sentou com ele numa mesa perto da janela. Os primeiros minutos foram um pouco tensos, falando sobre o tempo, sobre o casamento. Mas então Pedro fez uma pergunta que mudou o rumo da conversa.

— E você, Mariana? O que você faz quando não está aqui, comandando este império de café e açúcar?

A pergunta a pegou de surpresa. As pessoas geralmente perguntavam sobre o café, sobre a Cecília. Raramente sobre ela.

— Eu… gosto de ler — ela confessou. — Romances históricos, principalmente. E adoro documentários sobre natureza. É a minha forma de viajar sem sair de casa.

— Documentários sobre natureza? — ele repetiu, um interesse genuíno em seu rosto. — Eu também. Você já viu aquele sobre as aves do Pantanal?

Ela não tinha visto. E assim, a conversa fluiu. Eles descobriram um gosto mútuo por livros de Yuval Noah Harari, uma paixão compartilhada por música MPB e uma opinião igualmente forte sobre a melhor praia do litoral norte de São Paulo. Pedro era um ótimo ouvinte. Ele a fazia rir com histórias de seus primeiros dias no "Casa & Limpeza Express", e ela se surpreendeu contando-lhe sobre os desafios de abrir o "O Sol", coisas que nem mesmo para a Letícia ela tinha se aberto completamente.

— Foi assustador — ela admitiu, olhando para sua xícara vazia. — Estar sozinha, com uma criança pequena, e todo aquele dinheiro do Fundo Sementes para administrar. Eu tinha tanto medo de falhar.

— Mas você não falhou — ele disse, sua voz suave. — Você construiu isso. Sozinha. É uma das coisas mais admiráveis que eu já vi.

A admiração na voz dele não era elogio vazio. Era um reconhecimento profundo. Mariana sentiu seus olhos marejarem. Ela baixou a cabeça, envergonhada.

— Obrigada, Pedro.

— Eu é que agradeço pelo café, pelo bolo e pela companhia — ele disse, levantando-se. — E pela conversa. Foi a melhor pausa que eu tive em… bem, em muito tempo.

Ele pagou a conta, recusando-se a deixar que ela oferecesse, e se despediu com um aceno.

Mariana ficou parada atrás do balcão, observando-o desaparecer na calçada. O café já não parecia tão silencioso. O ar cheirava a café fresco e a uma possibilidade nova e assustadora. Pedro Moraes não era apenas um amigo da família. Ele era um homem que a via, realmente a via. E pela primeira vez em dezoito anos, Mariana se permitiu pensar que talvez, apenas talvez, ela não precisasse enfrentar todos os ajustes sozinha.

Capítulo 3: A Primeira Semente

A visita de Pedro ao café ecoou na mente de Mariana pelos dias seguintes. Era um sussurro constante, uma melodia suave que contrastava com o ruído habitual de seus pensamentos. Ela se pegava olhando para a porta na expectativa de vê-lo entrar novamente, um hábito que a irritava e a excitava ao mesmo tempo. A admiração dele havia plantado uma semente minúscula e teimosa em seu coração, uma semente de possibilidade que ela tentava, em vão, ignorar.

Pedro, por sua vez, deixou o café com uma estranha leveza no peito. A conversa com Mariana havia sido como encontrar água fresca após uma longa caminhada no deserto de sua própria rotina. Ele não estava buscando nada, a vida o havia ensinado a não esperar. Mas ali estava ela: uma mulher forte, inteligente e profundamente atraente, cuja luz não era ofuscada pelas sombras do passado.

Na sexta-feira, ele não resistiu. Enviou uma mensagem simples.

Pedro: O documentário sobre as aves do Pantanal passa no Canal Natureza hoje às 21h. Pensei em você.

Mariana leu a mensagem no celular, seu coração acelerou. Foi uma mensagem casual, mas íntima. Ele havia lembrado. Ela passou alguns minutos debatendo consigo mesma antes de responder.

Mariana: Obrigada pelo aviso! Vou tentar assistir.

A resposta dele veio rapidamente.

Pedro: Se assistir, me conta o que achou. Estou curioso para saber sua opinião.

Naquela noite, Mariana ligou a TV. Sentou-se no sofá, com uma xícara de chá, e assistiu ao documentário. As imagens eram deslumbrantes, mas sua mente divagava. Ela se imaginava comentando os detalhes com Pedro, rindo da narração solene do locutor. Era um sentimento estranho, compartilhar algo assim, mesmo que virtualmente, com um homem.

No final, ela enviou uma mensagem.

Mariana: As cenas dos tuiuiús em voo são lindas. Mas a parte sobre os hábitos noturnos da arara-azul foi a mais interessante.

A resposta de Pedro demorou alguns minutos.

Pedro: Concordo. A arara-azul roubou o show. E a narração, não acha um pouco dramática demais?

Ela riu sozinha no sofá.

Mariana: Muito! Parecia um novela das oito.

Foi o início. As mensagens se tornaram um hábito diário. Eles não falavam apenas sobre documentários. Pedro mandava fotos de um prédio com uma arquitetura interessante que vira no centro, perguntava sua opinião sobre um artigo de jornal que lia. Mariana compartilhava os sucessos e fracassos do dia no café – o bolo de laranja que não cresceu como o esperado, o elogio de um cliente famoso. Era uma dança de aproximação lenta e cuidadosa.

Cerca de dez dias após a primeira visita dele, Pedro apareceu novamente no café. Desta vez, não era hora da tarde. Era quase no fechamento, e o lugar estava vazio.

— Boa noite — ele cumprimentou, seu sorriso um pouco cansado, mas genuíno.

— Boa noite, Pedro. Tudo bem? — Mariana perguntou, surpresa com a hora.

— Dia longo de reuniões — ele explicou, esfregando a nuca. — Pensei em passar aqui para pegar um café para viagem. E talvez… um pedaço daquele bolo de limão para animar o final do dia.

— Claro — ela disse, começando a preparar o pedido.

Enquanto a máquina trabalhava, ele se apoiou no balcão. — E aí, como está o ajuste? A casa ainda muito quieta?

Mariana suspirou. — Ainda. Mas… estou me acostumando. A Cecília me manda fotos da lua de mel toda hora, o que ajuda.

— Ela merece toda a felicidade — Pedro comentou. — E você também.

Ela olhou para ele, e o cansaço em seus olhos era misturado com uma doçura que a comoveu.

— O seu café — ela disse, entregando o copo térmico. — E o bolo. Na verdade, leva dois. Um é por minha conta. Um homem crescido precisa de mais do que uma fatia para aguentar o resto da noite.

Pedro riu, um som baixo e agradável. — Você é muito gentil, Mariana. Obrigado.

— De nada — ela respondeu, sentindo um calor tolo no rosto.

Ele pegou a sacola e ficou parado por um momento, como se hesitasse.

— Ouça — ele começou, seu tom mais sério. — Eu sei que isso pode parecer… inesperado. E eu respeito totalmente o seu espaço. Mas eu gosto da sua companhia. Gosto de conversar com você. Se você não se importar, eu gostaria de… continuar fazendo isso. As visitas. As mensagens.

Mariana ficou sem ar. A honestidade dele era desarmante. Ela podia ver a vulnerabilidade por trás daquela fachada serena. Ele estava se arriscando, e ela sabia o quanto isso devia custar para um homem como ele.

— Eu… também gosto, Pedro — ela admitiu, sua voz um pouco mais baixa do que o normal. — Eu não me importo.

O sorriso que ele lhe deu então foi diferente. Era um sorriso de alívio, de alegria pura. Iluminou todo o seu rosto.

— Que bom — ele disse, simplesmente. — Então até a próxima, Mariana.

— Até a próxima, Pedro.

Ele saiu, e Mariana ficou parada atrás do balcão, o coração batendo forte. A semente que ele plantara não era mais minúscula. Tinha raízes. Ela olhou para o café vazio, para as mesas que ela arrumaria sozinha, e pela primeira vez, a solidão não pareceu um fardo, mas uma escolha. E talvez, apenas talvez, ela estivesse pronta para fazer uma escolha diferente.

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