A Noite da tempestade
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A chuva vinha grossa e impiedosa como se o céu tivesse decidido lavar de vez um passado inteiro. Gotas grossas tamborilavam no capô do carro de Stefano Petrov e escorriam pelo vidro como veias negras.
O motor ronronava baixo, um som sólido e constante que contrastava com o caos lá fora: a estrada encharcada, o mato amassado pela enchente e, ao longe, os destroços de casas como ossos expostos de uma aldeia que a água arrasara. Era tarde — tarde demais para quem não conhecia atalhos — e o mundo parecia reduzir-se à luz amarela dos faróis e ao brilho molhado daquele asfalto.
Stefano dirigia calmo, o rosto recortado por uma expressão que poucos conseguiam decifrar. Desde que se mudara para a mansão, sua vida fora essa: rotinas rígidas, decisões calculadas, uma solidão que se disfarçava sob o luxo.
Ele cresceu e se tornou quase que a copia fiel de seu pai Stefan Petrov.
Stefano Petrov, tem hoje em dia 28 anos, 1,84 e olhos verdes herdados de sua mãe bela Yonara, os seus cabelos são lisos de um castanho claro uma mistura da genética dos pais.
Havia chegado ao topo, mas pagara o preço de um coração gelado. Naquela noite, contudo, algo fragmentou o silêncio da quilha perfeita: um vulto à beira da estrada.
A figura oblíqua se movia com dificuldade, curvada sobre si mesma, um sinal vermelho de desespero contra o cinza da chuva. Stefano freou devagar, fez sinal para os capangas saírem, e quando a porta traseira se abriu, a cena que os recebeu parecia saída de um pesadelo molhado.
Era uma moça — jovem, talvez na casa dos vinte — ajoelhada na lama, o rosto pálido e sulcado por lágrimas que não raramente se misturavam ao sangue. Seu corpo tremia; uma das mãos estava apoiada com desespero na lateral da cintura, onde o tecido do vestido se encharcava de um vermelho escuro.
O silêncio que se seguiu foi pesado. O vento uivou, e as luzes do carro recortaram o contorno daquela cena miserável: um escombro lhe havia atravessado a carne, um corte profundo perto da costela, quase na linha da cintura. Era um ferimento cruel, detonado por algo afiado, caído entre os escombros que a enchente levara consigo. Ainda assim, por uma conjunção de sorte e maldade, o objeto tinha acertado apenas aquela área, poupando órgãos vitais por fração de milímetros.
Ela ergueu o rosto e, por entre o musgo de cabelo molhado, fixou os olhos nele. Olhos belos, de um castanho claro, porém tristes e desnorteados; olhos que, naquela fração, buscaram algo que Stefano não cultivava mais: piedade. A moça se pôs de joelhos, e suas palavras, quando saíram, eram quase um sussurro entrecortado pela chuva.
_ “Minha casa... desabou.
_ Minha família... morreu. Não sei para onde ir.”
A voz vinha arrastada, carregada de uma incredulidade que fazia sua figura parecer menor ainda. Suas pobres vestes gastas pelo acontecimento trágico de uma noite de perdas dolorosas, estavam por o lado do ferimento cheia de sangue e por toda parte rasgadas, ao que parecia antes ser um simples vestido verde escuro de alças finas.
Por um instante __durou menos do que um piscar __ alguma fagulha humana que Stefano negava a si mesmo acendeu no seu peito.
Era apenas um lampejo, suficiente para que seus ombros, sempre tão firmes, cedesse um pouco. A visão dela ali, tão frágil e lenta no escorrer da vida, tocou um lugar que ele julgava já petrificado.
Ele olhou de canto para um dos capangas, um homem de rosto inexpressivo e olhos acostumados a obedecer sem questionar. Com voz baixa e medida, disse:
_ Coloquem-na no carro. Levem-na ao hospital. Depois... livrem-se dela.
Stefano disse sem demonstrar nenhuma preocupação com o que poderá suceder com a moça dali em diante.
O pedido pousou no ar como sentença. Ninguém discutiu. Naquele mundo, favores tinham preço; bondade era mercadoria rara e sempre condicionada. Os homens a ergueram com cuidado militarizado, enrolaram-na num cobertor úmido e a colocaram no banco traseiro. O carro partiu veloz, fatiando a noite, enquanto a chuva martelava um ritmo que parecia acelerar a respiração de todos.
No hospital, as luzes fluorescentes queimaram o brilho do céu e substituíram-no por um frio hospitalar. Médicos se moveram com precisão, suturaram, estancaram, verificaram sinais vitais. A hemorragia cedeu.
Quando a consciência voltou, ela abriu os olhos para o mundo de cor salina e cheiro de antisséptico. Estava num lugar estranho, coberta por lençóis limpos que pareciam tão fora de contexto quanto a própria presença ali — sem documentos, sem dinheiro, sem nenhuma lembrança do que era a vida na cidade. Um pânico novo cresceu em sua garganta: medo do desconhecido, medo da solidão que mordia de vez em quando, quando o corpo tentava se recompor.
Recebeu alta uma semana depois num dia chuvoso que ainda não tinha desistido de cair. Ao atravessar as portas automáticas do hospital, o mundo expandiu-se em ruídos: carros, passos, vozes. Foi quando ela viu, não longe, um dos capangas de Stefano vindo em sua direção. A figura se aproximava com a calma de quem carrega ordens, sem surpresa alguma de reencontrar seu alvo.
Uma réstia de esperança acendeu-se no peito de Seline, Um misto indecifrável de alívio e medo. Sem pensar racionalmente, ela agarrou o braço do homem, a voz embargada de gratidão e confusão:
_ Que bom ver você aqui... parece o destino tentando me ajudar.”
O capanga deixou-a ser amável; observou-a da cabeça aos pés como quem avalia mercadoria. Seu olhar não fora feito para compaixão.
_ O senhor Stefano Petrov não faz favores por graça.
Disse ele, com uma voz que derramava aviso.
_ Por mais nobre que pareça, sempre haverá algo em troca.”
Tenho que servir?
Aquelas palavras caíram sobre ela como novo peso. Um tremor percorreu seu corpo. A cada passo no caminho até a mansão, uma ansiedade feroz apertava o peito, um ataque de pânico contorcia seus pensamentos, lembranças desconexas, o cheiro da lama, o sangue, a voz da mãe que não existia mais.
Respirou como se fosse tentar puxar ar com a última força que lhe restava.
Quando os portões da propriedade se abriram e a fachada da mansão surgiu, iluminada à distância, parecia um farol de riqueza e distanciamento. O interior era uma precisão calculada: móveis que não conheciam a mão do rústico, corredores amplos, que com olhares frios.
Stefano apareceu então, emergindo das sombras da sala como um colosso discreto. Seus olhos cruzaram os dela com a mesma frieza que cortara tantas vidas, uma avaliação imediata e sem remorso.
_ Vejo que sobreviveu àquela noite. __ Disse ele. A voz era baixa, cortante, e não havia nela qualquer traço de surpresa. Havia, porém, uma espécie de prazer contido — não na dor alheia, mas na constatação de que ele mantera o controle.
_ Bom pra você __ Stefano disse com certa satisfação, como quem acabou de ganha um certo trunfo.
Seline encolheu-se. Cada palavra sua parecia pesar um novo quilo. Stefano continuou, como quem dita uma sentença com elegância.
_ Qual o seu nome?
_ Seline __ Ela respondeu ofegante, como quem estava em uma corrida.
_ Agora você me deve.
_ Não ajudo pessoas fracassadas, a menos que tenham algo a me oferecer depois.
_ E você tem.
Houve um instante de silêncio, onde o relógio da mansão marcava segundos que se arrastavam. A podre garota tentou entender o significado daquelas palavras, mas nada se encaixava. Ela era sem-teto, uma jovem de seus 25 anos, sem instrução, uma figura desmembrada pela tragédia — o que poderia um homem como Stefano querer com ela?
_ Você me servirá
_ No que eu bem desejar.
A declaração não foi ameaça vazia nem promessa generosa. Era uma troca clara: vida por serviço, salvo-conduto por submissão. Ela, que tive a casa levada pela água e a família arrancada de sua vida, encarou o vazio interno que aquelas palavras abriram.
Sobrevivência custava. Sobrevivência exigia débitos. E ali, sob o brilho frio da mansão e o bater ininterrupto da chuva, ela percebeu que sua existência acabara de mudar de dono.
Enquanto Stefano recuava à sombra de seu império particular, a moça permaneceu estática, sentindo o eco da última frase como uma sentença. Ao redor, a chuva continuou a cair, implacável, contínua — e o vento soprava entre as colunas, como se a própria noite quisesse, também, demandar algo em troca.
_ O Servir?
_ Como assim?
_ Eu sou escrava dele agora!? __ murmurou Seline em pensamentos, enquanto o observava andar em passos não muito apressados a sua frente, saindo da sala enorme de sua mansão.
Não demora muito e ela ouve a voz de um dos seus funcionários a direcionando.
_ Vamos, irei levá-la ao quarto onde irá ficar. __ Sem saber o que dizer ou como reagir diante de tudo o que ouviu desde então, ela apenas o segue.
O corredor parecia não ter fim. O som dos passos dela, frágeis e inseguros, se misturava ao compasso firme do funcionário que a guiava.
Cada luminária embutida no teto projetava um clarão frio, revelando paredes cobertas por obras de arte que não lhe diziam nada, mas que carregavam a imponência de alguém que vivia rodeado de poder. Ela não ousava falar; ainda estava engasgada com as palavras de Stefano, e o coração batia acelerado como se tentasse escapar do peito.
O homem parou diante de uma grande porta dupla de madeira escura. As maçanetas douradas refletiam o brilho da luz, dando ao espaço uma aura quase sagrada. Ele empurrou uma das portas com um movimento calculado, abrindo espaço para que ela entrasse.
O quarto era amplo, imenso, quase maior do que toda a casa em que vivera antes. O chão era revestido por um tapete espesso, em tons de vinho profundo, que abafava qualquer ruído dos passos.
À frente, uma cama de dossel imponente dominava o espaço, coberta por lençóis de cetim em tonalidades marfim e travesseiros tão numerosos que pareciam inúteis. Sobre o criado-mudo, uma luminária de cristal lançava uma luz suave, amarelada, que contrastava com o clima gélido da mansão.
As cortinas, pesadas e longas, de veludo azul-escuro, cobriam janelas altas que quase alcançavam o teto.
No canto direito, havia uma penteadeira de madeira entalhada, com um espelho oval cercado por arabescos dourados. Sobre a superfície, perfumes, escovas e pequenos objetos estavam organizados de forma meticulosa, como se alguém tivesse preparado o espaço para a chegada dela — embora fosse impossível acreditar que Stefano se importaria com tal detalhe.
Mais ao fundo, um armário embutido se estendia de ponta a ponta da parede, com portas espelhadas que refletiam sua imagem trêmula. Ao lado, uma poltrona estofada em tecido claro, próxima a uma pequena mesa onde repousava uma bandeja de prata com uma jarra de água e duas taças de cristal.
Era um quarto luxuoso, digno de um palácio, mas o ar que pairava nele não era de acolhimento. Era como uma prisão dourada, um espaço belo e frio ao mesmo tempo, que parecia engolir sua fragilidade.
O funcionário se voltou para ela, a voz neutra, quase automática:
_ Este será o seu quarto. O senhor Stefano deseja que você descanse por hoje.
Ela apenas assentiu com um sorriso de leve, sem encontrar palavras.
O coração ainda martelava, e o eco da frase de Stefano — “Irá me servir, no que eu bem desejar” — queimava em sua mente como ferro em brasa. Ao atravessar a soleira, sentiu o peso invisível da porta fechando atrás de si.
Ali estava: sozinha, cercada de luxo, mas com a sensação sufocante de estar enjaulada em seda.
Logo cedo de manhã, tomou um banho no banheiro que tinha ali no quarto.
Na manhã seguinte, ainda sonolenta e com a mente pesada, ela empurrou a porta ao lado do quarto e se deparou com o banheiro. Era tão diferente de tudo o que já conhecera que, por um instante, ficou parada só observando. O espaço era amplo, revestido por mármore branco com veios dourados que brilhavam sob a luz suave de luminárias embutidas no teto.
Uma banheira de porcelana oval, com pés metálicos em forma de garras douradas, ocupava o centro, e ao lado havia um box de vidro transparente, de onde jorrava água quente como se viesse de uma pequena cachoeira. O vapor envolvia o ambiente em uma névoa leve, misturado ao perfume delicado dos sabonetes que repousavam em suportes prateados.
O chão era frio e polido, mas macio sob um tapete felpudo creme. Toalhas dobradas com perfeição estavam empilhadas em uma prateleira, cada uma parecendo mais macia que a outra. Ela retirou devagar as roupas simples que havia recebido no hospital — roupas que ainda carregavam memórias de dor e fraqueza — e entrou debaixo da água quente. Pela primeira vez desde a tragédia, sentiu o corpo relaxar.
Após o banho, envolveu-se em uma toalha grande e espessa, tão suave que quase parecia abraçá-la. Saiu do banheiro com passos cautelosos, olhando em volta, incerta do que deveria fazer. Precisava de roupas, mas não havia nada à vista, apenas a cama impecável e os móveis que mais pareciam peças de exposição.
Foi então que, explorando o quarto em silêncio, notou uma porta discreta, quase escondida ao lado do armário, Empurrou-a com curiosidade e encontrou um espaço que a deixou sem fôlego: um closet.
Era pequeno para os padrões da mansão, mas para ela parecia um universo. Cabides alinhados exibiam vestidos, camisas, calças, sapatos cuidadosamente organizados em prateleiras iluminadas. Perfumes e caixas decoradas ocupavam nichos nas paredes. Tudo ali parecia pertencer a alguém que vivera em outro mundo, muito distante da realidade simples que ela conhecia.
Os olhos dela se arregalaram. Nunca tinha visto algo assim, nem sabia que havia um nome para aquele lugar. Passou os dedos pelas roupas, maravilhada e assustada ao mesmo tempo, sentindo-se como uma intrusa em meio a um tesouro desconhecido.
Ela vestiu o que achou mais simples, um vestido preto simples de alças finas.
Logo alguém bateu na porta e um terror eminente tomou conta de Seline, o que ficou bem visível em seus olhos assustados que agora lacrimejam, olhando em direção a porta.
Jogo e Máscaras
A sala de jogos tinha cheiro de madeira fresca. Luzes baixas pendiam sobre a mesa de sinuca, delineando a superfície verde com faixas douradas. Stefano movia o taco com um gesto calmo e preciso, cada impacto na bola soando como uma sentença controlada.
Seus olhos, de olhar reservado e misterioso, acompanhavam cada movimento com a mesma frieza com que sondara a moça naquela noite chuvosa. Quando falou, a voz saiu tão serena quanto o gesto do taco.
— Chamei você aqui porque tenho planos pra você. Muitos que virão.
Seline permaneceu de pé, as mãos ainda trêmulas pela ordem que lhe fora dada. Seu coração batia acelerado; a presença do homem fazia com que o ar ao seu redor parecesse mais denso. Ela ouviu, e guardou cada palavra como se fosse fio que poderia prender sua vida a um destino novo.
_ Minha irmã casou recentemente com um homem que já vi antes em um jogo de apostas de cavalo — disse ele, parando por um instante para engatilhar outra tacada.
_ Adulteraram nosso jogo. Perdemos uma quantia avantajada.
_ Preciso que se aproxime dela e da casa dela. Quero que seja a minha informante.
O taco cortou o ar, a bola deslizou, e o estalo foi curto como a sentença que completou.
— Você será apresentada como minha namorada.
Seline sentiu o mundo girar. A ideia parecia absurda, quase cômica demais diante da fragilidade que ela ainda carregava. Como uma pobre moça sem instrução e sem passado poderia se passar por alguém refinada? Stefano, no entanto, não pretendia discutir possibilidades; ditava ordens e finalidades.
_ Não tenho tempo para arrumar ou pagar alguém que faça o que planejei.
_ Você será preparada para isso. Apresentar-se-á como uma mulher elegante e refinada. — A voz dele ficou mais cortante.
_ Não estrague meus planos. Se o fizer, seu fim estará próximo.
Ela tentou questionar, a voz saindo por entre os dentes:
_ Por que está fazendo isso? Se for por pena… deixe-me ir.
Ele largou o taco, aproximou-se, e a encurralou com o corpo grande e a presença insubstituível de seu poder.
_ Em tudo o que falei aqui não ficou claro pra você? — sussurrou, os olhos fixos nos dela.
_ Você é apenas um brinquedinho pra mim, garota. Agora eu sou o seu dono. Quando não me for mais útil, irei me desfazer de você.
_ Você saberá demais.
O aviso teve a frieza de quem escreve um contrato com tinta invisível: sangue pela obediência. Aos funcionários, ela seria tratada com aparente cortesia; na prática, todos sabiam de quem seria, e sob quais ordens agiria. Assim se comprava a lealdade: presença pública com pergaminho ameaçador por debaixo.
Uma semana passou em aulas curtas, etiqueta improvisada, arranjos no cabelo e posturas ensaiadas. Ela aprendeu a caminhar com o corpo retraído transformando-se, por esforço e medo, numa mulher que se supunha elegante. Cada gesto era uma peça a mais na máscara que Stefano obrigava-a a vestir.
No grande dia, um jantar foi oferecido na mansão. Yarin — a irmã de Stefano — chegou acompanhada do marido.
O cunhado fora sempre uma sombra suspeita: fora contrário ao casamento repentino da irmã, falava discretas críticas e, embora a irmã soubesse das má intenções do marido, seguira por medo de desagradar Stefano. Por isso mesmo, mais do que curiosidade, a presença dele despertara em Stefano uma faísca de antigo descontentamento — a lembrança do jogo de apostas, a suposição de trapaça. Era por isso que precisava de olhos atentos dentro daquela casa.
Seline entrou na sala de jantar com o peito comprimido por uma mistura de nervosismo e adestramento.
Seus cabelos castanhos escuro caiam em ondas discretas sobre os ombros; os olhos, de um castanho mais claro, Usava um vestido simples — porém bem cortado — de crepe verde esmeralda com cintura marcada e decote discreto; algo que traduzia elegância sem ostentação, fruto das rápidas lições que recebera. O tecido acompanhava seus movimentos com sobriedade, escondendo o tremor que ainda vinha do estômago.
Yarin e o marido a observaram com olhos que variavam entre admiração e desconfiança. Yarin, dona de um instinto herdado de Yonara — mãe sensível que sempre percebera quando alguém não estava bem — percebeu algo além da beleza superficial: havia medo profundo nos olhos de Seline, um medo que só quem conseguia notar claramente era a irmã de Stefano. Yarin não sabia dizer por que; apenas sentiu.
Yarin tem uma beleza admirável, de olhos verdes e cabelos lisos de um castanho escuro e sorriso fácil. Uma mulher doce, refinada e humilde. Nessa Noite está vestida com um longo vestido azul-escuro, e os seus cabelos estão presos num coque com poucas mechas soltas no seu rosto, como uma franja mediana.
A conversa à mesa fluiu entre temas polidos: negócios, lembranças de família, e elogios sutis ao gosto da casa. Seline tentou corresponder, mas o mundo girava em volta de um núcleo de ansiedade. Numa fração de segundo — talvez pela mão que tremeu, talvez pela garganta seca — sua taça de vinho escapou.
O líquido rubro se derramou, mordeu o tecido do vestido e escorreu em direção ao chão. A taça caiu, estilhaçando-se em fragmentos que cintilaram como pequenos cristais negros sob a luz.
Um silêncio cortante percorreu a mesa por um suspiro. Yarin levantou-se num impulso e aproximou-se, a expressão imediatamente tomada por preocupação.
_ Está tudo bem? — perguntou Yarin, a voz macia. _ Parece nervosa. Vem comigo, vou te ajudar com o vestido.
Stefano ergueu o olhar da cadeira, e por um instante seu olhar foi como o de uma águia pousando: direto, avaliador, e frio. Seline sentiu o pânico apertar o peito — temeu a ira do homem por ter chamado atenção, por ter quebrado a cena perfeita que ele tanto prezava. Cada passo até o lavabo foi uma prova.
No banheiro, o cheiro de sabonete e vapor envolveu-a como um manto. Yarin trouxe um vestido novo, pedido com antecedência à funcionária do closet — um gesto de quem queria proteger sem expor suas suspeitas. Enquanto Yarin a ajudava a secar o vinho do rosto e a ajeitar o novo tecido sobre o corpo, sua voz saiu baixa, quase maternal.
_ Está acontecendo alguma coisa? O meu irmão está te fazendo mal?
A pergunta era uma antena apontada para o coração dela. Seline sentiu todas as palavras que poderia dizer se enredarem numa corda fina. Pensamentos rápidos e aterradores invadiram-na: se errasse alguma coisa, se fosse descoberta, Stefano poderia puni-la. Ele poderia exigir mais. Ele poderia, no extremo, tirar-lhe a vida — assim ela pensou, e aquela ideia tornou-se uma lâmina fria na garganta.
Ela fixou os olhos claros de Yarin, e foi como se toda a proteção que nunca teve se comprimisse numa súplica silenciosa. Não era apenas um pedido — era um pedido de socorro. O brilho em seus olhos implorou por algo que as palavras não poderiam traduzir: ajuda, cuidado, salvação.
Yarin inclinou-se, encostou a mão na dela por um segundo — um gesto pequeno, mas cheio de calor humano. Pouco, talvez, para salvar uma vida; muito, certamente, para acender uma esperança. Seline sentiu, por um segundo, que poderia haver uma saída além das ordens e da prisão de seda.
Autora: Será que Seline vai contar a verdade para a irmã de Stefano? Leia mais para descobrir...
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