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Motivos no Qual Comecei Te Amar

Prólogo

Nasci ômega.

Essa simples palavra parecia, desde o princípio, conter todo o peso de um destino que outros escreveram por mim. Como se fosse uma sentença silenciosa, gravada não na pele, mas na essência. Cresci ouvindo propostas mascaradas de promessas, alianças arranjadas, cifras que tentavam comprar não apenas minha mão, mas também meu coração. Diziam que era honra. Para mim, sempre soou como prisão.

Nunca me encantei com a luxúria que muitos julgavam ser inevitável. Havia algo de grotesco na forma como esperavam que eu me entregasse sem alma, apenas corpo, como se o amor fosse moeda de troca em banquetes opulentos. Rejeitei tudo. Preferi me perder nos livros, nas histórias que sussurravam mundos onde ômegas não eram adornos, mas protagonistas. Entre páginas, aprendi a sonhar. Entre linhas, encontrei minha própria voz.

E então, veio a faculdade.

O primeiro espaço que realmente parecia meu, onde não era apenas uma filha a ser negociada, mas uma jovem que caminhava com seus próprios pés. Foi ali que conheci Amélia.

Ela era uma alfa.

E, por isso, eu deveria ter sentido o mesmo medo enraizado em mim desde menina — aquele frio que se instala quando a hierarquia ABO se impõe, quando os instintos gritam que alfas mandam e ômegas obedecem. Mas Amélia… havia algo de diferente nela.

O olhar dela não me prendia: libertava.

Não havia posse em seus gestos, nem arrogância em sua presença. Em vez disso, existia uma estranha calma, como se sua existência tivesse sido talhada para contradizer tudo que me ensinaram a temer. Ela não me devorava com a fome que tantos exibiam. Ela me via. Via as minhas versões — a menina, a mulher, a sonhadora e até a que escondia feridas.

Foi naquele instante que algo dentro de mim mudou.

Não era rendição, não era desejo cego. Era a possibilidade de um amor que não me fizesse ajoelhar, mas me permitisse permanecer em pé, inteira.

Antes de Amélia, tudo que eu conhecia dos alfas era sombra.

Eles chegavam sempre cheios de confiança, acreditando que suas presenças eram dádivas que eu deveria aceitar de cabeça baixa. Alguns me olhavam como quem observa um objeto raro em vitrine — algo para ser adquirido, exibido, usado. Outros, mais ousados, não escondiam a brutalidade travestida de desejo. Para eles, bastava eu ser ômega. Isso, por si só, já os fazia acreditar que tinham o direito de me possuir.

Aprendi cedo a recusar sorrisos, a recuar de toques que pareciam afagos, mas escondiam garras. O "não" muitas vezes não bastava, e eu precisei vestir uma armadura de silêncio e frieza para sobreviver aos avanços. Minha delicadeza era vista como fraqueza, minha recusa como capricho. Os alfas me julgavam ingênua; eu os via como predadores.

Mas os betas… ah, os betas não foram muito diferentes. Não havia a intensidade instintiva dos alfas, mas existia uma crueldade mais sutil. Muitos me enxergavam apenas como degrau social, uma oportunidade de subir pela proximidade com uma ômega cobiçada. Alguns me tratavam como se eu fosse um enfeite exótico, uma peça rara para ornamentar sua vida comum. Outros fingiam amizade, apenas para depois revelarem as mesmas intenções que eu tanto rejeitava.

A verdade é que eu nunca conheci ternura.

Nunca soube o que era ser olhada sem julgamento, sem cálculo, sem desejo de domínio. Sempre senti que para os outros eu era menos uma pessoa e mais uma função — a ômega, a promessa de um futuro fértil, a fantasia moldada pelo instinto.

Foi por isso que Amélia me desconcertou tanto.

Porque quando nossos olhares se encontraram pela primeira vez nos corredores da faculdade, eu não vi fome nem ambição. Vi serenidade. Vi uma alfa que não tentava ocupar todos os espaços, mas que caminhava como se carregasse dentro de si uma harmonia rara. Ela não precisou tocar para me marcar; não precisou falar para me prender. Bastou existir.

E isso me assustou.

Porque, depois de tantas experiências negativas, depois de anos fugindo de correntes invisíveis, como poderia meu coração se permitir sonhar de novo?

Meu nome é Calliope.

E esta não é apenas a história de um coração que ousou sonhar. É a história de uma ômega que recusou o destino traçado para ela… até o dia em que encontrou uma alfa diferente de todas as outras.

Entre Portas e Destinos

O portão da faculdade erguia-se diante de mim como um limiar — não apenas de ferro e tijolos, mas de caminhos que eu ainda não conhecia. O vento da manhã brincava com meus cabelos, como se quisesse me lembrar de que o tempo não volta, apenas segue. Ao meu lado, firme e silencioso, caminhava Thomas, meu irmão.

Thomas era alfa.

Não o tipo de alfa que eu aprendera a temer, mas um que carregava em si o dom raro da gentileza. Sua presença era abrigo, nunca prisão. Talvez por isso, mesmo quando seu instinto protetor transbordava, eu não conseguia me irritar. Havia carinho até em seus exageros.

Ele parou comigo diante da porta principal e colocou a mão em meu ombro, seu toque pesado, mas cálido, como quem teme deixar escapar o que mais ama.

— Callie… — sua voz grave saiu embargada, como se quisesse segurar mil advertências em uma só palavra. — Qualquer problema, qualquer coisa que te incomode… me chama. A qualquer hora. Entendeu?

Não consegui evitar o sorriso.

Thomas, sempre Thomas. Ele ainda me via como a garotinha que tropeçava correndo pelos corredores de casa, os cabelos soltos em desalinho e um livro maior que minhas mãos apertado contra o peito.

— Eu não sou mais uma menininha, Thomas — respondi, tentando disfarçar a ternura que me inundava. — Eu sei cuidar de mim.

Ele me olhou como quem não acredita, mas prefere se calar. Seus olhos tinham a intensidade dos alfas, mas ali não havia controle, apenas preocupação.

— Eu sei que cresceu — disse, finalmente. — Mas isso não significa que precisa enfrentar o mundo sozinha.

Fiquei em silêncio por um instante. O mundo que ele mencionava, eu conhecia bem demais. E talvez ele tivesse razão… ainda assim, havia em mim uma fome de independência que nenhuma proteção, nem mesmo a dele, poderia saciar.

Dei um passo à frente, sentindo o coração pulsar mais forte. O portão se abriu. A faculdade me recebia, e eu sabia: dali em diante, cada batida do meu coração escreveria uma nova parte da minha história.

O campus se abria diante de mim como um jardim interminável. Campos verdes, árvores altas que sussurravam segredos com o vento, e caminhos entrelaçados que mais pareciam trilhas de um labirinto. Caminhava devagar, com o mapa aberto entre as mãos, tentando decifrar linhas e indicações que se confundiam com a ansiedade que me queimava o peito.

Era o primeiro passo da minha vida longe das paredes conhecidas de casa.

O alojamento.

O lugar onde, ao menos por agora, meu corpo poderia descansar sem cobranças, e minha alma talvez encontrasse algum respiro.

Eu estava tão absorta em seguir o traço do mapa que só percebi quando duas vozes femininas ecoaram juntas, quebrando o silêncio suave da manhã.

— Está perdida? — perguntaram.

Levantei os olhos e dei de cara com duas garotas idênticas. Eram gêmeas. Mesmo sorriso, mesmo brilho de malícia nos olhos claros, mesmo tom de curiosidade que soava mais como desafio.

Balancei a cabeça, forçando um sorriso educado.

— Não, não estou perdida… mas agradeço a preocupação.

Elas se entreolharam com uma cumplicidade silenciosa e, em seguida, uma delas riu baixinho. A outra não demorou a completar:

— O alojamento das ômegas fica ao sul. Está indo para o lado errado.

Apontei para o mapa que ainda segurava firme.

— O meu dormitório não é ao sul. — respirei fundo, encarando as duas. — O meu fica a leste.

Foi como se minhas palavras tivessem congelado o ar por um instante.

As gêmeas pararam de sorrir e, quase em perfeita sincronia, viraram o rosto para mim, como se apenas naquele instante tivessem realmente me enxergado. Seus olhos se fixaram na minha pele morena, nos cabelos escuros que caíam soltos sobre os ombros, e finalmente, nas linhas firmes da minha expressão.

Então, juntas, como um sussurro carregado de surpresa e revelação, disseram:

— Você está no alojamento misto!!

Um arrepio percorreu minha espinha.

Eu, uma ômega, destinada desde sempre a ser separada, protegida e vigiada… agora dividindo espaço com todos os outros. Alfas, betas… e quem mais o destino decidisse colocar no meu caminho.

Eu não sabia se deveria sorrir ou estremecer.

Só sabia que o coração batia mais forte — como se pressentisse que aquela simples descoberta mudaria tudo.

As palavras delas ainda ecoavam dentro de mim: “Você está no alojamento misto!!”

Como se fosse uma sentença, um aviso, ou até mesmo uma provocação.

Meu coração acelerou. Eu sabia o que significava. Sabia das histórias que cresci ouvindo — do perigo, da tensão, da constante vigilância que deveria acompanhar cada respiração de uma ômega cercada de alfas. E, por um instante, senti o chão sumir sob meus pés.

As gêmeas perceberam. Talvez tenham visto no meu rosto a sombra do receio, ou talvez tenham apenas se divertido em esticar o suspense. Uma delas deu um passo à frente e, num tom mais leve, comentou:

— Não precisa ficar assim. O alojamento leste tem mais betas do que alfas.

A outra completou, num meio sorriso, como se buscasse suavizar o golpe:

— O dormitório das ômegas já está lotado, sabe? Muitas transferências recentes. Então acabaram reorganizando. Não é tão terrível quanto parece.

Olhei para as duas com uma mistura de desconfiança e alívio. Queria acreditar. Queria pensar que não havia armadilha, que o destino não estava apenas me testando mais uma vez.

Respirei fundo e deixei o vento da manhã atravessar meus pulmões, tentando apagar o nó que se formava ali dentro. Talvez, afinal, esse fosse apenas mais um dos caminhos inesperados que eu teria de aprender a trilhar.

Sorri com educação.

— Obrigada pelo aviso.

Elas se entreolharam novamente, como sempre em sincronia, e riram baixinho, antes de seguirem adiante, deixando-me sozinha no campo verde, com o mapa ainda aberto nas mãos.

E enquanto eu observava a direção do leste, o coração pulsava forte em meu peito.

Porque, embora não soubesse explicar, havia em mim a sensação de que o “alojamento misto” não era apenas um acidente de organização. Era um prenúncio.

O Corredor dos Olhares

Antes mesmo de alcançar as portas do alojamento, o ar já denunciava o que me esperava.

O cheiro.

Forte, denso, quase sufocante. A presença de alfas espalhava-se como um manto invisível que tentava dominar cada canto. Era selvagem, marcante — e para mim, que tantas vezes aprendera a desconfiar, soava como um aviso constante. Alguns aromas me causavam até náusea, como se meu corpo gritasse em defesa antes que minha mente pudesse reagir.

Ainda assim, respirei fundo e lembrei das palavras de Thomas: “Ande sempre de cabeça erguida, Callie.”

E foi o que fiz.

Atravessei os corredores de cabeça alta, ainda que meus instintos implorassem para recuar. Garotos e garotas se encostavam pelas paredes, rindo, cochichando, alguns deixando que os olhos me seguissem com descarado interesse. Senti os olhares pesarem sobre mim como lâminas, ouvi os sussurros que se entrelaçavam atrás dos meus passos. Mas não hesitei.

Eu era ômega, sim.

Mas não seria um reflexo de fragilidade, nem uma presa fácil.

Meu caminhar precisava ser firme, minha postura, erguida — como quem desafia sem precisar dizer uma única palavra.

Meu quarto ficava no fim do corredor, o último de uma fileira que parecia se estender eternamente. Cada passo ressoava dentro de mim como um pequeno ato de coragem. Quando finalmente alcancei a porta, senti um alívio súbito, como quem encontra um refúgio depois de atravessar um campo de batalha.

Empurrei a maçaneta.

O interior me recebeu com o silêncio do abandono.

O quarto estava vazio. As duas camas intocadas, o chão empoeirado, as cortinas ainda fechadas, como se ninguém tivesse passado por ali há muito tempo. Não havia malas, roupas, nem vestígios de outro alguém. Apenas paredes nuas, esperando histórias para preencherem seu vazio.

Por um instante, fiquei parada à soleira da porta, o coração batendo forte. Eu sabia que não estaria sozinha para sempre. Mais cedo ou mais tarde, alguém dividiria aquele espaço comigo. Mas, por agora, a solidão era meu único consolo.

Deixei minhas malas no canto e caminhei até a cama mais próxima da janela.

Era estranho… aquele quarto, ainda vazio, parecia me observar, como se aguardasse pelo que estava por vir.

E no fundo, eu também aguardava.

Escolhi a cama ao lado da janela, como quem escolhe uma promessa de escape. Gostava de imaginar que, sempre que o mundo se tornasse pesado demais, bastaria abrir as cortinas e deixar o vento me lembrar de que a liberdade ainda existia.

Comecei a arrumar o quarto.

Troquei os lençóis gastos por tecidos claros que trouxera de casa, cada dobra um gesto de cuidado, cada detalhe uma forma de dizer: “Este lugar agora é meu refúgio.” Coloquei sobre o travesseiro dois pequenos bichinhos de pelúcia, companheiros de infância que ainda guardavam minhas memórias mais suaves.

Não sabia se era permitido, mas com certa facilidade consegui fixar uma pequena estante na parede. E, pouco a pouco, os livros começaram a ocupar seus espaços, como se fossem pedras que sustentavam a estrutura invisível da minha alma.

Foi então que o som seco de três batidas ecoou na porta.

Meu coração disparou.

Abri, e diante de mim surgiu uma mulher alta, elegante, de olhar firme. Não precisei de muito para reconhecer o que ela era. Alfa. Seu aroma preencheu o ambiente de imediato, denso e envolvente, mas diferente dos outros que tantas vezes me fizeram querer recuar. Esse era… quase agradável, inebriante, como se tivesse o dom de adoçar o ar sem sufocá-lo.

— Boa tarde, senhorita Calliope — sua voz era firme, mas não hostil, carregada de uma autoridade que se impunha sem esforço. — Sou a reitora da faculdade. Vim pessoalmente recebê-la.

Endireitei a postura, lembrando das lições de Thomas, e respondi com um aceno respeitoso.

Ela continuou:

— Normalmente, seria a representante do alojamento quem faria essa apresentação inicial. Mas temos um pequeno problema… — pausou, um leve sorriso nos lábios, como quem conhece a fraqueza de seus subordinados. — A representante não consegue se conter diante das ômegas. Então, por prudência, achei melhor assumir essa função.

Senti o rosto corar.

Era estranho ouvir aquilo dito de forma tão direta, tão despida de véus. Ainda assim, a sinceridade da reitora trazia consigo um certo conforto.

— Entendo — murmurei, em voz baixa, mas firme o suficiente para que ela ouvisse.

Ela assentiu, os olhos percorrendo rapidamente o quarto que eu tentava tornar meu.

— Vejo que já começou a organizar o espaço. É bom. Mostra determinação. Espero que mantenha esse mesmo cuidado com seus estudos e sua postura aqui dentro.

E então, estendeu a mão, firme, como um pacto silencioso.

— Vamos. Eu lhe mostrarei a faculdade.

Por um instante, hesitei. O quarto ainda tinha cheiro de solidão, e eu não sabia se estava pronta para enfrentar os novos olhares, as novas vozes, os novos destinos que me aguardavam além daquela porta. Mas aceitei a mão dela, deixando que a autoridade inebriante da reitora me conduzisse.

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