Desde que se lembrava, Mariana sempre sentira que não pertencia à própria família. Cresceu na sombra de irmãos perfeitos aos olhos dos pais, comparações que pareciam constantes e silenciosas, mas cortantes. Cada elogio dado aos outros parecia um lembrete doloroso de que ela não era boa o suficiente. Não importava quanto se esforçasse na escola, nem quantas vezes tentasse agradar, a sensação de inadequação era uma companheira constante.
As reuniões de família eram um tormento. O sorriso forçado dos tios, os comentários “inocentes” sobre suas escolhas, a atenção mínima e rápida de sua mãe: tudo contribuía para a convicção de que Mariana era a filha esquecida. Ela aprendeu cedo a se calar, a observar e a evitar conflitos. Tornou-se mestre em fingir que tudo estava bem, enquanto por dentro se despedaçava aos poucos.
Na escola, a história não era muito diferente. Mariana buscava se destacar, mas sempre sentia que passava despercebida. Amigos vinham e iam, e as conexões eram frágeis. Ela se refugiava nos livros, nas histórias de outras vidas que pareciam muito mais emocionantes que a sua. Era um mundo que ninguém podia tocar, um lugar onde ela podia ser livre, inteligente e respeitada, mesmo que apenas nas páginas.
Certa tarde, sentada à beira do lago próximo de sua casa, Mariana observava o reflexo no espelho d’água. O vento balançava seus cabelos, e ela sentiu uma pontada de solidão que parecia maior do que o próprio lago. “Será que algum dia vou ser notada? Será que algum dia alguém vai me amar de verdade, sem esperar nada em troca?” – pensou. As lágrimas surgiram, discretas, deslizando pelo rosto. Não havia ninguém para enxugá-las, ninguém para perguntar se estava tudo bem. E naquele instante, Mariana fez uma promessa silenciosa a si mesma: um dia, encontraria sua própria felicidade, mesmo que tivesse que buscá-la sozinha.
A vida em casa continuava com a rotina de indiferença e críticas veladas. Seus irmãos eram admirados, a casa cheia de risadas e atenções, enquanto Mariana permanecia à margem, sempre “a esquecida”. Sentia raiva, às vezes, mas principalmente tristeza. Cada pequeno gesto de afeto que via entre os outros membros da família parecia uma lembrança cruel de que ela nunca seria escolhida.
Apesar disso, Mariana cultivava uma força silenciosa. Aprendera a se levantar sozinha, a se proteger da dor e a construir sonhos que ninguém mais parecia enxergar. Guardava em seu peito a esperança de que a vida poderia ser diferente, de que poderia existir alguém que a olhasse de verdade, sem julgamentos, sem condições. A esperança era pequena, mas resistente.
E naquela tarde, olhando para o céu refletido no lago, Mariana sentiu pela primeira vez um fio de coragem florescer dentro de si. Talvez, pensou, não fosse necessário ser aceita por todos ao redor. Talvez a única aprovação de que precisasse fosse a sua própria. E assim, com o coração apertado, mas a determinação firme, ela começou a acreditar que um dia encontraria seu lugar — um lugar onde seria amada, respeitada e valorizada por quem realmente era.
Mariana se levantou, respirou fundo e caminhou para casa. Sabia que o caminho seria longo e doloroso, mas também sabia que não tinha mais escolha: sua felicidade dependia apenas dela. E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que podia, finalmente, começar a construir algo só seu.
Mariana nunca imaginou que a vida poderia lhe surpreender de forma tão repentina. Alguns dias após aquela tarde solitária junto ao lago, ela decidiu ir à livraria do bairro — seu refúgio favorito desde a infância. Entre prateleiras cheias de livros, ela sentia que podia ser outra pessoa: alguém com sonhos, coragem e escolhas próprias. Mal sabia que aquele passeio mudaria sua vida, ainda que de maneira sutil.
Enquanto percorria os corredores da livraria, observando as capas coloridas e os títulos chamativos, um homem esbarrou nela sem querer. Seus olhos se encontraram e, por um instante, o mundo pareceu desacelerar. Ele se desculpou rapidamente, mas havia algo na voz, na forma como sorriu, que fez o coração de Mariana bater mais forte. Não era só gentileza; havia um calor humano que ela raramente sentia.
— Desculpe! Não te vi — disse ele, com um leve rubor no rosto.
— Sem problemas — respondeu Mariana, tentando disfarçar a surpresa. Sua voz soou mais firme do que se sentia por dentro.
Ele se apresentou como Rafael, um jovem que também amava livros e passava horas perdido entre histórias de mundos imaginários. A conversa começou tímida, mas logo se tornou fácil. Mariana percebeu que podia falar sem medo de ser julgada. Ele escutava, sorria nos momentos certos e, o mais importante, parecia genuinamente interessado em conhecê-la.
Durante aquela primeira conversa, Mariana se sentiu viva de um jeito que não sentia há anos. O peso da rejeição familiar, das críticas silenciosas e do sentimento de invisibilidade parecia diminuir, mesmo que apenas por algumas horas. Rafael falava sobre autores que ela adorava, compartilhava opiniões sobre livros que ela já tinha lido, e até sugeriu histórias novas para ela explorar. Cada palavra dele parecia cuidadosamente escolhida, e Mariana sentiu que finalmente alguém a enxergava.
O tempo passou sem que percebessem, e logo a livraria começou a fechar. Rafael se ofereceu para acompanhá-la até a saída, e o silêncio confortável entre os dois era tão intenso quanto a proximidade física. Mariana sentiu uma mistura de ansiedade e esperança, sentimentos que ela quase tinha esquecido que existiam.
— Gostaria de te ver de novo — disse ele, com uma sinceridade que a fez corar.
— Eu também — respondeu Mariana, sentindo que estava fazendo algo arriscado, mas necessário.
Eles trocaram números, e um sorriso tímido selou aquele encontro inesperado. Mariana voltou para casa com uma sensação estranha, algo entre medo e excitação. Não queria criar expectativas demais, mas não podia ignorar o que sentia. Pela primeira vez em muito tempo, acreditava que poderia existir alguém que realmente se importasse com ela, que a olhasse sem pressa, sem julgamentos, apenas com atenção e interesse genuíno.
Nos dias que se seguiram, as mensagens e conversas se tornaram rotina. Mariana se sentia viva, motivada, e até mesmo sua confiança, tão abalada pelos anos de rejeição familiar, começou a se reconstruir. Ela sabia que era cedo para confiar plenamente, mas Rafael era diferente. Ele não a pressionava, não criticava, apenas compartilhava momentos, risadas e pensamentos.
Na solidão de seu quarto, Mariana refletia sobre aquele encontro. Sentia medo de se machucar, mas não podia negar que o coração dela pulsava com uma nova esperança. Um encontro casual na livraria parecia pequeno demais para aquilo que estava começando, mas, de alguma forma, Mariana sabia que aquele instante marcaria o início de algo importante.
Algo que poderia mudar sua vida para sempre.
Mariana nunca imaginou que poderia se sentir tão leve quanto se sentia nos últimos dias. Cada mensagem de Rafael era como um sopro de esperança, e cada encontro parecia apagar, mesmo que temporariamente, as marcas deixadas pela rejeição da família. A insegurança que a acompanhava desde a infância ainda estava lá, mas por enquanto, parecia menos assustadora.
O primeiro encontro oficial deles aconteceu em uma tarde de sábado. Rafael sugeriu um café próximo ao parque, e Mariana aceitou com um misto de ansiedade e entusiasmo. Ao vê-lo na calçada, esperando com o sorriso que já conhecia, seu coração disparou. Ele a cumprimentou com um abraço que transmitia cuidado, e ela sentiu, naquele instante, que finalmente podia relaxar e ser ela mesma.
— Fico feliz que tenha vindo — disse Rafael, enquanto caminhavam até o café.
— Eu também — respondeu Mariana, sorrindo timidamente. — Estava ansiosa.
Sentados frente a frente, pediram cafés e conversaram sobre tudo e nada. As horas passaram sem que percebessem, como se o mundo lá fora não existisse. Rafael a ouvia atentamente, fazia perguntas inteligentes e comentava com interesse sincero sobre cada detalhe da vida dela. Mariana estava surpresa. Nunca tinha se sentido tão valorizada. Cada palavra, cada gesto dele, reforçava a sensação de que talvez, finalmente, tivesse encontrado alguém que a enxergasse de verdade.
O tempo passou, e o encontro se transformou em rotina. Eles caminhavam pelo parque, iam a cafés, descobriam livrarias e exposições de arte. Mariana se sentia viva, e sua confiança crescia a cada dia. Rafael era atencioso, carinhoso, e fazia questão de mostrar que se importava. Pela primeira vez em muito tempo, Mariana sentia que não precisava se esconder, que podia ser vulnerável sem medo de críticas ou rejeição.
À medida que o relacionamento avançava, Mariana começou a compartilhar partes de sua vida que até então estavam guardadas. Falou sobre a família, sobre os anos de exclusão e solidão. Para sua surpresa, Rafael ouviu com paciência e empatia, sem julgar, sem oferecer soluções fáceis. Ele apenas a escutava, segurava sua mão e mostrava que estava ali para ela, e não contra ela.
— Você merece ser feliz, Mariana — disse ele certa noite, enquanto caminhavam sob a luz fraca das ruas iluminadas. — Não deixe ninguém dizer o contrário.
Essas palavras ficaram gravadas na mente dela. Cada elogio, cada gesto de carinho, cada sorriso sincero de Rafael funcionava como um remédio invisível, curando feridas antigas e fortalecendo a esperança de um futuro diferente. Mariana se permitiu sonhar: casamento, filhos, uma vida de amor e respeito. Sonhos que antes pareciam impossíveis, agora começavam a parecer tangíveis.
Mas, mesmo envolvida por essa felicidade crescente, Mariana ainda sentia uma pontada de cautela. Os anos de rejeição e solidão a ensinaram a desconfiar, a proteger seu coração. Ela sabia que precisava ir devagar, sentir confiança e, acima de tudo, permanecer atenta. Não queria se perder novamente, nem criar expectativas que poderiam ser quebradas.
A noite terminou com um abraço longo, cheio de promessas silenciosas. Mariana voltou para casa com o coração acelerado, mas tranquilo. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que poderia existir algo verdadeiro em sua vida. Rafael não era apenas um alívio temporário; ele parecia representar a possibilidade de um amor genuíno, baseado em respeito e cuidado mútuo.
Enquanto se deitava, pensando nas risadas compartilhadas, nos olhares trocados e nas mãos entrelaçadas, Mariana fez uma promessa silenciosa a si mesma: ia se permitir ser feliz, mas sempre mantendo a força que aprendeu a cultivar ao longo dos anos. Afinal, mesmo diante de um amor tão bonito, ela sabia que a verdadeira felicidade dependia de si mesma.
E assim, com o coração leve e os pensamentos cheios de esperança, Mariana adormeceu, sem perceber que aquele início de sonho marcaria o começo de uma jornada cheia de desafios, escolhas difíceis e, futuramente, decisões que mudariam sua vida para sempre.
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