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Entre as Cinzas do Teu Amor

capítulo 1- o novo aluno

O portão do Colégio Saint Michael se ergue à minha frente como uma prisão dourada. A cada passo, o som das folhas secas sob meus sapatos parece gritar que eu não deveria estar ali. O ar de setembro ainda carrega o calor do verão, mas eu só sinto frio.

As pessoas passam por mim em ondas — risos, vozes, passos apressados. Tudo parece vibrar vida demais. Vida que eu não consigo alcançar desde o acidente. Desde aquela noite em que o mundo ardeu e só eu sobrevivi.

A nova aluna. É assim que me chamam agora.

Ninguém diz em voz alta, mas eu sinto o que pensam: a garota que perdeu a irmã.

Respiro fundo e ajusto a alça da mochila no ombro. O prédio principal é imenso, com janelas altas e vitrais que refletem o céu como se nada pudesse ser feio ali. Uma mentira bonita.

No corredor, encontro o armário número 47. Está vazio, exceto por um papel dobrado no fundo.

> “Todo mundo guarda um segredo. O seu grita mais alto que o dos outros.”

Meu estômago se contrai. Olho em volta, mas ninguém parece me observar. Engulo o medo e amasso o bilhete, enfiando-o no bolso. Só pode ser uma brincadeira idiota de boas-vindas.

— Isabella Moretti? — uma voz feminina me chama. É a professora de Literatura, Sra. Clarke. — Bem-vinda. Você vai trabalhar em dupla com o novo aluno, Dante Vasquez. Ele deve chegar hoje.

“Dante.” O nome soa como uma promessa. Ou uma ameaça.

A primeira vez que o vejo é no intervalo. Ele está encostado num dos pilares do pátio, um cigarro apagado entre os dedos — proibido, mas ele parece não se importar. O uniforme do colégio não combina com ele; parece um disfarce mal costurado.

O cabelo escuro cai sobre os olhos, e há algo em seu olhar que me prende. Não é arrogância, nem charme barato. É algo mais profundo. Um silêncio perigoso.

Ele me nota.

E por um segundo, é como se o mundo parasse.

Há pessoas em volta — amigos, risadas, música saindo de um celular — mas tudo some. Só existe aquele olhar.

Ele não sorri. Só observa, como se tentasse decifrar um código escondido sob minha pele.

Quando se aproxima, o coração bate rápido demais.

— Isabella, certo? — a voz é grave, calma, arrastada. — Sou Dante. Acho que somos dupla em Literatura.

— É… — engulo em seco. — Sim. Eu sou.

Ele inclina a cabeça, curioso. — Você parece assustada.

— Não estou. — minto.

Ele sorri — um meio sorriso, quase imperceptível. — Bom. Porque todo mundo aqui finge não estar com medo. Você só é mais honesta.

Não sei o que responder.

Quando ele se afasta, sinto algo estranho — um vazio que parece sugar o ar ao redor.

Na aula, a professora explica o projeto: escrever uma narrativa a dois, misturando real e imaginário. “Um mergulho na alma”, ela diz. Eu tento anotar, mas minhas mãos tremem.

Dante senta ao meu lado. O perfume dele é sutil, mas inconfundível — algo entre chuva e fumaça.

— De que você gosta de escrever? — ele pergunta, sem olhar pra mim.

— Sobre o que eu não entendo.

— Então deve escrever muito.

A provocação é sutil, mas o tom é sério. Ele não fala por brincadeira.

— E você? — pergunto. — Escreve sobre o quê?

— Sobre o que não consigo esquecer.

Silêncio. Um daqueles silêncios que parecem durar horas.

Quando a aula termina, ele ainda está ali, observando minha caligrafia no caderno.

— Você escreve bonito. — diz. — Mas parece que tem medo das palavras que usa.

— Talvez eu tenha.

Ele sorri outra vez. — Então, eu te ajudo a não ter.

Não sei o que ele quis dizer. Mas sei que, de alguma forma, ele podia cumprir essa promessa.

Nos dias seguintes, Dante e eu trabalhamos juntos. Ou fingimos trabalhar.

Ele fala pouco sobre si. Alguns dizem que veio transferido depois de um problema em outro colégio. Outros, que foi expulso. Há quem jure que ele se envolveu em uma briga que terminou mal.

Ninguém sabe ao certo. E talvez ninguém queira saber.

Mas há algo em mim que quer.

Quando estamos sozinhos, ele muda. Fica mais leve, mais humano. E, às vezes, quando o sol entra pela janela e toca o rosto dele, parece alguém que o mundo não conseguiu destruir — ainda.

— Você acredita em destino, Isabella? — ele me pergunta certa tarde, sem tirar os olhos do texto.

— Não.

— Por quê?

— Porque destino é só o nome bonito que damos para as coisas que não conseguimos controlar.

Ele me encara. — Talvez. Ou talvez seja o nome que damos para o que era inevitável.

E naquele instante, percebo algo: Dante fala de si mesmo sem precisar dizer nada.

Na sexta-feira, chove. O colégio parece um espelho quebrado — janelas molhadas, ecos de passos, cheiro de terra.

Ficamos presos na biblioteca depois da aula. Ele está sentado no chão, lendo o mesmo livro pela terceira vez: O Retrato de Dorian Gray.

— Você gosta desse tipo de história? — pergunto.

— Gosto de histórias onde o amor e a ruína andam juntos.

— Isso não é amor.

— Então talvez eu nunca tenha conhecido outro tipo.

Ele fecha o livro, olha pra mim. O silêncio entre nós é tenso, mas não incômodo.

— Por que você veio pra cá, Isabella? —

— Precisei recomeçar.

— Recomeços são só finais disfarçados.

— Você fala como se já tivesse perdido tudo.

Ele desvia o olhar. — Talvez tenha.

A luz falha. O som da chuva cobre o resto.

E por um instante, o olhar dele se fixa no meu — intenso, quase febril. Ele se aproxima, como se quisesse tocar algo invisível entre nós. Mas não o faz.

Só diz, baixo:

— Um dia você vai entender por que eu não devia estar aqui.

Naquela noite, encontro outro bilhete no meu armário.

> “Ele não é quem você pensa. E você não é tão inocente quanto parece.”

Meu coração dispara. O papel está molhado, como se alguém o tivesse deixado às pressas.

Olho em volta. Nada.

Mas, por um segundo, tenho certeza de ver Dante parado no fim do corredor, as mãos nos bolsos, o olhar fixo em mim.

Não sei se ele está me protegendo.

Ou me avisando.

capítulo 2- segredos de papel

Na manhã seguinte, o colégio parece mais frio. Não o tipo de frio que vem do clima, mas aquele que nasce do silêncio — o silêncio que vem depois que algo muda, mesmo que você não saiba o quê.

O bilhete da noite anterior ainda está comigo. Amassado, escondido no bolso da jaqueta, mas é como se queimasse contra a pele.

"Ele não é quem você pensa. E você não é tão inocente quanto parece."

Penso em jogar fora, mas algo me impede.

Talvez o medo. Talvez a curiosidade.

Quando chego à sala, Dante já está lá. Sentado na última fileira, encostado na parede, o olhar distante. Há algo diferente nele hoje — um peso nos ombros, uma tensão contida.

— Você está bem? — pergunto, antes mesmo de pensar.

Ele ergue o olhar devagar, como se voltasse de um lugar muito longe.

— As pessoas sempre fazem essa pergunta quando sabem que a resposta é não.

— Então por que não mente e diz que está?

Um canto do lábio dele se curva. — Porque você não acreditaria.

Quase sorrio, mas o bilhete pulsa na memória. Será que alguém estava tentando me avisar sobre ele? Ou sobre mim?

Antes que eu diga qualquer coisa, a professora entra. A aula começa, mas é como se a sala toda fosse ruído. Só ouço o som da caneta de Dante batendo contra a mesa, compassado, constante.

Na hora do almoço, tento evitá-lo. Não porque quero, mas porque preciso.

Sento perto da janela, onde a luz do sol entra fraca e amarela.

O colégio parece um teatro: cada grupo, um ato. As líderes de torcida riem alto, os jogadores se exibem, e eu — o público invisível — só observo.

Até que um livro cai sobre a minha bandeja.

— Você esqueceu isso. — A voz dele. Dante.

Olho para o livro. O Retrato de Dorian Gray. Eu nunca peguei emprestado.

Abro por instinto, e um papel cai de dentro.

> “Nem todo segredo quer ser descoberto.”

Levanto os olhos.

— Foi você quem colocou isso aqui?

Ele parece surpreso. — O quê?

Mostro o papel. Ele o lê, e algo muda em seu semblante. Não é culpa. É reconhecimento. Como se entendesse algo que eu ainda não entendo.

— Onde você achou isso? — ele pergunta.

— Dentro do livro. Que você me deu.

— Eu não coloquei nada aí.

Silêncio.

Por um instante, o colégio inteiro parece parar.

Ele passa uma das mãos no cabelo, pensativo. — Alguém está se divertindo com você. Ou comigo.

— Isso não tem graça.

— Não. — Ele se aproxima. — Mas tem intenção.

A forma como ele diz isso faz o ar parecer mais pesado. Intenção.

Mais tarde, na biblioteca, estamos sozinhos de novo.

O som da chuva volta, como no dia em que o conheci. E novamente, o colégio parece suspenso no tempo.

Dante caminha entre as estantes como se as conhecesse de cor. Os dedos tocam as lombadas dos livros, e eu percebo as cicatrizes nas mãos dele — pequenas, mas profundas.

— Já se perguntou por que as pessoas escrevem? — ele diz, sem olhar pra mim.

— Pra não enlouquecer.

Ele sorri de leve. — Eu escrevo pra lembrar que enlouquecer às vezes é a única forma de suportar.

Me aproximo, hesitante. — Você fala como alguém que já viu o pior.

— Talvez eu tenha sido o pior.

A forma como ele diz isso me arrepia.

Há tanta dor contida naquela frase que por um momento esqueço o medo.

— O que aconteceu com você, Dante?

Ele me encara, os olhos escuros como noite sem lua.

— Você realmente quer saber?

— Sim.

— Então não pergunte. —

O silêncio que vem depois é um abismo.

Nos dias seguintes, algo muda entre nós.

Não é amizade. Não é amor. É algo no meio — uma ligação que se forma no espaço entre o medo e a curiosidade.

Começo a perceber pequenas coisas: ele sempre olha para trás quando andamos pelos corredores; nunca senta de costas para as janelas; carrega um caderno preto, onde escreve algo que nunca mostra a ninguém.

Uma tarde, o caderno cai da mochila dele.

Por instinto, eu o pego.

No canto da capa, há uma frase escrita à mão:

> “O amor é o mais belo disfarce da destruição.”

Abro na primeira página.

Meu nome.

Escrito ali, repetido, em várias caligrafias, como se ele tivesse testado a forma de cada letra.

Sinto o sangue sumir do rosto.

— Isabella. — a voz dele ecoa atrás de mim.

Viro devagar. Ele está ali, parado na porta, os olhos sombrios.

— Isso não é o que parece. — diz.

Mas tudo o que vejo é meu nome, multiplicado.

Um nome que ele transformou em obsessão.

— O que é isso, Dante?

Ele dá um passo à frente. — Parte do projeto. Eu precisava entender você pra escrever.

— Entender ou controlar?

O olhar dele vacila. — Você acha que eu te machucaria?

— Eu não sei o que pensar.

Ele fecha o caderno com força, o som ecoando como um tiro.

— Então talvez você devesse parar de tentar entender.

Sai, deixando o cheiro de chuva e fumaça no ar.

E eu fico ali, com o coração batendo rápido demais, percebendo algo que não quero admitir:

Por mais medo que ele me cause…

Eu não quero que ele vá embora.

Naquela noite, não consigo dormir.

A chuva bate na janela, e cada gota parece repetir o nome dele.

Pego o bilhete de novo.

"Nem todo segredo quer ser descoberto."

Penso no olhar dele, na voz baixa, na raiva contida.

Penso no caderno.

E percebo que, de algum modo, eu também estava começando a escrever Dante dentro de mim.

capítulo 3- o caderno preto

Dizem que o silêncio é o som mais alto quando se tem medo.

Desde aquele dia na biblioteca, o silêncio entre mim e Dante tem um peso quase físico — uma sombra que me acompanha pelos corredores, pelas aulas, pelos sonhos.

Ele não falou comigo desde então. Nem um olhar, nem uma palavra.

Mas é impossível não sentir a presença dele.

Como se o ar o denunciasse.

O colégio parece diferente sem a voz dele.

Tudo é mais frio, mais lento.

E mesmo sabendo que deveria me afastar, uma parte de mim sente falta daquele olhar que parecia ver além do que eu queria mostrar.

Na terça-feira, encontro o caderno preto dentro do meu armário.

Sem bilhete. Sem explicação.

Só o caderno.

Abro, hesitante. As páginas estão cobertas de frases, rascunhos, desenhos — tudo em preto e cinza.

Algumas palavras estão riscadas, outras repetidas.

Meu nome aparece outra vez.

Mas agora há mais: fragmentos de pensamentos, pedaços de frases que soam como confissões.

> “Ela tem o olhar de quem já viu o fim e continua andando.”

“O amor é a forma mais lenta de morrer.”

“Se eu pudesse apagar o mundo, deixaria só ela.”

Fecho o caderno rápido, o coração batendo alto demais.

Não sei se devo sentir medo ou pena.

Por um instante, penso em devolver. Em entregar à diretora, à professora, a alguém.

Mas não faço nada disso.

Porque parte de mim — a parte que eu não entendo — quer saber mais.

Na aula de Literatura, ele volta.

Senta na cadeira ao meu lado, como se nada tivesse acontecido.

A mesma calma de sempre. A mesma sombra no olhar.

— Você leu? — ele pergunta, sem olhar pra mim.

Demoro alguns segundos pra responder. — Sim.

— E?

— É… assustador.

Ele sorri, sem humor. — A verdade sempre é.

— Era pra eu encontrar aquilo?

— Sim. — Ele me encara. — Eu quis que você visse.

— Por quê?

— Porque todo mundo mente no papel. Eu queria que você visse o que acontece quando alguém não mente.

Engulo em seco. — E o que acontece, Dante?

— As pessoas fogem.

Olho pra ele. — E você quer que eu fuja?

Ele hesita. — Quero ver se você fica.

O tempo parece parar.

Por um momento, não há sala, nem vozes, nem o som distante dos passos.

Só o olhar dele.

Profundo. Perigoso. Real.

E, apesar de tudo, eu fico.

Nos dias seguintes, o projeto de Literatura vira só uma desculpa.

Nos encontramos na biblioteca, nas arquibancadas, às vezes depois da aula.

Ele fala pouco, mas quando fala, parece carregar o peso do mundo em cada palavra.

Aos poucos, começa a me contar fragmentos do passado.

O pai violento. As brigas. A mãe que desapareceu. A noite em que ele quase matou alguém.

Mas nunca os detalhes.

Apenas sombras.

— E você? — ele pergunta um dia. — Por que mudou de cidade?

Engulo o nó na garganta. — Um acidente.

— Com a sua irmã. —

Congelo. — Como você sabe disso?

— Eu perguntei.

— Pra quem?

— Pra quem lembra de você.

O coração dispara. — Você procurou por mim?

— Sim.

— Por quê?

Ele se aproxima, e a voz sai baixa, quase um sussurro:

— Porque quando te vi pela primeira vez, tive a sensação de que já te conhecia.

Há algo na forma como ele diz que me quebra.

Não parece mentira.

Parece destino.

No sábado, acordo com uma mensagem no meu celular.

Número desconhecido.

> “Não confie nele.”

Nenhum nome, nenhum contexto.

Mas eu sei exatamente de quem estão falando.

Passo o dia tentando ignorar.

Mas à noite, não resisto.

Vou até o colégio — o portão dos fundos, o mesmo que os alunos usam para cortar caminho.

E ele está lá.

Como se me esperasse.

— Sabia que viria. — ele diz.

— Como?

— Porque você também sente.

A lua ilumina só metade do rosto dele. A outra metade está mergulhada em sombra.

Por um instante, é como olhar para duas pessoas ao mesmo tempo.

A que me protege e a que me assusta.

— Por que eu? — pergunto. — Por que você me escolheu?

Ele dá um passo à frente, e o ar parece mais denso.

— Porque você é o único lugar onde o mundo para de doer.

Meu coração dispara.

As palavras dele são um veneno doce — perigosas, mas impossíveis de ignorar.

— Isso não é amor, Dante. —

Ele toca de leve meu rosto, sem realmente encostar.

— Então o que é?

— É obsessão.

— Talvez sejam a mesma coisa. —

O silêncio que vem depois é quase insuportável.

Mas eu não me afasto.

Nem ele.

A chuva começa a cair — fina, fria, como um lembrete do que é real.

E ali, no escuro, percebo que já estou presa.

Não por medo.

Mas por escolha.

Mais tarde, em casa, olho para o caderno preto novamente.

As palavras parecem vivas.

E quando chego à última página, encontro algo que não estava ali antes.

> “O que começa com fogo termina em cinzas.”

“E eu não sei qual de nós vai queimar primeiro.”

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